Cristo veio nos redimir para
nos tornar humanos, no sentido pleno da palavra. Ser novo homem significa que
nós podemos começar a agir em nossa plena e livre capacidade humana, em todas
as facetas da vida.
HANS ROOKMAAKER
Henderik Roelof Rookmaaker
foi um cristão pioneiro no campo das artes e um trabalhador fiel e incansável a
serviço do Deus criador e redentor de todas as
coisas. Hans, como era gentilmente chamado pelos familiares e amigos
íntimos, expressou essa convicção a respeito de seu Senhor com aspiradora
intensidade a partir de 1942, ano em que se converteu ao cristianismo em uma
prisão nazista em Estanislaw, na atual Ucrânia. Tudo nesse pequeno holandês —
personalidade, paixão, energia, talento e fé — transpirava uma forte convicção
de chamado e missão: o chamado para viver plenamente como cooperador de Cristo
em sua obra de redenção e na reforma das realidades afetadas pela distorção do
pecado.
Diferente de outros heróis
da fé, Rookmaaker não partiu para terras distantes com a missão de lutar contra
as forças do mal e levar o evangelho para os povos não alcançados. Sua missão
era direcionada ao coração da cultura
europeia do pós-guerra, mais especificamente ao terreno inexplorado do campo
das artes. Após vivenciar os horrores da guerra, Rookmaaker sabia que a batalha
contra a “cidade dos homens” não se
dava apenas em domínios geograficamente distantes. Uma batalha estava sendo
travada dentro de seu próprio país, no interior de sua própria casa, e atingia
as pessoas próximas e queridas à sua volta. Esse confronto espiritual podia ser
visto nas diferentes manifestações artísticas e culturais — música, pintura,
teatro, arquitetura e outras expressões do espírito humano — produzidas e
consumidas diariamente não apenas por seus concidadãos holandeses, como também
pelos europeus e por todo o Ocidente.
Ao iniciar sua missão no
inexplorado terreno da relação entre as artes e a fé cristã no mundo moderno,
Rookmaaker seguiu a direção apontada por alguns de seus conterrâneos, que já
haviam percebido a importância de uma ação integral da igreja no mundo. Entre
os defensores da proposta de uma ação cristã integral, estavam alguns luminares
espirituais como Groen Van Prinsterer, Abraham Kuyper, Herman Bavinck, e os
contemporâneos Herman Dooyeweerd, Dirk Vollenhoven e Johan Meekes.
Pouco tempo depois de sua
conversão, Rookmaaker já era reconhecido como uma das vozes mais atuantes no
campo da integração entre fé e artes no Ocidente. Seu importante legado é uma
prova incontestável da influência exercida por ele sobre os cristãos de todas
as partes do mundo. Seu tempo de vida como cristão foi relativamente curto (25
anos, aproximadamente), porém sua contribuição para o reino de Cristo foi
expressiva. Ele deixou dezenas de livros publicados, abordando o tema das
intrincadas relações entre arte, cultura e cristianismo, e centenas de artigos
publicados em revistas especializadas na Europa, nos Estados Unidos e no
Canadá. Deixou também vários departamentos de arte estruturados ou em vias de
estruturação na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra; associações de artistas
cristãos criadas diretamente por ele ou sob sua influência; um centro
internacional de estudos formado e estabelecido na Holanda (L’Abri) e estações
de rádio criadas e fortalecidas neste país. Holanda. Porém, seu maior legado
foi o impacto provocado por ele na vida de outras pessoas. Contribuiu para que
centenas de artistas e acadêmicos desenvolvessem suas vocações sob sua
influência e acompanhamento. Indivíduos, famílias e comunidades foram
enriquecidos e alcançados pela influência da graciosa manifestação do reino de
Cristo nas artes. Sua intenção não era “informar as pessoas sobre arte”, mas
sim “compartilhar com outros, por meio da arte, sobre a plenitude da vida e a
riqueza da realidade criada por Deus, em seu amor”.
Seu estilo geralmente
polêmico e exagerado levou-o a desafiar ideias pré-concebidas sobre o papel do
cristão no mundo e quebrou barreiras que impediam a manifestação da plenitude
do evangelho de Cristo na realidade criada. Certa ocasião, já no fim de sua vida,
em Oxford, alguém lhe perguntou, em tom desafiador, se havia alguma relação
entre evangelismo e sua palestra intitulada
Rock, Beat e Protesto. Rookmaaker foi direto: “Por que deveríamos passar
a vida toda evangelizando? Passei 25 anos da minha vida meditando sobre esse
assunto, procurando relacionar princípios bíblicos e arte. Por que você não faz
o mesmo em sua área de atividade?”.
Na resposta de Rookmaaker há
uma clara noção de que a vida diante de Deus deve ser vivida de forma integral,
não só em situações ou atividades religiosas específicas. O espírito
intencionalmente polêmico e a valorização do trabalho integral da fé na luta
contra as forças desumanas presentes na arte e na cultura de seu tempo são os
traços marcantes da vida de Rookmaaker.
Pouco conhecido no Brasil —
nenhuma de suas obras foi ainda traduzida para o português* —, Rookmaaker é uma
vida a ser explorada e um mestre a ser estudado, mas, acima de tudo, um exemplo
a ser seguido. Vivemos numa época em que a comunidade evangélica nacional
parece ter perdido o rumo. Para superar essa fase, precisamos buscar
fundamentos sólidos nos depósitos de sabedoria cristã. É tempo de parar para
“ouvir” e “ler” a vida daqueles que, no passado, percorreram um caminho
excelente e deixaram um exemplo aprovado de vida cristã, em vez de sair em
busca de inovações e experimentos teológicos que mais confundem do que edificam
o Corpo de Cristo.
Nossas doutrinas e nossos
princípios de prática cristã, assim como os modelos apresentados como exemplo e
inspiração para o número cada vez maior de cristãos evangélicos no Brasil,
precisam de reforma.
Assim, abordamos neste
capítulo os principais aspectos relacionados à vida, pensamento e obra de Hans
Rookmaaker e suas possíveis implicações para o contexto brasileiro. Buscamos
uma apropriação crítica de seu trabalho e sinalizamos desafios atuais e
contextualizados para a construção de uma ação informada no seio da igreja
evangélica brasileira e na vida pessoal de cada cristão.
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*Na época que foi escrito este artigo não havia nenhuma obra dele traduzida para o português. Hoje temos.
Fonte: L'abrarte
Fonte: L'abrarte