Por Thiago Oliveira
Cristãos
defendendo e até participando das festividades de Carnaval? Dou graças a Deus
por esta festa ter acabado, todavia me entristeço por ter visto que alguns
crentes postaram nas redes sociais mensagens favoráveis a essa festa tão
mundana e profana que com sua “irreverência” abandona de vez o pudor e que de
tão devassa faz com que pessoas não religiosas se vistam com fantasias de
diabo, manifestando assim a ciência de que não é uma festividade que agrade a
Deus. Outros, até assumiram que “brincaram” e chegaram a exibir fotos.
Que lástima!
Na abertura do Carnaval 2015 em Recife, capital do meu
estado, o músico Naná Vasconcelos comandou um canto onde em alto e bom som se
ouvia: "Oxossi Guerreiro e o chefe
da mata." Para quem não sabe, Oxossi é uma entidade das religiões de
matriz africana. Com o sincretismo que ocorreu ainda no período colonial, ele é
venerado também como São Sebastião. Isso evidencia que a religiosidade pagã,
isto é, não cristã, está presente nas manifestações carnavalescas. E essa
influência não vem de agora. Com este breve texto, gostaria de mostrar as
origens da propagação da religiosidade afro no Carnaval de Pernambuco, um dos
mais aclamados do país.
No artigo* intitulado “Festeiros e Devotos: perseguição e repressão na batalha da construção
do corpo submisso”, o historiador Mário Ribeiro dos Santos aborda a
perseguição que as então chamadas “seitas africanas” foram acometidas durante o
período do Estado Novo. De acordo com a sua pesquisa, no ano de 1939, ano da
morte do Papa Pio XI e com a aproximação do 3º Congresso Eucarístico Nacional,
a ala conservadora da sociedade viu nesses acontecimentos uma oportunidade para
tentar fortalecer o caráter cristão do país, que estava se perdendo devido ao
laicismo adotado pela República e pela adesão aos cultos afros. Foi nesse ínterim,
com o objetivo de transformar Recife, que o governador de Pernambuco, o Sr.
Agamenon Magalhães, juntamente com a liderança da Igreja Católica, deu início a
repressão ao Candomblé e suas variantes Umbanda e Jurema.
Devido à perseguição e o fechamento de diversos
terreiros, a saída para burlar a política do governador Agamenon Magalhães foi
fundar troças carnavalescas que aparentemente nada tinham a ver com o Candomblé.
Esse foi o caso da Troça Mista Rei dos Ciganos, fundada em Beberibe, quando a
Casa de Santo administrada pelo babalorixá Eudes Chagas foi fechada pela
polícia:
[...] os maracatus estavam “queimados”, aventou-se,
então, a ideia da fundação de uma agremiação carnavalesca que não tivesse
nenhuma vinculação com o “Xangô” e nem de longe deixasse transparecer que seus
integrantes pertencessem à seita. [...] Dona Santa do Maracatu Elefante, Seu
Eudes Chagas, Aluísio Gomes e João Cabral, tomaram a deliberação de fundar uma
troça carnavalesca que no carnaval sairia durante o dia e nos demais meses do
ano promoveria festas dançantes na sede em louvor às divindades negras; somente
assim, disfarçadamente, o culto teria continuidade. [...] Foi também o teste à
argúcia policial.
Mas a presença maciça dos membros das religiões
africanas antecede esse período, como podemos ler no relato de um famoso Pai de
Santo, o Sr. Manoel do Nascimento Costa, o Manoel Papai:
70% das agremiações carnavalescas dependeram e
dependem ainda do Candomblé e da sua magia. Ainda hoje muitas delas não têm
coragem de sair às ruas sem antes preparar seus participantes com limpeza de
pintos e defumadores. [...] Em número bastante razoáveis, quase todas as
agremiações foram fundadas ou são dirigidas por Pai, Mãe ou Filhos de Santo.
[...] a troça Secreta era uma troça que foi fundada por membros de duas
famílias africanas: Pai Adão e Antônio Nepomuceno (Apari) [...] O Clube das
Pás, tem como presidente perpétua, Maria do Carmo Ferraz, juremeira e Mãe de
Santo residente em Campo Grande. [...] o Clube Vassourinhas, fundado pelo povo
de Candomblé, ainda hoje traz em seus cordões 90% de filhos-de-santo. [...] o
Maracatu Elefante era comandado por Maria Júlia do Nascimento (Dona Santa),
velha juremeira, neta de africanos. [...] o bloco Madeira do Rosarinho é uma
agremiação esperada com grande ansiedade entre o povo de Candomblé, era o bloco,
do qual João Romão era conselheiro, juntamente com os irmãos e alguns amigos de
infância.
Logo, não são apenas os Maracatus os representantes da
religiosidade afro durante o período carnavalesco. O tradicional Clube das Pás,
que fica no bairro de Campo Grande, fundado para ser uma agremiação de
Carnaval, tinha em seus elementos mais simples uma fundamentação religiosa.
Segundo o Seu Manoel:
No estandarte do clube das Pás, mulher não pegava,
porque não se sabia se ela estava menstruada. E aquilo era um estandarte
preparado. No oxê, naquele símbolo que tem em cima do estandarte, tem duas pás
cruzadas e uma bola. E dentro daquela bola tinha um segredo.
Na conclusão de seu artigo, Mário Ribeiro, que por não
partilhar da fé cristã, simpatiza com este sincretismo, arremata da seguinte
maneira:
Nesse trânsito, no qual os foliões transportam para o
Carnaval a sua ligação com o sagrado, identificamos o desenvolvimento, de
maneira silenciosa e lenta (às vezes nem tão silenciosa assim); de uma densa
malha invisível que se encontra esticada pela cidade, a ponto de interferir na
própria estrutura organizacional, funcional e simbólica da festa. A rua passa,
então, a ser o domínio territorial dos caboclinhos, dos maracatus, das troças e
dos clubes. É o “lugar praticado”, onde os becos, as esquinas, os pátios e as
praças constituem movimentados espaços de circulação, cujos itinerários são
fortemente definidos e conquistados.
E então? Você ainda continua achando que o Carnaval é
apenas uma simples manifestação cultural? Se a resposta for positiva, você
precisa reavaliar se de fato é cristão, pois não podemos nos curvar diante de
dois senhores.
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* O artigo citado pode ser lido na íntegra aqui. Toda citação foi extraída dele.
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* O artigo citado pode ser lido na íntegra aqui. Toda citação foi extraída dele.