Calvino dizia que Colossenses é uma
joia preciosa dentre os livros do Novo Testamento. A centralidade de Cristo é
retratada de forma maravilhosa, demonstrando sua supremacia e suficiência sobre
todas as esferas da vida e do cosmos. A glória de Cristo é demonstrada na
epístola de forma profunda e suas aplicações na segunda parte do ensino de
Paulo, como eram costumeiras, nos deixa claro que o que ali estava descrito não
tinha a intensão de permanecer no mundo das ideias, mas sim na prática. Cristo
é supremo sobre a salvação (cap. 1.12-14), no cosmos e natureza (cap. 1.15-17)
e na igreja (v.18). No segundo capítulo temos uma defesa, uma abordagem
apologética da divindade de Cristo, que na verdade começa ainda no capítulo um.
Paulo adverte a igreja dos falsos ensinos que circundavam a igreja na cidade de
Colossos. O legalismo judaizante, os ensinos gnósticos sobre conhecimentos
ocultos, religião de mistérios e culto aos anjos. Essa abordagem de Paulo
se alarga na segunda parte e podemos perceber pelo teor da epístola que essa
centralidade, suficiência e supremacia de Cristo, se estendem a nossa comunhão
diária com o Senhor (cap 3.1-15); ao culto (cap.3.16); aos relacionamentos
familiares (cap. 3. 18-21); nos relacionamentos sociais (cap. 3.22-25); ao
nosso proceder ou testemunho para com os não cristãos (cap. 4.4-6).
A riqueza da epístola é sem
precedentes, uma maravilhosa visão cosmológica sobre a extensão do Senhorio de
Cristo sobre todas as coisas. Paulo nos diz que Cristo sustenta todas as
coisas, Cristo é o grande maestro do universo (Cl 1.17). Mas para que possamos
entender todo o desabrochar da riqueza desse escrito paulino, temos que começar
pela oração de Paulo pelos colossenses e seu pedido para que cresçam no
conhecimento de Deus. Vejamos o Texto de Colossenses 1.9-12:
Por esta razão, nós também, desde o dia
em que o ouvimos, não cessamos de orar por vós, e de pedir que sejais cheios do
conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual;
Para que possais andar dignamente diante do Senhor, agradando-lhe em tudo,
frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus; sendo
fortalecidos com todo poder, segundo a força da sua glória, em toda a
paciência, e longanimidade com gozo; Dando graças ao Pai que nos fez idôneos
para participar da herança dos santos na luz;
Cheios do Conhecimento de Deus
Acho interessantes as aplicações
de Paulo na vida da igreja dos colossenses, a ideia de cheios do conhecimento é
de um navio mercante pleno, devidamente carregado para a viagem. Paulo deseja
que a igreja esteja saturada da Palavra, mas não é um conhecimento
intelectualizado, é um conhecimento da vontade de Deus. Ele mostra
imediatamente como se manifesta esse conhecimento de Deus na igreja: Com
sabedoria e entendimento espiritual. O conhecer na Bíblia é mais do que uma
absorção intelectual, mais do que uma apreensão mental. Timothy Keller explica
isso muito bem quando diz
O que faz de Alguém um cristão não é
tanto o fato de conhecer a Deus, mas de ser conhecido por Ele. “Conhecer” na
Bíblia significa mais do que a ciência intelectual. Conhecer alguém é
estabelecer um relacionamento pessoal com a pessoa.[i]
Tiago nos fala de sabedoria vinda de
Deus
Quem dentre vós é sábio e entendido?
Mostre pelo seu bom trato as suas obras em mansidão de sabedoria. Mas, se tendes
amarga inveja, e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem
mintais contra a verdade. Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é
terrena, animal e diabólica. Porque onde há inveja e espírito faccioso aí há
perturbação e toda a obra perversa. Mas a sabedoria que do alto vem é,
primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia
e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia. Ora, o fruto da justiça
semeia-se na paz, para os que exercitam a paz. Tg 1.13-18.
Todo conhecimento espiritual redunda em
prática, em glória a Deus, em comunhão com os santos, em caráter cristão, em
louvor ao Deus triúno. Esse conhecimento de Deus produz frutos como veremos a
seguir, produz obras (Ef 2.11), esboça misericórdia, sabedoria, paz.
Frutificando e Crescendo
Esse conhecimento de Deus deve estar
num processo contínuo. Não cessa. Não fica estagnado, ele é crescente.
