Por Thomas Magnum
Ao
lidar com uma questão semântica no atual cenário religioso brasileiro – com um
recorte na problemática da identidade teológica da igreja no país – é
impossível ignorar que o linguajar evangélico é um fator que tem sido
correntemente crescente e curiosamente dissidente de uma explosão religiosa no
Brasil e que tem raízes no liberalismo teológico e no sincretismo nascente do
colonialismo com o catolicismo europeu, pajelança, espiritismo de mesa branca e
religiões afrodescendentes.
De fato e de verdade a questão não passa
somente por uma ambiguidade presente no estudo da ciência da religião, mas
também por uma ambivalência de termos. Embora tenhamos uma linguagem cristã
aparentemente bíblica no contexto apontado aqui, temos uma disparidade de
questões que separam a falsa teologia
da verdadeira teologia.
Francis
Schaeffer desenvolve esse raciocínio de forma singular em seu livro o Deus que Intervém quando fala do
misticismo semântico empregado na relação religiosa e a linguagem teológica do
cristianismo. Schaeffer diz algo muito interessante:
Uma ilusão de comunicação e
conteúdo é dada de forma que, quando uma palavra é usada deste modo
deliberadamente indefinido, o ouvinte “pensa” que sabe o que ela significa.*
Temos
com isso uma questão muito interessante de que muitas vezes a teologia é
expressa de forma descritivamente escriturística, mas, aquilo que foi dito se
instala no campo do subjetivismo e de outra forma leva o receptor da mensagem a
um campo epistemologicamente estranho a sã doutrina.
Ao
ouvirmos falar de sangue, expiação, cruz, inferno, condenação, ira, juízo,
salvação, espiritualidade, santificação, eleição, justificação, reino de Deus;
estamos num campo comum em relação aos termos vocabulares da linguagem cristã.
Mas ao investigarmos como cada palavra recebe conotações diferentes percebemos
como existe um abismo entre o que foi escrito e o que foi inscrito pelo homem,
pela cultura, pela tradição religiosa. Reconhecemos a clara diferença entre
exegese e eixegese. O que notamos é que muitas instituições chamadas de
evangélicas professam documentalmente uma fé bíblica, mas, na prática a bíblia não
é suficiente, a Palavra de Deus deve ser “acrescentada”, isso é um trágico
contexto. O interessante aqui é que esse acréscimo se dá com palavras que estão
na Bíblia, “mas não são da Bíblia”, portanto uma hermenêutica que não serve a
Palavra de Deus e não é fiel ao genuíno ensino das Escrituras Sagradas.
Sem
sombra de dúvida, há uma forte influência ainda que inconscientemente da escola
de interpretação de Alexandria, posteriormente seu crescente desdobramento com
Orígenes deram suporte para muitos problemas na igreja cristã, fornecendo
aparato para interpretações estranhas as verdades sagradas do Evangelho de
Deus. Temos também o presente pensamento do Iluminismo nesse processo de
subjugação da Escritura as ideias filosóficas presentes nesse período
histórico.
Ao
se falar de salvação em Cristo, nos deparamos muitas vezes com conotações muito
distantes do que realmente é a obra salvadora de Jesus Cristo na cruz. Para
muitos a salvação é um passaporte para uma vida melhor sob vários ângulos,
fornecidos por gurus que maculam as verdades santas do Evangelho Eterno. Ao se
tratar de fé, nos deparamos com uma série de amuletos, herança do sincretismo e
pluralismo religioso que se desenvolveu do corolário das Escrituras.
Interessante
notarmos que quando o protestantismo chegou ao Brasil, não ouve aqui o mesmo
impacto cultural que a teologia reformada causou em países europeus. Tivemos
aqui uma ênfase na espiritualidade e numa postura em relação ao reino de Deus
muito próxima das visões de Lutero e dos Anabatistas e um tanto quanto
distantes do que Calvino tinha ensinado em Genebra e sua perspectiva sobre
cosmovisão cristã, embora que esse termo ainda não era utilizado. Essa questão
trouxe um afrouxamento na educação do povo e no interesse pelo estudo da
Sagrada Escritura, consequentemente o crescimento do fanatismo, legalismo,
ignorância a respeito do reino de Deus cresceram.
