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28 de fev. de 2015

A Fé como um dom

Por Sinclair Ferguson

Isso é ainda mais enfatizado no Novo Testamento pelo fato de a fé ser um fruto do ministério do Espírito e ser vista no Novo Testamento como um dom de Deus. Aqui, também, há uma evidente tensão entre a atividade do Espírito e a resposta humana. Paulo provê para nós uma importante perspectiva neste aspecto, delineando uma analogia ulterior entre crer e sofrer: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente de crerdes nele” (Fp 1.29). O sofrimento, como a fé, é um dom da graça na experiência cristã. Mas o dom do sofrimento não nos é dado convenientemente como um fait accompli. Quem sofre somos nós, não Deus. Não obstante, esse sofrimento é um dom procedente dele. De uma forma paralela, a fé não é um pacote posto em nossas mãos. É a atividade do homem como um todo, direcionada pelo Espírito para Cristo. Deus não crê por nós, nem em nós; nós é que cremos. Todavia, é somente pela graça de Deus que cremos. Seu dom é simultaneamente ato nosso.

O texto clássico em relação a isso é Efésios 2.8: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”. Há aqui um problema exegético bem notório: qual é o antecedente de “isto”, e, portanto, o que exatamente constitui o dom?

Para o leitor casual, “fé” se lê como o antecedente natural (é o antecedente imediato). Mas “isto” (touto) é neutro, enquanto ambos os antecedentes prévios são femininos (charis, “graça”, e pistis, “fé”); assim também “salvação” (soteria), que pode ser entendida como o antecedente não escrito: “e isto (ou seja, a salvação) não vem...”.

É um princípio há muito reconhecido que em linguagens onde o gênero gramatical de um pronome não pode concordar com o gênero do próprio antecedente, também não pode concordar com o gênero da palavra que o denota.[1] Neste contexto específico, visto que tanto pistis como charis não são gênero neutro, tampouco podem servir de antecedentes.

Três considerações sugerem que o antecedente (ou seja, a coisa que é o dom de Deus) é a fé (pistis).

(1) Ela é o antecedente imediato e, portanto, o mais natural.
(2) Seria uma tautologia não usual (porém admissivelmente não impossível, como Rm 2.24 e 5.15 indicam) falar da graça como um dom de Deus, já que, por definição, a graça é um dom de Deus.
(3) Ela fornece uma redação coerente do pensamento padrão de Paulo, o qual pode ser parafraseado assim:

Deus nos vivificou – pela graça sois salvos (2.5).
Deus nos ressuscitou – para mostrar sua graça (2.6-7).
E é deveras pela graça que tendes sido salvos (2.8)!
Esta graça, porém, não só não nos envolve como também ignora nossa ação
(a salvação é pela fé, ou seja, envolve nossa resposta ativa).
Não obstante, esta  ativa, de nossa parte, não prejudica a graça.
Pois até mesmo a capacidade de crer não é nossa independentemente.
A fé (também) é o dom de Deus.
Portanto: a salvação que é pela graça é também pela fé.
Mas, como agora se torna claro, esta salvação,
embora recebida por nossa ação (fé),
não é desse modo “pelas obras”.
Ela envolve nossa atividade,
mas não deixa espaço para nossa vanglória (2.9).
Daí:
a salvação não é obra nossa;
ao contrário, somos feitura de Deus (2.10).

Mesmo que adotemos o ponto de vista de que “ser salvo através da fé” é que forma o antecedente (ponto de vista favorecido por Calvino e outros), haveria ainda um indício de que a fé é um dom da graça. Que a fé, em qualquer caso, é vista por Paulo como um dom, é confirmado em Efésios 6.23, quando ele ora pela “fé, da parte de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo”. Haveria pouca importância orar pelo que procede do Pai e do Filho, a menos que a fé seja, em algum sentido, conferida por eles. Semelhantemente, Pedro se refere aos crentes como quem “obtiveram fé igualmente preciosa na justiça de nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.1), o que parece ser uma referência ao conteúdo da fé (fides quae creditur), não do ato (fides qua creditur). Além do mais, no Novo Testamento, o arrependimento (do qual a fé é inseparável) é visto como um dom (At 5.31; 11.18; 2Tm 2.25); não surpreende, pois, se a fé é também vista como um dom da graça. Aqui, pois, se dá prioridade à soberania divina (ela é o sine qua non da fé) sem minimizar a realidade e a significação da atividade dos crentes.

