Por Louis Berkhof
NO ANTIGO TESTAMENTO
Na Escritura, a qualidade da santidade aplica-se primeira¬mente a Deus, e, aplicada a ele, sua idéia fundamental é a de inacessibilidade. Esta se baseia no fato de que Deus é divino e, portanto, absolutamente distinto das criaturas. Neste sentido, a santidade não é apenas um atributo em coordenação com os demais em Deus. Ele é santo em sua graça bem como em sua justiça, em seu amor bem como em sua ira. Estritamente falando, a santidade só vem a ser um atributo no sentido ético posterior da palavra. O sentido ético do termo desenvolveu-se do sentido de majestade.
Este desenvolvimento parte da idéia de que um ser pecador está mais agudamente cônscio da majestade de Deus, do que um ser sem pecado. O pecador fica ciente da sua impureza quando esta é contrastada com a majestosa pureza de Deus, cf. Is 6. Otto fala da santidade no sentido original, como numinosa, e se propõe denominar a reação típica a isto "sentimento de criaturidade, ou consciência de ser criatura", uma desvalorização do ego, reduzindo-o à nulidade, ao passo que fala da reação à santidade no sentido ético derivado como um "sentimento de profanidade". Assim é que se desenvolve a idéia da santidade como pureza majestosa ou sublimidade ética. Esta pureza é um princípio ativo em Deus, que necessariamente se afirma a si próprio e defende a sua honra. Isto explica o fato de que a santidade é apresentada na Escritura também como a luz da glória divina transformada num fogo devorador, Is 5.24; 10.17; 33.14,15.
Em contraste com a santidade de Deus, o homem se sente não meramente insignificante, mas positivamente impuro e pecaminoso, e, como tal, como objeto da ira de Deus. Deus revelou no Antigo Testamento a sua santidade de várias maneiras. Ele o fez com terríveis juízos sobre os inimigos de Israel, Ex 15.11,12. Também o fez separando para si um povo, que ele retirou do mundo, Êx 19.4-6; Ez 20.39-44. Tomando e retirando este povo do mundo impuro e ímpio, ele protestou contra esse mundo e seu pecado. Além disso, ele o fez repetidamente, poupando o seu povo infiel, porque não queria que o mundo não santo se regozijasse com aquilo que poderia considerar fracasso em sua obra, Os 11.9.
Num sentido derivado, a idéia de santidade também é aplicada a coisas e pessoas que são colocadas numa relação especial com Deus. A terra de Canaã, a cidade de Jerusalém, o monte-templo, o tabernáculo e o templo, os sábados e as festas solenes de Israel - todas estas coisas são chamadas santas, visto serem consagradas a Deus e introduzidas no resplendor da sua augusta santidade. Similarmente, os profetas, os levitas e os sacerdotes são chamados santos na qualidade de pessoas que foram separadas para o serviço especial do Senhor. Israel tinha os seus lugares sagrados, as suas épocas sagradas, os seus ritos sagrados e as suas pessoas sagradas. Contudo, esta ainda não é a idéia ética da santidade. Uma pessoa podia ser sagrada e, todavia, estar inteiramente vazia da graça de Deus em seu coração. Na antiga dispensação, como também na nova, a santidade ética resulta da influência renovadora e santificante do Espírito Santo. Deve-se lembrar, porém, que mesmo quando a concepção de santidade é completamente espiritualizada, sempre expressa uma relação. Nunca a idéia de santidade é a de bondade moral, considerada em si mesma, mas sempre é a idéia de bondade ética vista em relação com Deus.
NO NOVO TESTAMENTO
Ao passarmos do Antigo Testamento para o Novo, damo-nos conta de uma notável diferença. Enquanto no Antigo Testamento não há nem um só atributo de Deus que sequer lembre alguma semelhança com a proeminência dada a sua santidade, no Novo Testamento raramente se atribui santidade a Deus. Exceto nalgumas citações do Antigo Testamento, somente nos escritos de João a santidade é atribuída a Deus, Jo 17.11; lJo 2.20; Ap 6.10. Com toda a probabilidade, a explicação para isso está no fato de que a santidade, no Novo Testamento, projeta-se como a característica especial do Espírito Santo, por quem os crentes são santificados, são qualificados para o serviço e são conduzidos ao seu destino eterno, 2Ts 2.13; Tt 3.5.
A palavra hagios é empregada em conexão com o Espírito de Deus cerca de cem vezes. Contudo, a concepção de santidade e de santificação no Novo Testamento não é diferente da que se vê no Antigo Testamento. Tanto naquele como neste a santidade, num sentido derivado, é atribuída ao homem. Num e no outro a santidade ética não é mera retidão moral, e nunca a santificação é mero melhoramento moral. Há confusão destas duas coisas atualmente, quando falam em salvação pelo caráter. Um homem pode gabar-se de um grande melhoramento moral, e, todavia, não ter nenhuma experiência da santificação. A Bíblia não insiste no progresso moral puro e simples, mas no progresso moral em relação com Deus, em atenção a Deus e com vistas ao serviço de Deus. Ela insiste na santificação. Justamente neste ponto, muita pregação ética dos dias atuais é completamente enganosa; e o corretivo para isto está na apresentação da verdadeira doutrina da santificação. Pode-se definir a santificação como a graciosa e contínua operação do Espírito Santo pela qual ele liberta o pecador justificado da corrupção do pecado, renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas obras.
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Texto condensado da Teologia Sistemática de Berkhof, p. 488 e 489.