Por
Samuel Alves
A
igreja brasileira carece de uma antropologia genuinamente bíblica e reformada,
é de suma importância compreender na história da Salvação a origem do homem, a
queda e os desdobramentos desta queda. Um enfoque apenas na queda seria inútil
se não apontarmos para Cristo como o grande e único salvador. A tarefa do pastor/teólogo
no estudo antropológico é mostrar a criação, a queda e a redenção do homem.
Isto moldará nossa teologia e nosso evangelismo pessoal. Outro aspecto
importante a ser destacado é este relacionamento entre Adão e Cristo dentro da
revelação progressiva, a Confissão de Fé de Westminster faz a seguinte
referência sobre este relacionamento[1].
III. O homem, tendo-se tornado pela sua
queda incapaz de vida por esse pacto, o Senhor dignou-se fazer um segundo
pacto, geralmente chamado o pacto da graça; nesse pacto ele livremente oferece
aos pecadores a vida e a salvação por Jesus Cristo, exigindo deles a fé nele
para que sejam salvos; e prometendo dar a todos os que estão ordenados para a
vida o seu Santo Espírito, para dispô-los e habilitá-los a crer.
Gal. 3:21; Rom. 3:20-21 e 8:3; Isa.
42:6; Gen. 3:15; Mat. 28:18-20; João 3:16; Rom. 1:16-17 e 10:6-9; At. 13:48;
Ezeq. 36:26-27; João 6:37, 44, 45; Luc. 11: 13; Gal. 3:14.
Portanto,
veremos neste artigo que a antropologia bíblica esta interligada a cristologia.
Na antropologia humanista o homem consegue se salvar, na antropologia reformada
o homem é visto na perspectiva da queda. Ela vê o ser humano em estado de
pecado, corrompido e dependente de um mediador. A filosofia humanista descarta
os efeitos da queda e insiste que homem é neutro e pode tomar uma decisão em
relação a Deus.
A
ANTROPOLOGIA BIBLICA REFORMADA
Na
antropologia bíblica e reformada o ponto de partida é a Escritura, vemos o
homem através da revelação, percebemos todo o processo através da revelação
progressiva: Criação, queda, redenção e consumação.
A ANTROPOLOGIA HUMANISTA
Na
antropologia humanista o ponto de partida é o homem, vemos a referência à
filosofia da moral humana, um conceito autônomo e longe das Escrituras e de uma
revelação sobrenatural. Sabemos que o grande pecado de Adão e Eva foi pensar
autonomamente e comer do fruto proibido.
1. O HOMEM EM ADÃO
SOLIDARIEDADE
DA RAÇA HUMANA
O
homem foi criado por Deus em um relacionamento pactual em um estado de
integridade (status integritatis),
sua vida religiosa era de plena comunhão com Deus, esta vida tinha raízes na
aliança. Em Gênesis 2.16-17, podemos ver o estabelecimento do Pacto de Obras e
após a queda o Pacto de Graça, que mesmo sendo eterno é estabelecido na
história da salvação em Gênesis 3.15.
A
queda não foi uma simples “topada” como afirmam os pelagianos e semi-pelagianos,
o homem não é um ser “neutro”. Através das Escrituras podemos perceber que a
queda foi catastrófica atingindo toda a descendência de Adão, como escreve
Paulo aos Romanos: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;
(Romanos 3:23 ACRF)”. Fica claro a solidariedade da raça humana, em Adão
(representante federativo): herdamos o pecado, foi através dele que o primeiro
pecado entrou no mundo e a consequência foi a morte para todos. Grudem[2] faz a seguinte citação sobre a palavra
“todos” no contexto de Romanos:
A ideia de que "todos
pecaram" significa que Deus pensa de nós, pois todo pecado quando Adão
desobedeceu, é ainda mais enfatizada nos próximos dois versos, onde Paulo diz:
Antes da promulgação da lei, não era pecado no mundo. É verdade que o pecado
não é levado em conta quando não há lei, no entanto, desde Adão até Moisés
reinou a morte, mesmo sobre aqueles que não o fez pecado por quebrar um
comando, como fez Adão, que é uma figura daquele que havia de vir. (Romanos
5:13-14)
Este
delito não foi um delito leve e simples, mais uma grave afronta contra Deus e
sua lei, pecado este que, Deus puniu toda a descendência e lançou sua vingança
sobre todo gênero humano, fica claro a herança deste pecado a toda a raça
humana.