Além do mais, o exercício ativo da fé (quem crê somos nós, não Deus) não compromete a graça da obra do Espírito na implicação da salvação. É da natureza da fé que por meio dela recebamos ativamente a Cristo e a justificação nele, sem contribuir para isso. Acima de tudo, fé é confiança em outro. É a antítese de toda autocontribuição e autoconfiança.

Paulo faz alusão a isso quando diz que a promessa da salvação é pela fé para que a mesma pudesse ser pela graça e ser garantida aos crentes (Rm 4.16). Fé envolve graça sem transformar a salvação em mérito humano.

Warfield expressa isso de um modo pitoresco, quando diz:

O poder salvífico da fé reside, portanto, não nela mesma, mas no Onipotente Salvador em quem ela repousa. Nunca, na Escritura, por causa de sua natureza formal como um ato psíquico, se concebe a fé como sendo salvífica – como se essa disposição mental ou a atitude do coração fosse em si mesma uma virtude que reivindicasse de Deus sua recompensa ... Não é a fé que salva, mas a fé em Jesus Cristo... Estritamente falando, não é nem mesmo a fé em Cristo que salva, mas é Cristo quem salva pela instrumentalidade da fé. [2]

Somos salvos por Cristo através da fé. O poder salvífico da fé não reside nela mesma, mas no objeto de sua confiança. Como G. C. Berkouwer escreve em outra conexão: “A fé não possui um único momento construtivo e criativo; ela repousa única e exclusivamente na realidade da promessa”.[3] Há um envolvimento total do crente; ao mesmo tempo, porém, a graça não é comprometida. O caráter da salvação pela graça é que ela envolve o homem sem prejudicar a gratuidade da salvação recebida. Otto Weber o expressa bem: “A fé, segundo a compreensão bíblica, consiste não em ser o homem excluído, mas em ser o homem envolvido ao máximo”.[4]
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Transcrito do livro O Espírito Santo, pp 171-175; Editora Os Puritanos
[1] Cf. Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, tr. H. De Vries (Nova Iorque: Funk & Wagnalls, 1900), p. 412; Robert E. Countess, “Thank God for the Genitive”, Bulletin of the Evangelical Theological Society 12 (1969), pp. 117-122.
[2] Warfield, op. cit., p. 504.
[3] G. C. Berkouwer, The Sacraments (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1969), p. 147.
[4] Otto Weber, Foundations of Dogmatics, tr. Guder (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1983), vol. 2, p. 147.

Blogs Evangélicos, O Impacto da Mensagem Cristã na Internet

Por Thomas Magnum

É inegável que estamos sob o impacto a nível mundial da internet, as redes sociais são inevitavelmente parte considerável da maioria das pessoas que nos rodeiam, a comunicação instantânea que proporciona rapidez na informação e um mar de dados e conteúdo assombroso. Também é inegável que a fé reformada tem tomado evidente espaço nas redes sociais como facebook, Twitter e Instaram, mas, não podemos e nem devemos negligenciar o papel que os blogs têm tomado nessa proposta de comunicação massiva e o beneficio que tem trazido tanto âmbito informativo jornalístico como nas esferas políticas, jurídicas, religiosas e educacionais.

Resolvi fazer uma resenha sobre o livro – Blogs Evangélicos, O Impacto da Mensagem Cristã na Internet – pela relevância do tema e pela importância do livro publicado pela VCP (Visão Cristocêntrica Publicações) editora ligada a Vinacc (Visão nacional para consciência cristã) já conhecida em todo Brasil principalmente pelo relevante trabalho feito na cidade de Campina Grande na Paraíba com o evento Consciência Cristã, que ocorre anualmente na semana do Carnaval que trás para o Nordeste vários pregadores, cientistas cristãos, professores, músicos e pessoas envolvidas com a obra de Deus em várias instancias e de várias denominações inclusive preletores internacionais como Paul Washer, Josh MacDowell e Norman Gaisler e conhecidos lideres nacionais como Augustus Nicodemus, Solano Portela, Mauro Maister, Russel Shedd, Jonas Madureira, Norma Braga . O evento tem realmente sido uma benção para o Nordeste e para todo o Brasil.

O livro foi organizado por Valmir Nascimento que é jurista e teólogo membro da igreja Assembleia de Deus e juntou um time de primeira para escrever os capítulos do livro em questão. O livro está dividido em quatorze capítulos e trata de temas importantes para todos que estão envolvidos na blogosfera, desde blogueiros experientes à aqueles que desejam abrir um blog e adentrar no mundo virtual e contribuir de alguma forma com a propagação do evangelho. Dentre os autores convidados para o livro temos Renato Vargens, Norma Braga, Vinicius Musselman (Voltemos ao Evangelho), Geremias do Couto, Tiago Santos (Fiel) dentre outros como Leonardo Gonçalves do Púlpito Cristão e uma excelente entrevista com Nancy Pearcey e J.Richard.

