Por Thiago Oliveira
“8.
Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. 9. Seis dias trabalharás e farás
teu trabalho, 10. mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus. Nesse dia não
farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem
tua serva, nem teu animal, nem o estrangeiro que vive contigo. 11. Porque o
SENHOR fez em seis dias o céu e a terra, o mar e tudo que neles há, e no sétimo
dia descansou. Por isso, o SENHOR abençoou o sábado e o santificou”.
Êxodo
20. 8-11
“12.
Guarda o dia do sábado para o santificar, como te ordenou o SENHOR, teu Deus; 13.
seis dias trabalharás e farás todo o teu trabalho; 14. mas o sétimo dia é o
sábado do SENHOR, teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu
filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teu boi, nem teu
jumento, nem qualquer animal teu, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades;
para que teu servo e tua serva descansem como tu. 15. Lembra-te que foste
escravo na terra do Egito e que o SENHOR, teu Deus, te tirou dali com mão forte
e braço estendido. Por isso, o SENHOR, teu Deus, te ordenou que guardasses o
dia do sábado”.
Deuteronômio
5. 12-15
Criação
e Redenção
Aqui temos o registro do
Dia de Descanso (Sabá[1])
presente no decálogo. Na primeira vez que os Dez Mandamentos são pronunciados,
é dito que devemos lembrar do sabá para santificá-lo, e a divina obra da
criação é usada como parâmetro. Deus fez todo o universo em seis dias e no
sétimo descansou. Já na repetição do decálogo, o parâmetro é a obra redentiva
de Deus. Os hebreus deveriam lembrar que foram escravizados, mas Deus, com mão
forte e braço estendido trouxe libertação para aquele povo que há séculos vivia
cativo. Criação e Redenção são as razões para que observemos o quarto
mandamento.
Quando se é dito que Deus
abençoou e santificou um dia especial da semana, significa que dentre os outros
seis dias, um tem um caráter distintivamente religioso, ou seja, voltado para
contemplação religiosa. Além de renunciarmos a nossa labuta, o sabá nos é dado
para que adoremos a Deus na beleza da Sua santidade. É um dia solene de culto
que não deve ser negligenciado, pois, o descaso com aquilo que o SENHOR declara
santo é um grave pecado chamado profanação. Quando abdicamos o dia sabático,
estamos nos tornando parecidos com Esaú que por um mísero prato de lentilhas
vendeu a benção para seu irmão. Uma pessoa profana é alguém que não é santa,
justamente por não valorizar o que é santo. Sendo assim, podemos dizer que o
profano é o ímpio que não tem comunhão com Deus.
O sabá precisa ser
observado não apenas como o dia de jogar as pernas para o ar e não fazer
absolutamente nada além de dormir e comer. Devemos buscar a Deus com
intensidade e profundidade. Cultuar é a regra do dia sabático. Por isso que a
Igreja de Cristo se reúne solenemente uma vez por semana e celebra seu Criador
e Redentor. É para ser um dia memorial de gratidão. Gratidão pelo simples fato
de existirmos e nos movermos nesse mundo de Deus, que nos fornece o alimento e
as condições necessárias para que tenhamos vida. A dádiva da vida deve ser
celebrada no sabá. Só o fato de Deus ter nos trazido a existência, e ter
soprado em nós o fôlego que nos permite viver, é algo que não devemos cessar
nunca de render-Lhe ações de graça. Será que temos consciência disso? Estamos
cientes de que a cada acordar, Deus demonstra a Sua misericórdia, nos dando um
novo dia na certeza de que Ele tem cuidado de nós? Como se isso não fosse o
bastante, temos outro grande motivo para celebrarmos: Jesus Cristo, nosso
redentor, nos tirou do cativeiro do pecado, onde vivíamos escravizados, em
estado de alienação. Ele, por sua infinita graça nos redimiu. Redenção é um
termo que se usava quando um escravo era solto após o pagamento de determinado
valor. E quem pagou a conta para nossa libertação? Foi Jesus Cristo na cruz do
calvário. Ele pagou o preço pela nossa redenção. Estamos livres da tirania e da
opressão do pecado. Louvado seja o nosso Senhor Jesus Cristo, a Ele a glória,
para todo sempre!
Quando o Dia do SENHOR não
é guardado, sabe o que isso quer dizer na prática? Que a criação e a redenção
não nos alegram. Quer dizer que não somos gratos por nenhuma dessas coisas. Não
adianta dizermos que isso não é verdade, se na prática, o memorial que Deus
estabelece para agradecermos e celebrarmos o Seu santo nome pela vida e pela
salvação não está sendo observado por nós. Nosso mundo está de fato muito
diferente. As relações de trabalho são mais dinâmicas do que a dos hebreus que
viveram há milênios antes de nós, com sua economia pautada na agricultura e na
pecuária. Hoje, o capitalismo dita um ritmo muito mais intenso e acelerado.