A
despeito de toda argumentação da filosofia humanista, temos respaldo bíblico
para defender a queda do homem e suas consequências. Podemos buscar apoio na
exegese e perceber que no contexto de Romanos 5.18-19 a palavra “se tornaram” -
verbo, aoristo, passivo, indicativo, 3ª Pessoa, Plural (um indicativo aoristo que
sugere ação concluída no passado) - quando ocorre o evento da queda toda a
humanidade fica debaixo do pecado. Podemos concluir que todos os membros da
raça humana estavam representados em Adão e a partir da queda sofreram os
efeitos noéticos do pecado.
2. O
HOMEM EM CRISTO
CRISTO MEDIADOR ENTRE DEUS E O HOMEM
Uma
vez que todo homem pecou em Adão, Deus em sua soberania nos oferece um plano
eterno de redenção em Cristo, após a queda, podemos ver um proto-evangelho em Genesis 3.15, onde Deus promete que o
descendente da mulher ferirá a cabeça da serpente, Berkoff[3]
faz a seguinte alegação de Cristo como redentor:
Na aliança da redenção, Cristo se
encarregou de expiar os pecados de seu povo, sofrendo pessoalmente a punição
necessária, e de satisfazer as exigências da lei pelo mesmo povo. E ao tomar o
lugar do homem delinquente, ele se fez o ultimo Adão e como tal chefe da
Aliança, o representante de todos os quanto o Pai lhe deu. Então, na aliança da
Redenção, Cristo é o penhor ou o fiador e o chefe.
Seria
necessário que o mediador fosse um verdadeiro Deus/homem, ciente de nossas
necessidades, aprouve Deus em seu decreto eterno enviar seu filho unigênito
para salvar o homem caído, através da antropologia vemos a inabilidade do homem
e vemos em Cristo todo o cumprimento da lei. Cristo preenchia todos os
requisitos para ser nosso salvador e redentor. Calvino[4]
nas institutas da religião faz a seguinte citação:
Assim, foi preciso que o filho de Deus
fosse feito para nós um Emanuel, um “Deus conosco”, de tal maneira que, por uma
conjunção mútua, sua divindade e natureza divina fossem reunidas entre si. De
outro modo, não haveria proximidade tão direta, nem afinidade tão firme, donde
se daria a esperança de Deus habitar conosco, tão grande era a separação entre
nossa sordidez e a suma pureza de Deus. Por mais que o homem se mantivesse
afastado de toda a mancha, era muito miserável sua condição para que chegasse a
Deus sem um mediador.
Aqui
esta a base da eterna aliança da graça, a vida eterna só poderia ser obtida se
as exigências da lei fossem cumpridas, como o ultimo Adão, Cristo cumpre a lei
e obtém a vida eterna para os pecadores eleitos. Se em Adão herdamos o pecado,
em Cristo, desfrutamos de uma reconciliação com Deus por causa de sua obra
redentora e somos coerdeiros com Ele (Romanos 8.17).
CRISTO E ADÃO
O
grande tempo da salvação raiou em Cristo, sua morte e ressurreição traz
libertação dos eleitos do julgo do pecado, os filhos de Adão são libertos do
poder das trevas e são transportados para o Reino de Cristo (Colossenses 1.13),
Ridderbos[5],
tece o seguinte comentário sobre o tempo da salvação em Cristo:
É
nela que a era presente perdeu seu poder e domínio sobre os filhos de Adão e
sobre todas as novas coisas que vieram. Por este motivo, também, todo o
desdobramento da Salvação que raiou com Cristo remete sempre e de novo para sua
morte e ressurreição, pois todas as facetas nas quais essa salvação aparece
todos os nomes pelos quais ela é descrita, no fim, não passam do desdobramento
daquilo que esse irromper de suma importância da vida na morte, do reino de
Deus neste mundo presente, contém em si.