Gostei do livro como um todo, mas alguns capítulos me chamaram atenção  - talvez seja por meu interesse por tais assunto. O primeiro capítulo fala sobre a revolução dos blogs seu surgimento e como tem crescido na internet a quantidade de blogs evangélicos e do que eles tratam, um dado interessante é que a gs cristãos voltados para a apologética cristã, o livro vai tratar em outros capítulos também dos pontos positivos disso e dos pontos negativos e questões que precisam ser atentadas e corrigidas na blogosfera evangélica. O terceiro capítulo escrito por Vicínios Musselman também achei muito interessante pelo tratamento dado no relacionamento dos blogs com a igreja, e do comprometimento de quem pretende ter ou já tem blog para com a igreja de Cristo, trata da visão e da finalidade da existência do blog. O capítulo quatro escrito por Tiago Santos que é editor da Fiel também é muito legal, trata da produção teológica dos blogs, como o conteúdo apresentado deve ser tratado e a seriedade de fazer teologia na internet que é um meio midiático muito forte e que deve ser bem trabalhado pela igreja.

O capítulo escrito pela professora Norma Braga também é muito interessante, ela dá uma fundamentação sobre a liderança intelectual na blogosfera a partir da obra de Francis Schaeffer, ele como talvez um dos maiores lideres intelectuais de nosso tempo mais que ninguém se estivesse vivo teria um blog e mesmo assim sua produção literária principalmente na área cultural e filosófica são realmente um legado para a nova geração. O capítulo dez também considero de extrema importância no livro, escrito por Uziel Santana que também é jurista e fala sobre o marco civil para internet e controle da mídia internautica, ele nos mostra os parâmetros e o que pode e não pode na rede. Temos outros capítulos interessantes também, exemplo é o de Geremias do Couto sobre a potencialização dos blogs e também sobre evangelização e guerra cultural escritos por  Wilma Rejane e Valmir Nascimento respectivamente. O pastor Renato Vargens também escreveu um interessante capítulo sobre a relação ou transição do blog para editoras, na grande maioria dos casos os blogueiros tem vontade de publicar seu livro, Renato Vargens dá algumas dicas legais sobre isso e como aconteceu com ele. Mostra como utilizou suas postagens para dar forma a muitos de seus livros. O livro chega ao fim com um capitulo que mostra como criar um blog com Elizeu Gomes, dando dicas importantes sobre como criar e estruturar sua plataforma. Por último temos as entrevistas com Nancy Pearcey e J. Richard que também usam desse meio de transmissão de conhecimento para alcançar seu público e serem lidos.

Minhas considerações finais sobre o livro: leia-o. Uma produção nacional que de fato não tem como abarcar todas as questões problemáticas que temos com fatos relacionados a rede, mas, que trabalha desde a parte do conteúdo a ser distribuído nos blogs como ética, vida espiritual, seriedade teológica, traz algumas ressalvas sobre problemas concernentes a certos casos de debates e muito mais. A grande questão não é a restrição de conteúdo ou desmotivar ninguém, mas trazer uma visão cristã comprometida com a verdade da Palavra de Deus e um serviço prestado a igreja e a sociedade de forma excelente para a glória de Deus.

27 de fev. de 2015

Autoexame Honesto

 
Por A. N. Martin

Creio que o nosso medo de um auto exame obsessivo, manteve muitos de nós de círculos reformados afastados de um autoexame bíblico honesto. O que eu quero dizer com autoexame bíblico é uma obediência simples a tais passagens como 2 Co 13.5: "Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados". Obediência à exortação de II Pedro 1.10: "Procurai com diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum". Outras passagens semelhantes podem ser encontradas pelo Novo testamento afora – "Não vos enganeis; não vos deixeis enganar; não se enganem". Eu falo da prática dessa obrigação bíblica.

Fica óbvio, portanto, como isso se encaixa na implicação do conceito calvinista de Salvação. Visto que as Escrituras declaram que todos aqueles que são verdadeiramente salvos são feitura de Deus (Ef. 2;10), então a pergunta que eu tenho de fazer é: "Será que eu fui o sujeito desta feitura?" A pergunta não diz respeito à sinceridade da minha decisão, ou da minha resolução, ou seja lá o que for que eu queira chamá-la. A pergunta não é: "O que é que eu fiz com relação a Cristo e a Sua salvação?" A pergunta essencial é a seguinte: "Fez Deus algo em mim?". A interrogação não deve ser, "Eu aceitei a Cristo?", mas sim, "Cristo aceitou-me?". A questão não é, "Encontrei ao Senhor?", mas antes, "Ele me achou?".

