Por Thiago Oliveira
Não tenho dúvidas de que a
Reforma Protestante foi o maior acontecimento da chamada Idade Moderna. Quando
Lutero fixou as suas 95 teses na Catedral de Wittenberg no dia 31 de outubro de
1517, ele não tinha sequer a dimensão do que tal ato ocasionaria. Foi com a
Reforma que as bases do período medieval começaram a ruir. Antes dele, alguns
homens já haviam tentado mostrar a igreja romana que ela deveria voltar-se para
a autoridade da Escritura. Podemos destacar aqui nomes como o de John Wycliffe
(1320-84) e John Huss (1369-1415). Foram as ideias destes dois homens as
responsáveis por formar a perspectiva dos reformadores do século 16. O que
Lutero fez foi dar o passo que eles não puderam dar.
A Reforma aconteceu num
período em que o Renascentismo havia influenciando o continente europeu. Quando
Lutero defendeu as suas teses, Leonardo Da Vinci ainda estava vivo, viria a
morrer dois anos depois. Quando houve um confronto entre Lutero e o Dr. Eck, em
Leipzing, este se deu no ano em que Da Vinci morreu. As Institutas, a
obra-prima de Calvino, e talvez a mais importante dentre a vasta produção dos
reformadores, foi dedicada a Francisco I, o homem que levou Da Vinci para
França. Vemos então que a Renascença e a Reforma ocorreram concomitantemente
por um período. Ambos tratavam das mesmas questões, todavia suas respostas
foram diferentes. Se para o renascentista, o homem podia ser descrito como um
ser autônomo, a medida de todas as coisas. Para o reformado, Deus é a medida de
todas as coisas e o homem não é autônomo, pois a Queda tirou-lhe a autonomia e
o escravizou sob o domínio do pecado.
Não podemos ser levianos
ao ponto de dizer que a Renascença não surtiu nenhum efeito no pensamento dos
reformadores. É obvio que o espírito questionador do renascimento fez com que
os reformadores fossem mais críticos com relação às tradições religiosas que
não tinham respaldo bíblico. Todavia, o homem da Reforma adotou para si o “Sola Scriptura” e procurou obter todas
as respostas na Bíblia Sagrada. Isto foi imprescindível para que o humanismo
infiltrado na Igreja Católica não ganhasse espaço nas recentes igrejas
protestantes. Embora houvesse diferenças periféricas entre Lutero, Zuínglio e
Calvino, ambos os reformadores – com os ramos denominacionais oriundos de seus
pensamentos – estavam unidos na mesma ideia de que a Escritura (e não a
tradição eclesiástica) é a única fonte de autoridade para o cristão.
Partindo do pressuposto
Bíblico, os reformadores deram uma dimensão adequada de quem é Deus, mas também
de quem é o homem e a natureza. Calvino inicia as Institutas falando que o
conhecimento de Deus leva o homem ao autoconhecimento. Isto gerou um grande
avanço científico e cultural, pois, de acordo com as Escrituras, o homem, mesmo
pecador, foi criado à imagem de Deus e isto lhe confere dignidade. Logo, o
homem tem um caráter distintivo se comparado com os demais elementos da
criação, por isso, ele pode explorar a natureza e tentar decifrá-la. Porque a
Bíblia diz que o mundo faz sentido, o homem pode buscar este sentido e conhecer
mais acerca do cosmos, glorificando a Deus pela sua criação.
A ciência moderna se
desenvolveu porque os reformadores se voltaram para a Bíblia e pregaram que
Deus é racional, criou o mundo racional e dotou o homem de razão para que este
pudesse explorar as maravilhas da criação. Se partisse de um pressuposto que
não fosse este, talvez demorasse muito mais tempo para que a ciência se
desenvolvesse - se é que ela poderia se desenvolver, pois, sem um ponto de
partida universal, o homem não chegaria aonde chegou tratando apenas dos
particulares, pois cairia numa armadilha epistemológica e não poderia ter
certeza alguma de que o que ele sabe é um verdadeiro saber.
Graças a Reforma, a Bíblia
foi traduzida para os idiomas vernáculos e distribuída para a população. Assim,
todo cristão poderia ler a Escritura devocionalmente e tirar dela as lições
para a vida. A alfabetização tornou-se uma tarefa comum dos reformadores, que
ensinavam o povo a ler para que estes pudessem mergulhar nas preciosas páginas
da Bíblia. O sacerdócio universal fez com que líderes leigos surgissem nas
igrejas e este foi o início do estabelecimento de uma visão de governo mais
democrática, que começou na igreja e foi sendo disseminada para a sociedade.
Deve-se aos reformadores o surgimento das democracias ocidentais.
No campo das artes, talvez
a música tenha sido a que mais se destacou. A Reforma fez surgir o interesse
pela cultura e nesse aspecto, Bach (1685-1750) tem um papel formidável. Ele foi
um dos compositores provenientes da Reforma, muitos chegam a citar uma anedota
que diz: “Se não fosse Lutero, não teríamos Bach”. Este músico brilhante
costumava iniciar suas partituras com uma sigla que tinha por significado “Com
a ajuda de Jesus” e as terminava com outra sigla latina para expressar que “A
Deus seja dada a glória”. Além de uma infinidade de músicas sacras, também
compôs músicas festivas, ambas, apesar do uso distinto, foram concebidas para
glorificar ao Criador.
E quanto a Handel? Deste
vem o Messias, Saul, Israel no Egito e Sansão. Músicas compostas no século 18,
inspiradas nos relatos bíblicos e que até hoje são executadas pelas mais
competentes orquestras. O “Coro de Aleluia” faz com que o nome do SENHOR seja
exaltado em diferentes nações e nos traz a recordação de que se não fosse a
concepção reformada e a importância que a Reforma deu para a Bíblia, nunca
teríamos tais obras-primas, que são o verdadeiro patrimônio da cultura
ocidental.
Este texto também poderia
falar sobre a pintura de Rembrandt (1606-1669) e dissertar sobre as artes
plásticas, que ao contrário do que muitos alegam, também teve uma alta produção
dentre os países protestantes. Todavia, penso que seria mais importante
destacar (para finalizar) a contribuição da Reforma para a economia. Tanto
Lutero quanto Calvino ensinaram que o homem tem uma vocação e que através dela
o SENHOR pode ser louvado. O trabalho torna-se então uma tarefa digna e a
produção tende a crescer, pois, o trabalho realizado com diligência rende bons
frutos. Isto gerou riqueza e fez com que os burgueses não mais fossem relegados
a uma vida imunda nos burgos. Estes ascenderam socialmente e modificaram a
sociedade estamental, fazendo com que o empreendedorismo desse os seus
primeiros passos. Na efervescência do comércio, a indústria ganhou novas
configurações, daí estoura a Revolução Industrial.
Óbvio que nem tudo são
flores e que durante este processo houve algumas falhas. Não exaltamos os
reformadores como se fossem os santos católicos. Não prestamos culto a
personalidades. Contudo, reconhecemos que tais homens foram piedosos e ousados
para fazer com que uma sociedade e uma Igreja atolada em humanismo e corrupção
fossem reformadas, não pelos seus esforços pessoais, mais pelo Poder da palavra
de Deus. O próprio Lutero chegou a afirmar: “Eu nada fiz, a Palavra fez tudo”.
Soli
Deo Gloria