Todavia, devemos lembrar que Deus deve ser colocado como a prioridade. O
cristão não deve se amoldar ao que o mundo impõe como padrão. Não nos
conformemos, diz o apóstolo Paulo, mas, transformemos o mundo pela renovação do
nosso entendimento, e assim viveremos debaixo da vontade de Deus, que é boa,
perfeita e agradável (Rm 12.2).
Um
Presente do Alto
Muitos de nós temos uma
concepção errada da Lei. Enxergamos os seus mandamentos como sendo algo que
tolhe a nossa liberdade. Para nós, lei e coerção são termos sinônimos. Todavia,
a lei não pode ser encarada assim pelos cristãos. Como diz o apóstolo Paulo, a
lei é santa e os mandamentos são santos, justos e bons (Rm 7.12). O decálogo
foi um presente dado por Deus que indicava que Ele tinha uma aliança com os
hebreus. Podemos elencar três benefícios: 1) permitiu que aquele povo se
tornasse uma nação, 2) permitiu que o conhecimento sobre Deus fosse o mais
claro possível e, por último, 3) permitiu o autoconhecimento. Pois, pela lei,
vemos quem somos de fato: pecadores! Ela que nos conduz até Cristo, o único
capaz de cumprir todos os mandamentos e estender a nós a sua justiça.
O sabá não deve ser visto
como um entrave para nossa prosperidade, já que ele não nos permite realizar
nenhum tipo de trabalho que nos garanta alguma remuneração. O sabá é o descanso
que necessitamos após uma semana estressante de serviço puxado. É um recarregar
de baterias que Deus nos oferece, para o nosso bem. É um dia de reunir a
família que mal se vê devido às agendas desencontradas no decorrer da semana.
Um dia em que casais podem desfrutar da benção matrimonial e prestar um culto a
Deus na intimidade santificada do ato conjugal. Filhos e pais podem conversar e
estreitar os laços afetivos. As refeições podem ser feitas sem pressa, pois,
não existe horário de almoço limitado. Acima de tudo, a família deve se reunir
em nome do seu Provedor para adorar em plena comunhão. E uma família se junta à
outra família, que se junta à outra, que se junta a mais outra e: eis a Noiva
do Cordeiro, que enfeitada agrada ao seu Noivo entoando cânticos amoráveis
Àquele que é digno de receber louvor.
Somos tão tolos, que
desprezamos as dádivas celestiais. Nos parecemos muito com os hebreus
obstinados no deserto. Após Deus conceder o maná e ter ordenado que ninguém
estocasse, pois no outro dia haveria mais para atender suas necessidades,
alguns desobedeceram e armazenaram o pão do ceú. Para sua infelicidade e
vergonha, o maná estocado apodreceu e eles não puderam comer. Mesmo assim, Deus
foi generoso. No sexto dia de colheita, havia o dobro e o povo estava
maravilhado e perguntaram a Moisés o motivo daquilo. É aqui que temos a
primeira menção do sabá como um dia de repouso estabelecido. Moisés informou
que aquela porção dobrada significava que ninguém iria precisar se dar ao
trabalho de colher no sétimo dia. O povo poderia coletar tudo naquele dia, e
repousar no sétimo, e o pão não iria apodrecer dessa vez. Mas, alguns teimosos
ainda foram ao campo para colher, só que nada encontraram. O SENHOR se indignou
com tal postura e perguntou até quando aqueles homens iriam desprezar a Sua
Palavra? (Deuteronômio 16.16-30).
Infidelidade é falta de
fé. Os teimosos que foram colher maná no dia em que deviam repousar e agradecer
a Deus pela colheita farta do dia anterior duvidaram da provisão divina. Hoje,
muitos empregos fazem com que os cristãos trabalhem também aos domingos (nosso
sabá). Essa é uma constatação óbvia. Não julgo meus irmãos e até entendo que
situações financeiras foram determinantes para que isso acontecesse. Mas,
apelando para a consciência dos queridos, peço que orem a Deus, com fé em Sua
provisão. Orem para que o SENHOR lhes conceda o necessário para sustentarem
suas famílias sem que o sabá seja sacrificado. Ele pode fazer isso. Se esta é a
situação na qual você se encontra, trabalhando aos domingos, não faça nenhum
tipo de loucura e deixe sua família passando privações. Ao invés de se
precipitar, aconselho para que estabeleça uma meta, sabendo que isso é da
vontade de Deus, para que você possa encontrar alguma profissão que lhe permita
folgar no Dia do SENHOR. Tenha fé e busque soluções para isso através de estudo
e qualificação profissional[2].
Nossa
Herança Apostólica e Confessional
Por que guardamos o
domingo e não o sábado? Esta é uma pergunta muito repetida. Alguns, como os
Adventistas do Sétimo Dia, dizem que a troca do sábado para o domingo foi uma
invenção do imperador Constantino, quando organizou a igreja aos moldes das
instituições romanas, isso no século IV. Para eles, guardar o domingo ao invés
do sábado é uma perversão do decálogo. Uma corrente ainda mais radical diz que
quem não guarda o sábado vai para o inferno. Isso é uma crença equivocada,
fruto de um conhecimento deturpado das Escrituras.