Frutifica e cresce, aqui começa os quatro gerúndios da vida santificada, a
partir do versículo 10. O andar de forma digna que Paulo menciona me chama
bastante atenção, “para que possas andar dignamente”. Esse
frutificar e crescer também é dito por Paulo no versículo 6 (frutificando e
crescendo) em relação a operação do evangelho e de sua chegada a cidade de
Colossos, e agora Paulo usa as mesmas palavras para a igreja e para o
crescimento espiritual dela. Quero fazer algumas aplicações a esse andar usado
pelo Apóstolo. Em outras versões e traduções encontramos viver ou viverdes
dignamente, o sentido é o mesmo, mas me chama atenção o andar nas Escrituras a
Palavra nos diz que
E ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no
jardim pela viração do dia; e esconderam-se Adão e sua mulher da presença do
SENHOR Deus, entre as árvores do jardim. (Gênesis 3.8)
E andou Enoque com
Deus, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos, e gerou filhos e
filhas. (Gênesis 5.22)
Notemos que o andar no pensamento
judaico muitas vezes é sinônimo de conhecimento, caminhar, ir em direção,
conhecer. Lemos no Salmo 119.105, Lâmpada para os meus pés é tua
palavra, e luz para o meu caminho. A lei do Senhor ilumina meu
caminhar, minha vida e guia meu futuro. Andar com Deus ou o andar
de Deus conosco, significa o deleite no conhecimento de Deus, o que John Piper
chama de Satisfação em Deus, tema largamente abordado por
Piper que desenvolve de forma singular a teologia de Edwards. Esse tema não era
estranho ao pensamento reformado, John Owen escreveu Comunhão com o
Deus Trino que demonstra isso também de forma magistral. Lemos ainda
no Evangelho de Lucas que dois discípulos iam pelo caminho que ia para Emaús
quando Jesus se aproximou
E, naquele mesmo dia, dois deles
estavam caminhando em direção a um povoado chamado Emaús, que
ficava a cerca de onze quilômetros de Jerusalém. E iam dialogando sobre todos
os fatos recentemente ocorridos. Enquanto trocavam ideias e discutiam, o
próprio Jesus se aproximou de ambos e começou a caminhar com
eles;
(Lucas 24.13-15, Versão King James)
Vejamos que eles a princípio caminhavam
discutindo os últimos acontecimentos, e depois Jesus se aproxima e caminha com
eles (anda com eles). Podemos notar nesse texto também algumas aplicações
devocionais. Todo nosso andar com Deus deve ser permeado por sua Palavra. É
impossível uma vida cristã plena do conhecimento de Deus como Paulo fala, sem a
centralidade da Palavra, a leitura e a pregação da Escritura é um meio de Graça
para os eleitos de Deus. O texto nos diz:
E ele lhes disse: Ó néscios, e tardos
de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha
que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória? E, começando por
Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava em todas
as Escrituras.
(Lucas 24.25-27)
A caminhada para Emaús foi saturada
pelas Escrituras, da mesma forma a caminhada cristã deve sim ser acalorada,
vivificada, renovada pela Santa Palavra de Deus. Não podemos caminhar com Deus
e desfrutar de seu conhecimento sem as Escrituras, Sola Scriptura! Tota
Scriptura!
Fortalecidos pela Força da Sua Glória
Ao chegarmos ao nosso ponto final,
deslumbramos a gloriosa graça de Deus sobre a vida de sua igreja. Graça
pactual, aqui nós observamos o amor de Deus e seu cuidado e zelo por seu povo e
como Deus deseja manter-nos em sua presença, inclusive em nossas lutas contra a
carne e o pecado que tão de perto nos aflige. Sua aliança com seu povo
escolhido o fortalece, o mantém de pé, o sustenta com graça, seu favor é a
causa mater de estarmos em sua presença e caminhando com Ele
em novidade de vida. Seu amor eletivo nos garante certeza de sua ação poderosa
em nossa vida. Nos diz o conhecido teólogo e comentarista reformado William
Hendriksen:
O aforismo “conhecimento é força” é
verdadeiro na vida espiritual mais do que em qualquer área. Quando uma pessoa
cresce no pleno conhecimento de Deus, sua força e coragem aumentam. A presença
divina que habita no seu interior a capacita a dizer: “Posso todas as coisas
naquele que me fortalece” (Fp 4.13). Paulo acrescenta: Segundo a força
da sua glória. “Segundo” é mais forte do que “de” ou “pela”. Quando um
multimilionário doa “de” sua fortuna a alguma boa causa, ele pode estar dando
muito pouco; mas quando ele dá “segundo” as suas riquezas, a quantia será
substanciosa. O Espírito Santo dá não apenas “de”, mas “segundo”. [ii]
Notemos que a graça dispensada sobre
nós para uma vida de pleno conhecimento redunda em vida santificada. Essa força
(kratos) da sua glória é uma força ativa operada em nós, Ele nos
fortalece de forma gloriosa.
Ao fim o texto nos diz que essa força
nos é dada para perseverarmos e exercermos longanimidade.
A perseverança nos fala de resistência, a casa edificada sobre a rocha que é
atingida pela tempestade, mas está fundamentada, firme, tem força.
Força que não é dela mesma, mas do fundamento, e qual é o fundamento? Cristo!
Em Cristo somos fortalecidos por meio
de seu Espírito que opera em nós por sua Palavra, a Deus seja toda Glória! A
longanimidade nos leva a uma ação, a perseverança nos mostra recepção, a
longanimidade nos mostra concepção, mas conceber o que? Da mesma forma que
recebemos graça pela força da glória para resistir a perseguições, provações,
desespero ou covardia; a longanimidade nos remete a reagirmos às mesmas
questões. É dar a outra face, é caminhar a segunda milha. A graça que nos dá
poder para resistir, nos dá poder para agir segundo a sua vontade (cap.1.9).
Perante tal quadro majestoso que nos
remete a pessoa de Cristo e seu exemplo para nós, entendemos que tudo converge
em Cristo, por isso fomos predestinados para sermos conforme a imagem
de seu Filho (Rm 8.29). Para que desfrutemos de sua santa pessoa, nossa
união com Cristo nos proporciona esse fruto do Espírito (Gl 5.22-24). Diante
desse quadro que as Escrituras nos dão finalizamos com o versículo 12, com o
último gerúndio, dando graças. O coração que conhece a Deus lhe é
grato por tamanha graça, por tamanho conhecimento de sua vontade, pela herança
dos santos na luz, por Ele nos fazer idôneos para isso.
Porque dele, e por meio dele, e para
ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!
Romanos 11.36
[i] - Timothy Keller. Gálatas para
você, p. 112. 2015. Ed. Vida Nova.
[ii] - Comentário do Novo Testamento,
1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemon. Ed. Cultura Cristã, p.318.