Um dos anciãos mestres em Israel costumava fazer duas perguntas àqueles que almejavam ser admitidos à Santa Ceia do Senhor, ou ao rol de membros da igreja. Primeiro: "O que fez Cristo por você?" Ele queria ver se eles entendiam a base objetiva sobre a qual Deus recebe pecadores. Ele queria ver se eles haviam entendido que os homens são aceitos perante Deus com base na obra de Jesus Cristo e mais nada. E, se ficasse claro para ele que eles não pensavam de nenhuma forma diferente, que eram aceitos por suas virtudes, pelo seu arrependimento, suas lágrimas, suas obras, porém somente com base nos méritos de Cristo, então ele lhes fazia a segunda pergunta: "O que é que Cristo operou em você?" Você sabe o que Ele fez por você, agora a minha pergunta é, o que Ele operou em você? Ele fazia esta pergunta porque entendia a existência da terrível possibilidade de uma pessoa vir a ter uma compreensão intelectual do que Cristo fez pelos pecadores, e ainda assim ser totalmente estranho à obra poderosa que Ele realizou nos pecadores.

Eu gostaria de propor algumas perguntas para que cada um avalie sua própria consciência.

Primeiro: "Você foi trazido ao ponto de enxergar sua própria corrupção no pecado, de modo que as primeiras duas bem-aventuranças são verdades para você?". As únicas pessoas no mundo que são verdadeiramente abençoadas são aquelas que foram trabalhadas pelo Espírito, de forma que essas proposições não lhe são mais estranhas: "Bem-aventurados são os pobres de espírito, pois deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados". Como é que Deus faz os homens serem verdadeiramente bem-aventurados, verdadeiramente felizes? Em primeiro lugar, Ele faz com que eles sintam tristeza ao terem um senso de seu próprio empobrecimento num estado de pecado. O que é pobreza de espírito? Seria algum tipo de tentativa pseudo-pietista de convencer a mim mesmo que eu sou um verme miserável e um trapo? De jeito nenhum! Pobreza de espírito é o resultado de apenas ter tido um vislumbre daquilo que você realmente é, e ver que você não é nada e não tem nada e não pode fazer nada, só isso pode recomendá-lo à graça e ao poder salvador de Deus; é o resultado da convicção de que Ele poderia fazer de você um monumento eterno da Sua ira justa, e deixar você perecer no fogo eterno. Você foi trazido a um conhecimento experimental disso? Se não foi, eu duvido que você afirme ser Cristo o seu Salvador, pois Ele disse que não veio para chamar o justo, mas sim pecadores ao arrependimento. Os pobres de espírito foram feitos conscientes de sua depravação e pecado.

É possível ter a doutrina da depravação total como um conceito teológico, e continuar sendo tão mau, orgulhoso e auto-justificado quanto o diabo. Você já experimentou um despojamento interior que o levou à pobreza de espírito? Foi levado a um lamento santo? A um reconhecimento de que o seu pecado é contra o Deus soberano? Você já foi trazido ao ponto em que você odeia tanto o seu pecado a ponto de largá-lo e juntar-se a Cristo? Um antigo escritor colocou essa questão de uma forma muito bela: "Quando o espírito Santo inicia o acorde da graça na vida de um homem, ele sempre orienta aquele acorde para a nota mais baixa". Ele começa com a nota mais baixa da convicção, a revelação da nossa necessidade do Salvador. Será que eu já enxerguei que, a menos que Ele inicie a obra, ela jamais será feita?

