Um
ponto que é essencial para a nossa compreensão acerca do dia do Senhor é
entendermos qual é, exatamente, a natureza do descanso que nos é ordenado e
providenciado pelo Senhor em seu dia. Isso envolve compreendermos se o domingo
é um dia meramente voltado para o descanso físico, para o recompor das energias
ou até mesmo para o ócio, a fim de enfrentarmos mais uma semana de trabalho,
voltado para o descanso e o lazer com a família[i], ou se o domingo é um dia
voltado para o descanso espiritual, isto é, para a devoção mais íntima, mais
focada em Deus juntamente do povo de Deus.
Há
alguns anos, quando estava ensinando a respeito do dia do Senhor houve quem
protestasse dizendo ser o domingo o único dia que tinha para ir à praia e fazer
um churrasco com a família. Eu acredito que não são poucas as pessoas que
possuem este raciocínio, que entendem que o propósito do dia do Senhor é tão
somente proporcionar o descanso, o repouso e o lazer necessários após uma
estressante e estafante semana de trabalho, afinal de contas, no mandamento o
Senhor Deus nos diz: “não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a
tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro
das tuas portas para dentro” (Êxodo 20.10). Ao mencionar os servos e os animais
se vê claramente que o dia de descanso tem em vista o descanso e o refazer do
vigor e das forças. No entanto, a questão é: É apenas isso? O único propósito
do dia do Senhor é proporcionar ao trabalhador um momento para dormir até mais
tarde, ir à praia com a família, fazer um piquenique, etc?
Esta
questão é de grande importância, pois como salienta o Pr. Ryan McGraw, pastor
da Igreja Presbiteriana da Graça, em Conway, na Carolina do Sul:
O cerne do debate sobre o que é lícito no Shabbath é se o
propósito do dia é descansar ou se é descansar “empregando todo o tempo em
exercícios públicos e particulares de adoração a Deus” (Breve Catecismo de
Westminster, P. 60). A maneira como você responde a esta pergunta determina
como você observará o dia. Este ponto determina como você responderá a cada
pergunta a respeito de quais pensamentos, palavras e obras são apropriados no
Shabbath, bem como se recreações seculares que são lícitas nos outros dias
também são lícitas no Shabbath. Se você crê que o propósito do dia é descansar,
então a ênfase da sua guarda do Shabbath estará sobre aquilo que faz com que
você se sinta mais descansado. Por outro lado, se você acredita que o propósito
do Shabbath é consagrar um dia para o culto privativo, familiar e público,
então você excluirá todas as práticas que são inconsistentes com o culto ou que
não o promovem de forma imediata.[ii]
Por
aquilo que as Escrituras revelam fica claro que o propósito do dia do Senhor não
é apenas proporcionar descanso físico ao seu povo após uma semana de trabalho
intenso. O descanso do dia do Senhor não pode ser igualado a inatividade ou
ócio. No início da letra do quarto mandamento encontramos um indício de como o
dia deve ser compreendido: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar”
(Êxodo 20.8). Devemos atentar para o fato de que o descanso do Shabbath é um
descanso santo. O dia deve ser santificado. Todos nós sabemos que quando algo é
santificado isso significa dizer que o mesmo é retirado do seu uso comum para
servir a um fim religioso ou piedoso. Quando algo é consagrado isso significa
dizer que é separado por Deus para ele mesmo, para a fruição do próprio Deus,
para o deleite e o agrado dele. A mesma ideia aparece, por exemplo, em Êxodo
31.15-17: “Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do repouso
solene, santo ao SENHOR; qualquer que no dia do sábado fizer alguma obra
morrerá. Pelo que os filhos de Israel guardarão o sábado, celebrando-o por
aliança perpétua nas suas gerações. Entre mim e os filhos de Israel é sinal
para sempre; porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, e, ao sétimo
dia, descansou, e tomou alento”. Assim, vejam que o dia é declarado um dia
santo.
Além
disso, está escrito em Êxodo 35.1-2: “Tendo Moisés convocado toda a congregação
dos filhos de Israel, disse-lhes: São estas as palavras que o SENHOR ordenou
que se cumprissem: Trabalhareis seis dias, mas o sétimo dia vos será santo, o
sábado do repouso solene ao SENHOR; quem nele trabalhar morrerá”. Permitam-me
citar também as palavras de um pastor presbiteriano chamado Robert L. Reymond a
respeito da natureza do dia do Senhor como um “repouso solene”:
Nesta passagem é importante notar o significado da palavra
“repouso” e as palavras seguintes “ao SENHOR”. “Repouso” não pode significar
mera cessação de trabalho, muito menos recuperação da fadiga. Essa ideia também
não é aplicável ao “descanso” de Deus em Gênesis 2.2-3. A primeira ideia é
negada por nosso Senhor em João 5.17 onde ele afirma que o “Pai trabalha até
agora”. A última é inapropriada à ideia de quem Deus é. “Repouso” significa o
envolvimento numa nova atividade, no sentido de uma atividade diferente.
Significa a cessação do labor dos seis dias e a tomada de diferentes labores apropriados
ao dia do Senhor. O que esses labores do repouso do Sabbath são está
circunscrito pela frase acompanhante “ao SENHOR”. Eles certamente incluem tanto
o culto corporativo quanto o privado e a contemplação da glória de Deus.[iii]
Isso
fica ainda mais claro quando observamos a posição do quarto mandamento no
Decálogo. Essa posição coloca uma forte ênfase sobre a ideia de culto. Os
primeiro quatro mandamentos tratam da nossa relação direta com Deus de modo
geral e, mais especificamente, do culto que devemos prestar a ele. O primeiro
mandamento trata do objeto de culto, o segundo da maneira do culto, o terceiro
da atitude apropriada do culto, e o quarto do tempo separado exclusivamente
para o culto.
O
puritano Lewis Bayly, em sua obra A Prática da Piedade, uma obra que
influenciou a ninguém menos que John Bunyan, autor da famosa obra O Peregrino,
disse o seguinte: “Aquele que observa o Shabbath só descansando do seu trabalho
comum, observa-o como qualquer animal. Mas a guarda desse dia como descanso é ordenada
aos cristãos igualmente como ajuda à santificação. Assim também o trabalho é
proibido por impedir o culto exterior e interior de Deus”.[iv]
_______________
[i] Na
mente de muitas pessoas este é o único propósito do domingo. O dia foi
estabelecido para ser aproveitado em família. Nesse caso, há uma dissociação do
propósito intentado por Deus.
[ii]
Ryan M. McGraw. The Day of Worship: Reassessing the Christian Life in Light of
the Sabbath. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2011. pp. 25-26.
[iii]
Robert L. Reymond. “Lord’s day Observance”. In: Contending for the Faith: Lines
in the Sand that Strengthen the Church. Ross-shire: Christian Focus
Publications, 2005. p. 181.
[iv]
Lewis Bayly. A Prática da Piedade. São Paulo: PES, 2010. p. 265.