Sobre
esse descompromisso com a correta interpretação das Escrituras surgem oceanos
de heresias e ventos de doutrinas como dizia Paulo, que enganam o povo lhe
arrastam para os falsos ensinos. Ao lidarmos com essa questão semântica,
devemos estar submissos a Palavra de Deus, devemos ser zelosos pela suficiência
das Escrituras e sua exposição e a regra áurea da hermenêutica Bíblica que diz
que: a Escritura interpreta a Escritura. A desvalorização do ensino bíblico e da
exposição da Escritura tem causado muitos males. A preguiça de muitos pastores
em dar a sua congregação alimento espiritual tem sido um preço muito alto e um
campo muito vasto para lobos que enganam o rebanho. Seminários teológicos que
são centros liberais de teologia, professores apostatas e ateus que não creem
no que está escrito, causam efeitos trágicos na vida de muitos alunos.
Como
podemos lidar com essa situação? Como a igreja cristã pode vencer o liberalismo
prático e o secularismo em seu seio? Como o cristianismo atual poderá
sobreviver em frente a uma avalanche de ideias megalomaníacas que transformaram
igrejas em clubes, cultos em shows, louvores em encenação performática? Com
lidar com uma cultura que se afasta de Deus numa era pós-cristã?
Os
desafios que temos hoje circulam mais no campo das ideias do que na perseguição
física como no passado. Doravante ser cristão, é ser discípulo de Jesus e
apegados a sua revelação nas Santas Escrituras. Um dia desses conversando com
um jovem cristão universitário ele me disse que o grande problema do
esfriamento espiritual da igreja moderna é que ela não lê as Escrituras; mas,
tenho uma fundamental discordância desse ponto. É claro que concordo que o relaxamento
na leitura da Palavra é evidente, porque temos crentes analfabetos de Bíblia na
igreja, cristãos que estão a muitos anos frequentando uma igreja, mas, não
sabem o que é o pentateuco, ou os evangelhos e muito pior do que termos
técnicos, não sabem que é o Espirito Santo, nem
o Jesus das Escrituras. Em muitos casos o que muitos cristãos creem são
figuras folclóricas com nomes de personagens bíblicos, ou seja, sua crença não
está fundamentada no ensino bíblico de determinado assunto ou pessoas da Bíblia. A dificuldade não é
somente na leitura, mas na compreensão do texto lido. A falta de exposição da
Bíblia nos púlpitos tem causado isso. Os pregadores através de exposições
bíblicas ensinam o povo a ler devidamente a bíblia, é claro que temos a
dependência do Espírito Santo de Deus para nos ensinar e nos guiar na verdade
(Jo 16.13), no entanto fomos dotados de intelecto e capacidade de aprendizado,
por isso temos tantas instruções na Bíblia para que meditemos, leiamos,
guardemos, examinemos as Escrituras Sagradas.
O
fator semântico é algo que pode impedir o crescimento de um crente e a fé na
verdadeira Palavra de Deus, a verdade é a verdade de Deus como dizia Calvino. É
claro que não digo com isso que um crente precisa aprender as línguas bíblicas
para ouvir a voz de Deus, acredito que a Escritura fala com o povo de Deus na
língua vernácula. Mas o trabalho dos pregadores e ensinadores é de fundamental
importância para a igreja, esses sim devem ter um conhecimento abalisado das
Escrituras e estarem sempre procurando aperfeiçoamento nos estudos teológicos
para ensinarem o povo.
Ao
tratarmos com o princípio Sola Scriptura et Tota Scriptura da reforma (Somente a
Escritura e toda a Escritura), estamos incluindo nisso uma correta
interpretação da Palavra de Deus, respeitando seu contexto histórico e sua
gramática, por isso usamos o método histórico-gramatical. Evidente que a
Palavra alcança o crente leigo, mas existem casos que exigem esforço
intelectual para uma correta compreensão do que Deus revelou, por isso insisto
na importância da ortodoxia, ortopraxia e ortopatia. Temos que crer na verdade
de Deus revelada, como Ele a revelou (ortodoxia), viver por essa verdade que
nos foi dada (ortopraxia) e ter nossos sentimentos (ortopatia) regidos por ela.
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* O Deus que Intervém, Francis Schaeffer - Ed. Cultura Cristã