A próxima pergunta que eu faria é a seguinte: "Eu dou evidência do fruto da Sua obra?". E qual seria a evidência positiva e inegável de que Deus tem trabalhado em mim? Eu diria sem medo algum de contradição, à luz das Santas Escrituras, que essa evidência é santidade bíblica. O que conhecemos como os Cinco Pontos do Calvinismo estão revestidos de uma forma negativa e podem ser enganosos de uma certa maneira. No entanto, nós não podemos mudar o curso da história, e assim os Cinco Pontos do Calvinismo chegaram a nós e temos que aprender a conviver com eles. Tome como exemplo os quatro últimos pontos — eleição incondicional, expiação limitada, chamada eficaz de Deus e a perseverança dos santos, de todos aqueles que Ele chamou para se unirem ao Seu Filho: Qual é o ponto focal de todos eles? Em última análise, o ponto focal de todos eles, evidentemente, é a demonstração da glória de Deus, da graça de Deus sobre a qual lemos em Efésios 1; mas olhando o foco imediato, como é que essa glória é demonstrada? Por quais meios? Quando Deus toma criaturas totalmente depravadas e faz delas homens e mulheres santas em cujas pessoas se pode ver a exata semelhança do Filho de Deus, qual é o alvo da eleição? Efésios 1:4 nos diz: "assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele". Ele nos elegeu para que nos gloriássemos em nossa eleição? Não! Antes "... devemos ser santos e irrepreensíveis perante Ele". É uma eleição para santidade! Qual é o alvo da obra redentora de Cristo? Ouça o testemunho de Tito 2:14: "o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras". Ele morreu para ter um povo santo "zeloso de boas obras".

Isso também ocorre com a chamada eficaz de Deus, "Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor" (I Cor. 1:9). "Chamados a uma vida de compartilhar uma comunhão viva e real com Cristo!" "Porquanto Deus não nos chamou para impureza e sim para santificação" (I Tess.4.7).

E ainda há a preservação e perseverança dos santos. É uma perseverança nos caminhos da santidade e obediência, pois as Escrituras dizem: "Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor" (Heb.12.14). "Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (João 8:31,32). Assim, onde quer que toquemos qualquer parte da estrutura da sotereologia calvinista, tocamos na veia viva do propósito de Deus de ter um povo santo.

Predestinados para qual fim? "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu filho" (Romanos 8:29). Se é assim, então eu tenho que fazer uma pergunta sobre mim mesmo: o propósito eletivo de Deus está sendo realizado em mim? Ele me escolheu em Cristo a fim de que, tendo sido comprado no tempo e chamado no tempo, possa começar a ser santo no tempo, e ter esta obra aperfeiçoada na eternidade. A única certeza que eu tenho de que fui comprado para ser santo, e serei aperfeiçoado em santidade, é que eu esteja buscando a santidade, e a esteja buscando aqui e agora. Em essência, santidade é conformidade à vontade revelada de Deus em pensamento, palavra e ação, pelo poder do Espírito Santo e através da união com Jesus Cristo. Santidade, piedade, estas são as evidências de que o Seu propósito eletivo veio a existir e a frutificar e se expressa na obediência. É por isso que João pode dizer em I João 2:5: "Aquele, entretanto, que guarda a Sua Palavra, nele, verdadeiramente tem sido aperfeiçoado o amor de Deus". O propósito para o qual as pessoas foram designadas é preenchido naquelas que guardam a Palavra de Deus. Existe clara evidência de que estou experimentando comunhão com Jesus Cristo através da Sua Palavra? Porque Ele me chamou à comunhão com Ele, e se eu fui chamado eficazmente então já não sou estranho a um conhecimento experimental do Senhor.

Eu confesso que estou sendo preservado pelo poder mantenedor de Deus? Então a Sua preservação deve transparecer na minha perseverança. É a única prova que eu tenho de que ele me preserva e que por Sua graça eu sou capacitado a perseverar.

Esta é a implicação prática da sotereologia calvinista. Ela coloca perguntas tais que me trazem ao contexto inteiro de um honesto auto-exame baseado na Palavra. John Bunyan não poderia estar mais certo quando escreveu aquela parte na sua obra imortal, O Peregrino, onde descreve como Cristão e Fiel entram em contato com um homem chamado Tagarela (Loquaz).1 Eu faço um apelo intenso para que leiam cuidadosamente aquele diálogo. Ele mostra o reconhecimento que Bunyan possuía sobre a existência da convicção intelectual de que somente Deus pode salvar pecadores, e que a salvação é uma obra em que Deus salva pecadores, mas a questão real é a seguinte: Será que houve uma aplicação experimental dessa verdade, com poder, ao meu próprio coração e à minha própria vida?