O princípio do sabá é
descansar num dia após trabalhar durante seis. Em todo o Antigo Testamento, e
até mesmo antes da ressurreição de Cristo, o sétimo dia era guardado. Todavia,
após a ressurreição de Jesus, o primeiro dia da semana – o domingo – passou a
ser o sabá para todos os cristãos. Atentemos para a Bíblia:
- João 20.1, 19 e 26
mostra a ênfase de João ao citar o primeiro dia da semana como o mais
importante do calendário Cristão. Foi o dia da ressurreição de Cristo, dia de
sua primeira aparição aos apóstolos, já com o corpo ressurreto. Esse dia de
reunião é repetido na semana seguinte, agora com a presença de Tomé que estava ausente
na primeira aparição.
- Atos 20.7 é o texto que
nos dá uma evidência muito clara de que a igreja do primeiro século já estava
bem habituada a celebrar a Santa Ceia e se congregar em memória e adoração a
Cristo no primeiro dia da semana, o domingo. Esse ajuntamento solene não foi
inventado por Constantino, é uma prática da igreja com referencial apostólico.[3]
- 1 Coríntios 16.2 fala de
uma oferta que Paulo solicita aos irmãos de Corinto para ajudar seus irmãos
necessitados. A coleta do dinheiro ofertado é realizada no primeiro dia da
semana, o domingo, pois, era nesse dia que os cristãos se reuniam para adorar
ao Senhor. Assim, coletar a quantia arrecadada seria mais fácil, já que todos
estavam reunidos num mesmo local.
- Apocalipse 1.10 o
apóstolo João é levado em Espírito para ouvir e ver a revelação do SENHOR. Isto
acontece também no primeiro dia da semana, que já possui status sabático, pois
o dia é descrito como o Dia do Senhor. Um dia consagrado a Jesus Cristo.
Além dos textos bíblicos,
temos a herança dos documentos confessionais que nos mostram que o domingo é o
dia santificado pelos cristãos. A Didaqué, que foi material de catequese para
os cristãos do século II assim diz: “Reúna-se
no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus
pecados, para que o sacrifício seja puro (XIV, 1)”. Vejamos o que subscreve
outros documentos confessionais:
“Desde o princípio do
mundo até à ressurreição de Cristo, Deus designou o sétimo dia da semana para o
descanso semanal; e desde então o primeiro dia da semana para continuar sempre
até ao fim do mundo, que é o Sábado cristão, ou Domingo”.
Breve Catecismo de
Westminster, resposta a pergunta 59.
“Desde a criação do mundo
até a ressurreição de Cristo, Deus designou o sétimo dia da semana para ser o
Sabath semanal; e desde então, o primeiro dia da semana, que deve continuar até
o fim do mundo, o qual é o Sabath Cristão”.
O Catecismo Batista,
resposta a pergunta 65.
Considerações
Finais
Após a exposição e defesa
do quarto mandamento, válido para os cristãos de hoje, pois a lei moral
presente no decálogo não está abolida, o que podemos acrescentar - à guisa de
conclusão - são os seguintes pontos:
Não faça pouco caso da santificação de
outros dias. Nosso culto é diário e nossa vida é para a
glória de Deus. No que tange o nosso testemunho e a prática da piedade, todos
os dias são iguais. A distinção do sabá é a maior concentração de tempo
devocional, uma vez que o nosso tempo não concorrerá com outros afazeres do
nosso cotidiano.
Não menospreze a família.
O sabá é um dia voltado para adoração, mas Deus sempre trabalhou na perspectiva
de salvar famílias. Por isso, não se encha de atividades na igreja que furte o
tempo de devoção com seus entes queridos. O sabá também é um dia para que a
família preste culto em unidade.
Não menospreze a Igreja.
Outro extremo a ser evitado é restringir o sabá ao culto doméstico. Este dia é
dia para a Igreja de Cristo se unir em adoração. Deixar de congregar é um
péssimo sinal, pois, não existe crente ermitão. Sendo assim, que possamos nos
alegrar no Dia do Senhor, na comunhão dos santos, louvando ao Cordeiro de Deus
que nos remiu com seu precioso sangue.
Soli Deo Gloria!
[1] Optei
por usar essa forma transliterada do original shabbath.
[2]
Existem profissões, tais como médicos, enfermeiros e policiais, onde o sistema
de plantão acaba fazendo com que estes profissionais trabalhem em alguns
domingos. Todavia, considerando o texto de Lucas 14.1-6, essas atividades
entram na categoria de obras necessárias, visto que elas fazem o bem servindo a
sociedade.
[3]
Algumas traduções, como a NTLH, optaram por “sábado a noite”, mas isto não
refuta o que foi exposto, pois a contagem dos judeus se dava diferentemente. O
nascer e o pôr do sol eram o começo e o fim de um dia para o judeu. Sendo
assim, uma reunião noturna como a de At 20.7, já era considerada como sendo uma
reunião dominical.