É
neste ponto que vemos o ápice do relacionamento entre o primeiro e o ultimo
Adão. Em Cristo temos a redenção, adentramos em toda riqueza do mistério do
plano redentor onde Deus manifesta seu caráter trazendo luz à nova criação.
É
em Romanos 5.12 que vemos o paralelo que Paulo faz entre Adão e Cristo, vemos o
caráter abundante da salvação no tempo e na eternidade, Hendriksen[6]
faz o seguinte comentário sobre a passagem:
Além disso, quando temos em mente que
esse mesmo capítulo (5) não ensina apenas a inclusão de todos os que pertencem
a Adão – ou seja, de toda a raça humana - na culpa de Adão, mas também a
inclusão de todos os que pertencem a Cristo, na salvação adquirida por seu
sangue (vv. 18, 19; cf. 2Co 5.19; Ef 1.3-7; Fp 3.9; Cl 3.1, 3), e que esta
salvação é dom gratuito de Deus a todos os que, pela fé, se dispõem a
aceitá-la, não teremos nada de que nos queixarmos.
A
Bíblia está cheia de paralelos que demonstram este relacionamento íntimo entre
Adão e Cristo, podemos ver a Escritura versando sobre o velho e novo homem.
Neste relacionamento vemos claramente a aplicação da expiação limitada, o velho
homem é entendido em um sentido individual e a aplicação da redenção é
encaminhada ao homem. “Velho” e “novo” apontam para o tempo antes e depois da
regeneração pessoal. Esse é o ponto em nossa antropologia: o homem caído sendo
regenerado por Deus em Cristo.
CONCLUSÃO
Em
Adão vemos um homem criado à imagem de Deus que ao usar a autonomia da razão
peca contra Deus e come do fruto proibido, este pecado contamina toda a raça
humana e as encerra debaixo do julgo do pecado - quão grande pecado! - culpa e
condenação. Este seria o triste fim da humanidade, mas, Deus em sua providência
desde os tempos eternos já havia providenciado antes da fundação do mundo um
grande salvador. Este salvador foi dado por resgate em favor de muitos. É nos
evangelhos de Marcos e Mateus que a palavra “resgate” (lytron) aparece. Naquela
época este termo estava associado ao preço pago na compra de escravos, porém,
Cristo deu sua vida em troca da libertação dos eleitos de Deus.
Em
Cristo vemos a aliança da consumação. Se no antigo pacto o homem caiu em Adão,
na nova aliança somos restaurados por Jesus “o ultimo Adão”. O propósito de
Deus de redimir seu povo não foi frustrado pela queda, em Cristo, Deus
estabelece uma nova aliança com seu povo e o traz para um novo relacionamento
pactual. Nesta ultima aliança, Deus une todas as promessas através da história
redentora e esta aliança suplanta as administrações das alianças anteriores, pois,
aqui alcança o pleno cumprimento das promessas do Senhor ao povo da aliança: “Eu serei o seu Deus e vos sereis o meu povo”.
Em
Cristo o homem pecador é regenerado e tem acesso a todos os benefícios do
pacto, assim como o filho pródigo que volta para casa e tem seu relacionamento
restaurado com seu pai, assim como filhos de Deus em Cristo, tomamos posse da
herança eterna.
[3] BERKOFF, Louis
(1873-1957), Teologia Sistemática; traduzido por Odayr Olivetti. – 4ª Ed.
Revisada – São Paulo: Cultura Cristã, 2012. p. 248.
[4] JEAN, Calvin, 1509-1564. A instituição da religião
cristã, Tomo I, Livros I e II; tradução Carlos Eduardo de Oliveira... et al.,
e, tradução do livro II, Carlos Eduardo de Oliveira. – São Paulo: Editora
UNESP, 2008. p. 441.