Há mais ou menos um ano, um jovem formando de um Seminário veio conversar comigo sobre algumas questões que o estavam perturbando a respeito do meu próprio ministério. Ele me fez a seguinte pergunta: "Sr. Martin, eu quero lhe fazer uma pergunta simples. O Sr. crê que tem um chamado para viajar ao redor do país transtornando as pessoas?" Eu respondi: "O meu chamado não é para sair pelo país afora transtornando as pessoas, todavia eu sou chamado a declarar todo conselho de Deus; um aspecto a ser considerado é o princípio de que não é impossível ter forma de piedade no uso das palavras corretas e ainda assim se estar perdido e arruinado e ser um estranho à graça; pois a Escritura diz: 'Porque o reino de Deus não consiste de palavras, mas de poder'. Paulo disse: 'O nosso Evangelho não foi pregado em palavra somente, mas em poder e no Espírito Santo e com muita ousadia'. Enquanto Mateus 7:21-23 estiver nas Sagradas Escrituras, e enquanto eu tiver voz, eu continuarei a proclamar aos ministros e aos ministros em potencial, e a cristãos professos que muitos dirão naquele dia 'Senhor, Senhor', aos quais Cristo dirá, 'Apartai-vos de mim. Nunca vos conheci'".

Eu jamais vou querer ser um instrumento inconsciente do diabo a fim de desestabilizar a fé de um verdadeiro filho de Deus, que pode ser como os seguintes personagens de Bunyan: o Sr. Prestes a Tropeçar, o Sr. Timidez, ou o Sr. Consciência Fraca [1] – homens que têm problemas com a certeza da salvação e que estão em dúvida e têm falhado. Eu jamais gostaria de ser um acusador de irmãos, para destruir ou ferir a fé de um verdadeiro cristão. Mas eu também não seria um cachorro mudo, que se cala sobre a questão de que não basta se ter herdado uma forma de doutrina, seja ela calvinista ou arminiana. A questão é a seguinte: Se a salvação vem do Senhor, será que Ele começou uma obra em mim? Eu afirmo que estas doutrinas aplicadas ao coração levarão a um autoexame bíblico, honesto.

[1] O Peregrino - John Bunyan. 
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Transcrito do Livro "As Implicações Práticas do Calvinismo"; Editora Os Puritanos.

O que é Hipercalvinismo?

Por Sam Storms

Infelizmente, o rótulo “hipercalvinista” é usado com frequência em nossos dias para insultar ou ridicularizar qualquer um que tenha ideias calvinistas mais radicais do que outros. No tocante aos pelagianos, os semipelagianos são hipercalvinistas. No tocante aos semipelagianos, os arminianos são hipercalvinistas. No tocante aos arminianos, os calvinistas dos quatro pontos são hipercalvinistas. No tocante aos calvinistas dos quatro pontos, os calvinistas dos cinco pontos são hipercalvinistas. Dependendo de onde você se encontre no espectro teológico, todos são hipercalvinistas — exceto o pelagiano. E, em relação aos autênticos hipercalvinistas, todos os demais estão simplesmente confusos!

Talvez um pouco de percepção histórica seja útil. Aquilo que separou historicamente o Calvinismo bíblico do Hipercalvinismo é a negação, pelos últimos, do chamado externo do Evangelho. David Engelsma explica o Hipercalvinismo:
“É a negação de que, na pregação do Evangelho, Deus chama todos os que ouvem a pregação a se arrependerem e crerem. Ele é a negação de que a Igreja deve chamar a todos por intermédio da pregação. Ele é a negação de que o não regenerado tem o dever de se arrepender e crer. Ele se manifesta na prática do pregador dirigir o chamado do Evangelho — “arrependa-se e creia no Cristo crucificado” — somente àqueles da plateia que mostram sinais de regeneração e, portanto, de eleição, ou seja, alguma convicção do pecado e algum interesse pela salvação.”
De acordo com o Hipercalvinismo, a extensão da pregação é determinada pela extensão da regeneração. Somente aqueles que mostram evidências de regeneração são os destinatários ou objetos adequados da pregação. O problema principal nessa afirmação é o fato de que a Bíblia não sanciona qualquer dessas restrições à proclamação de Cristo e ao chamado para se arrepender e crer. Jesus deu aos seus discípulos ordens claras e inequívocas, de que “em seu nome seria pregado o arrependimento para perdão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24.47).

