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22 de jan. de 2015

Entre comunidades enfermas e indivíduos doentes

Por Ricardo Agreste

Cresce no Brasil o número daqueles que defendem a possibilidade do exercício da espiritualidade cristã sem vínculos formais com as chamadas igrejas. Tal tendência é cada vez mais encontrada em livros e na postura de pastores, lideres e artistas que não mais possuem compromisso efetivo com uma comunidade local. Para estes, as igrejas, tanto em sua expressão local como também institucional, deslocaram o foco do simples exercício da fé comunitária para a manutenção dos projetos personalistas de seus líderes ou demandas de suas denominações. Inúmeros casos e histórias são contados para justificar a acusação. Ao ouvi-los, somos levados a concluir: estas comunidades se encontram enfermas.
O problema é o que fazer diante dessa situação. Simplesmente abortar a expressão comunitária da espiritualidade cristã seria a solução? Substituir a congregação formal por uma reunião semanal, quinzenal ou mensal, com pessoas à nossa imagem e semelhança, é a saída? Ou é mais válido viver à parte dos demais cristãos, alimentando a perigosa pretensão de que somente nós estamos saudáveis, enquanto todos os demais estão enfermos? Quando condicionamos nossa reflexão aos conceitos e princípios que nos são oferecidos na Palavra de Deus, teremos que admitir que, ao eliminarmos o engajamento comunitário de nossa prática espiritual, geramos apenas indivíduos doentes.
Nosso Deus, ao se revelar através da história da salvação, apresenta-se como um Deus comunitário. Ele é Pai, Filho e Espírito Santo. A trama da salvação é vivida por estas três pessoas, que pertencem a uma comunidade divina. Cada uma delas possui características próprias, porém fazem uso delas não na direção da autonomia, mas da interdependência, a qual constrói historicamente a redenção de todas as coisas. Da mesma forma, o Senhor nos criou como seres comunitários. Existe uma expressão do plano divino em nossas vidas que só pode ser desenvolvida através da vida em comum, com constância e compromisso. O perigo do isolamento é a construção de um projeto autônomo, no qual nossos pensamentos e características próprias tornam-se o parâmetro da verdade.
Quando Deus escolheu e chamou Abraão, manifestou sua intenção em construir historicamente uma comunidade, na qual o alvo maior seria a mutualidade, o serviço. Além disso, o elemento unificador daquela comunidade não seriam as virtudes dos indivíduos que a formariam, mas a perfeição de seu criador e redentor, que por sua imensa graça une gente imperfeita e complexa. O reflexo dessa vida comunitária no Novo Testamento segue o mesmo padrão. Jesus escolhe e chama seus discípulos dentre homens complicados e inconsistentes, para fazer deles um grupo que tem como marca o amor e serviço mútuo. As dificuldades de um projeto dessa natureza se manifestaram desde cedo, e se intensificam ao longo da plantação das primeiras comunidades cristãs. Mesmo assim, a exortação do escritor bíblico é clara: “Não deixemos de nos congregar, como é costume de alguns” (Hebreus 10.25).
Estão certos aqueles que acusam as igrejas de serem comunidades enfermas, já que Deus escolheu e chamou um pessoal complicado para formá-las. Tal constatação pode nos levar ao isolamento, o que até parece mais confortável. Mas também pode nos levar ao compromisso em aprender a celebrar as virtudes do outro e acolhê-lo em suas limitações, o que é mais saudável. Por outro lado, quem diz que os que vivem de forma autônoma e isolada adoecem também têm razão. O dilema, então, chega a ser shakespeareano: ser ou não ser parte de uma comunidade cristã?
Primeiramente, precisamos admitir que não existe outro caminho para aprendermos a amar e a servir, expressando a marca maior daqueles que seguem a Jesus, se não nos engajarmos em relacionamentos duradouros e, consequentemente, na vida comunitária. Aqueles que não se submetem a esse processo desenvolvem uma individualidade imatura e doentia, passando a ter a si mesmos como referência, o que é a pior forma de idolatria. Em segundo lugar, precisamos buscar comunidades que correspondam aos critérios mínimos de higidez estabelecidos pelas Escrituras – e a maneira como a Palavra de Deus é ensinada, a forma como a liderança é exercida e o tipo de relacionamento que é incentivado entre seus membros são bons exemplos de elementos a serem observados.
Mas em terceiro e último lugar, precisamos também abrir mão do mito da comunidade cristã perfeita, que tem levado muita gente a acreditar que ela poderá ser estabelecida por eles mesmos, à sua imagem e semelhança. Todavia, será só uma questão de tempo para perceberem o problema ético e estético de tamanha pretensão. Acontece que comunidades cristãs possuem um fator distintivo: elas são formadas por pessoas imperfeitas, confusas e complicadas que têm como fator unificador não os seus méritos, mas as virtudes daquele que as chamou.
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Fonte: Cristianismo Hoje

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