Por Luiz Sayão
O divórcio tem sido uma
das questões mais complexas da atualidade. Muita gente tem até receio de
discutir o assunto abertamente – todavia, não se pode esquivar-se deste tema,
que tem afetado a Igreja Evangélica.
De um lado, os mais
conservadores rejeitam o divórcio em toda e qualquer situação, mesmo nos casos
de infidelidade conjugal. De outro, os liberais fazem uma releitura dos textos
bíblicos que tratam da questão, sob a justificativa de que os tempos são outros
e que ninguém deve ser obrigado a sofrer para sempre ao lado de quem não gosta.
Diante de tanta polarização, é preciso lançar luz bíblica sobre a questão.
Da perspectiva
hermenêutica, deve-se ressaltar a importância do casamento registrada em
Gênesis 2.18-24, na criação; e em de Deuteronômio 24.1-4, que fala da permissão
para o divórcio.
Todavia, a direção clara
sobre o divórcio, em termos práticos, aparece, sem dúvida, no Novo Testamento.
Como é bem conhecido, os textos dos evangelhos sinóticos que tratam do assunto
são Mateus 5.31-32; Marcos 10.1-12; Lucas 16.16-18; e Mateus 19.1-12. Destes, o
mais detalhado e significativo é aquele registrado por Mateus. Uma análise
atenta do texto irá nos mostrar alguns fatos:
- O divórcio era comum e
fácil já nos dias de Jesus.
- Cristo coloca o homem e
a mulher em pé de igualdade. Entre os judeus, nenhuma mulher podia divorciar-se
de seu marido.
- Havia uma discussão
entre os rabinos sobre o divórcio no tempo de Jesus. A questão era a
interpretação das escolas de Hillel e de Shamai. A primeira aceitava o divórcio
por “qualquer motivo”; a segunda, somente por “algo indecente” (ambos a partir
da interpretação de Deuteronômio 24.1-4). Jesus posiciona-se do lado dos de
Shamai, rejeitando a separação por “qualquer motivo”.
- Jesus procura mostrar
que Deus está mais interessado no casamento do que no divórcio. Por isso, volta
a atenção da discussão para a teologia do casamento na criação. Sua postura era
clara: o casamento é monogâmico e deve durar por toda a vida.
- É preciso dizer que a
poligamia ainda era tolerada pelos judeus, pois o Antigo Testamento nunca a
condenou.
- O pecado praticado no
divórcio, conforme Mateus 19, está relacionado com a quebra dos votos do
casamento, isto é, a infidelidade.
- A certidão dada pelo
marido na ocasião da separação da mulher trazia uma frase que permitia a ela um
novo casamento. Isso porque os judeus não incentivavam uma vida de solteiro.
- Jesus corrige a teologia
judaica, afirmando que a base teológica correta é “o princípio” e não “Moisés”.
Aqui vemos o ideal cristão de restauração de todas as coisas conforme o
princípio.
- Como os judeus aceitavam
a poligamia, especialmente no caso da escola de Hillel, o homem só adulterava
se tomasse a mulher de outro homem.
- A postura de Jesus tem a
finalidade de proteger a mulher injustamente “despedida”.
- Cristo afirmou
inequivocamente que um divórcio não válido implica em adultério.
Tudo indica que Jesus
admite algum tipo divórcio ou de anulação do casamento em Mateus 19. O problema
é o sentido de “porneia”, tradicionalmente traduzido por “prostituição”, cuja
interpretação é de fato “imoralidade sexual”. A visão mais conservadora sugere
que o termo se referia ao que acontecera antes do casamento – o marido
descobria que a mulher não era virgem, e assim anulava o casamento. Outros até
sugerem que a ideia fosse a de consanguinidade. A posição mais comum e mais
fundamentada entende que Jesus se refere ao depois, isto é, se acontecesse
alguma “porneia”. O termo não é literalmente adultério (moicheia), usado depois
no texto. O significado da palavra é amplo e pode referir-se a qualquer tipo de
imoralidade sexual. A comprovação dessa imoralidade permitia o divórcio sem
culpa por parte do ofendido.
Assim, o resumo de uma
posição equilibrada sobre o assunto nos dirá que tudo deve ser feito para
manter um casamento. Ainda que haja adultério, deve-se buscar restaurar o
casal, a menos que isso seja impossível, se uma das partes insiste em viver na
“imoralidade sexual”, o que pode englobar uma série de práticas como adultério,
homossexualismo, bestialidade, incesto e pedofilia. Infelizmente, o divórcio é
um remédio amargo que se toma para evitar viver em bigamia, poligamia e
promiscuidade.
Todavia, a questão se
torna mais complicada diante de I Coríntios 7. A dificuldade é que o texto
parece sugerir que a separação é até compreensível, mas o recasamento é
inaceitável. É preciso ressaltar desde o início que o contexto é bem diferente
do que vemos nos evangelhos. Em I Coríntios 7, o problema principal é o
casamento misto. A pergunta que se fazia não era sobre adultério ou traição. A
questão era: o convertido a Cristo deveria abandonar seu cônjuge pagão? Com
base no versículo 1, parece que alguns cristãos não queriam ter relações
íntimas com o cônjuge descrente. Além disso, é importante ressaltar que o
casamento misto sempre foi condenado pelos judeus – tanto, que os filhos desses
casamentos eram tidos como ilegítimos. O mesmo problema aparece aqui. Alguns
cristãos achavam que deveriam separar-se do seu cônjuge pagão para que seus
filhos fossem “santos”.
Ao lidar com a questão,
Paulo mostra-se muito prático. Uma razão para isso era que a lei romana era
muito flexível e liberal para com o divórcio. Muitos simplesmente abandonavam o
cônjuge. Ao chegarmos ao versículo 10, vemos que Paulo ordena que a mulher não
se separe do marido. O texto refere-se à ordem de Jesus e aplica-se
contextualmente. Tal orientação destina-se a mulheres crentes que achavam que
deveriam deixar o marido descrente. Seguindo o ensino de Cristo, ela não
poderia casar-se de novo, pois isso seria adultério, conforme Mateus 19.9. Aqui
não houve “porneia”. No caso de imoralidade o divórcio foi permitido; no caso
de um motivo injustificado, como o caso de um cônjuge pagão, o divórcio é
proibido. Todavia, caso a convivência ficasse impossível, a separação era
aceitável, mas não o re-casamento. Assim, o cristão estava proibido de casar-se
de novo.
A questão parece ser
diferente nos versos de 12 a 15. O texto fala agora de cristãos que poderiam
ser abandonados pelos cônjuges descrentes. A ênfase é fazer o possível para
continuar casado – mas, se o descrente resolvesse separar-se, o cristão não
seria culpável (v.15). A dificuldade de interpretação no verso 15 é a frase
“debaixo de servidão”. As sugestões são várias: a pessoa estaria livre da lei
de Cristo (Mt 19) e poderia divorciar-se; a pessoa estaria livre para
separar-se, mas não deveria escravizar-se a nenhum outro cônjuge; a pessoa
estaria livre da escravidão do marido; a pessoa, isto é, a mulher estaria livre
pela primeira vez para escolher o seu futuro. A frase parece indicar
possibilidade de novo casamento, caso um dos parceiros fosse abandonado por um
cônjuge descrente que definiu sua situação com outra pessoa.
Finalizando, vale
mencionar que a frase “chamou para a paz” parece indicar uma expressão rabínica
que significaria “fazer justiça sem ser muito legalista”. Isso indicaria a
flexibilidade de Paulo neste caso específico.
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Fonte: IBNU