Quando pregou no Areópago, o apóstolo Paulo não fez qualquer esforço para distinguir entre aqueles que ele pensava ser ou não eleitos e, portanto, regenerados. Tal conhecimento pertence somente a Deus. Em vez disso, o Evangelho de Paulo tomou a forma de uma proclamação indiscriminada e universal: “No passado Deus não levou em conta essa ignorância, mas agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam” (At 17.30). Só posso concluir que o chamado externo do Evangelho é um elemento vital do Cristianismo bíblico. Negá-lo é desviar-se do verdadeiro Calvinismo de uma maneira muitíssimo séria. Todavia, por uma questão de clareza (e até mesmo de caridade), talvez devêssemos deixar o rótulo hipercalvinista e simplesmente nos referir aos que defendem esse ponto de vista comoequivocados. Relacionado a essa questão está o assunto da regeneração e a responsabilidade humana. Se a regeneração é totalmente uma obra de Deus, sendo, portanto, o fundamento e causa da fé, o que acontece com a responsabilidade individual de crer no Evangelho? Os comentários de John Murray são extremamente úteis para responder a essa pergunta:
“A prioridade causal da regeneração não é desculpa para a nossa descrença, nem álibi para a preguiça, a indiferença ou o desespero. Nunca podemos usar como pretexto a nossa própria depravação como qualquer tipo de razão para não crer, nem a nossa incapacidade como qualquer tipo de desculpa para a descrença. Argumentar que não devemos nos arrepender e crer até sermos gerados é trazer confusão para a relação que a regeneração tem com a nossa responsabilidade. Não sabemos que estamos regenerados, até nos arrependermos e crermos. O Evangelho da graça se dirige à nossa responsabilidade na busca de arrependimento e fé. Assim como os propósitos desconhecidos de Deus não são a regra da nossa conduta nem os motivos pelos quais agimos, também as inescrutáveis operações de Deus não são a regra ou a base para as nossas ações, mas sim a sua vontade revelada. A regra para nós em quaisquer circunstâncias é a vontade revelada apresentada à nossa consciência. Nossa crença ou nosso conhecimento de que fomos regenerados nunca são a base sobre a qual exercemos a fé em Cristo, mesmo que o fato da regeneração seja sempre a fonte da qual se origina o exercício da fé e do arrependimento.”
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Texto extraído do livro “Escolhidos: uma exposição da doutrina da eleição”, lançado pela Anno Domini em 2014. 

26 de fev. de 2015

O Dia do Senhor e o Culto Reformado

 Por Ian Hamilton

Até algum tempo atrás, uma das marcas distintivas do culto reformado era o seu compromisso com a santificação do Dia do Senhor como o tempo divinamente prescrito para que o povo da aliança de Deus adorasse esse Deus da aliança.

Esta perspectiva puritana possivelmente está melhor demonstrada na Confissão de Fé de Westminster:

“Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim  também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi mudada para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado dia do Senhor (= domingo), e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão”.
          
Dizendo isso, os puritanos estavam em consonância com os reformadores ao dizer que o shabbat (sábado) não era o único dia em que o povo de Deus se reunia para o culto e também não estavam dizendo que a adoração é um tipo de atividade exclusivamente corporativa e que apenas acontece quando a igreja se une para adorar.

Foram os reformadores e puritanos que resgataram para nós a idéia de que adoração é a resposta do crente momento após momento à Palavra de Deus. Ao mesmo tempo eles tinham uma convicção apaixonada quanto a este ponto. Diziam que o culto cristão tem que ser ancorado e baseado no Dia do Senhor. Existe um debate que sempre está presente entre os próprios reformados com relação ao Dia do Senhor e o shabbat (sábado). Devemos considerar o Dia do Senhor como o shabbat? Isso ficará claro à medida que formos expondo o assunto.

Os que crêem na perpetuidade do sábado cristão como sendo uma ordenança da graça que é obrigatória para todo povo de Deus, precisam lembrar que não estamos simplesmente engajados num conflito para persuadir nossos irmãos em Cristo e que passagens como Colossenses 2:16-17 não estão abolindo o sábado cristão que foi instituído na criação. Nossa batalha é muito mais séria que isto, pois estamos batalhando para resgatar os irmão cristãos dos efeitos corrosivos da cultura contemporânea. O que estamos dizendo é, que o assunto tratado aqui, dentro da tradição reformada, não é somente de persuadir nossos irmãos em Cristo do caráter divino, mandatório do sábado cristão (shabbat) como sendo uma ordenança vinda da criação e do Evangelho, mas na verdade estamos diante de um trabalho ainda mais exigente. Ou seja, de persuadir nossos irmãos em Cristo da sabedoria daquele que nos deu o shabbat, do regozijo que é o sábado cristão e dos efeitos corrosivos e fatais de permitirmos que nossa cultura contemporânea venha formatar nossa vida espiritual e dos nossos filhos.

Fiquei extremamente espantado quando, há alguns anos, passei um período nos Estados Unidos e vi que o dia da final do campeonato de futebol, o evento esportivo mais enfatizado do ano, era praticado no Dia do Senhor e que muitas igrejas evangélicas, cristãs, naquele dia, até mesmo que professavam a fé reformada, cancelavam até os seus cultos dominicais para permitir que as pessoas fossem assistir este jogo. Quase não acreditei que isso estivesse acontecendo. Porém, disseram-me que mais igrejas mudariam até o horário de culto para permitir aos crentes irem a esta final de campeonato.

Eu tenho um filho que gosta muito de futebol e gosta muito de jogar. Outro dia ele me perguntou por que se marcavam tantos jogos exatamente no Dia do Senhor. Meu filho gosta muito de futebol e por isso fica frustrado quando não pode jogar e sente falta do jogo, mas mesmo assim não deixa de ir à igreja para participar dos jogos de futebol e nem ao menos pensa nisso. Mas percebo que esta situação vem continuamente se projetando para tomar controle sobre a igreja.

Levanto esta questão porque o problema não é realmente a guarda do sábado cristão, mas é algo mais profundo que isso. O assunto com o qual nos deparamos é o caráter de Deus, a Sua autoridade, a verdade de Sua Palavra e a sua suficiência. Se estamos convencidos que Deus é bom, somente bom, e que todos Seus caminhos para Seus filhos são sábios e agradáveis, isso nos deveria persuadir a abraçar com alegria a santificação do Dia do Senhor. Não deveríamos ser levados a pensar que as leis do Dia do Senhor não são mais para nós hoje e que por isso têm sido abandonadas por muitos cristãos que professam a fé reformada e que têm se esquecido de santificar este dia. A razão para isso é que eles não têm compreendido o sentido do Dia do Senhor.

O problema é mais profundo. A verdade é que as pessoas perderam o contato de quem Deus é. Creio que dificilmente poderíamos duvidar que, quando o Dia do Senhor não é uma ordenança graciosa, o culto na igreja deteriora e em seguida a sociedade deteriora. O Dia do Senhor é um testemunho da grande benignidade de Deus para com Seu povo e nos dá um tempo divinamente apontado por Deus para que nós O adoremos e Deus mesmo nos dá o foco apropriado em relação à Sua adoração.

Quero apresentar dois aspectos com respeito à guarda do Dia do Senhor.

1) Explicar o caráter obrigatório do Dia do Senhor para o cristão; essa era a convicção dos reformados e puritanos e que surgiu de uma compreensão correta das Escrituras.

2) Destacar o significado e os benefícios de se observar o Dia do Senhor reservando-o para um culto que honra a Deus.

Caráter Obrigatório

I) Inicialmente gostaria de dizer que o Dia do Senhor foi instituído por Deus na criação. Lemos em Gênesis 2 que Deus terminou sua obra no sexto dia e no sétimo descansou do que havia feito. Deus abençoou o sétimo dia e o santificou porque nele descansara de todas as obras que havia feito. Antes que o pecado entrasse no mundo Deus já havia providenciado um sábado (descanso) para Adão e Eva e seus filhos. Nas palavras do grande presbiteriano John Murray, o sábado é uma ordenança da criação dada por Deus para o benefício de todas as Suas criaturas. Geralmente se diz que Calvino ensinava que o sábado, como dia de descanso, havia sido ab-rogado na dispensação do Novo Testamento. Para apoiar isso, são citados seus comentários sobre o quarto mandamento e sua exposição em Colossenses 2:16-17. Sem dúvida existe alguma diferença entre a perspectiva de Calvino e os puritanos, mas na minha opinião são circunstanciais e pequenas. Quando lemos o que Calvino escreveu no seu comentário de Gênesis 2:3, escrito em 1561, dois anos depois da edição final das Institutas, o que é bastante significativo, encontramos uma exposição que o reformador faz de forma sucinta, da sua perspectiva do sábado cristão. Calvino disse:

“Quando ouvimos que o sábado foi ab-rogado pela vinda de Cristo, devemos distinguir o que pertence ao governo perpétuo da vida humana e o que pertence propriamente às figuras antigas. O uso destas foi abolida quando a verdade foi cumprida. Descanso espiritual é a mortificação da carne ao ponto de que os filhos de Deus não devem viver para si mesmos ou permitir livremente as ações de suas inclinações. Assim, na medida que o sábado era uma figura desse descanso espiritual, eu digo que isso foi somente por um tempo (obs: com isso os puritanos concordariam). Mas, na medida em que foi ordenado aos homens, desde o início, de que eles deveriam se engajar no culto a Deus, é legítimo que o sábado cristão deva continuar até o fim do mundo. O sábado é uma ordenação da criação que é perpétua”.

II) A segunda coisa que tenho para afirmar é que o sábado cristão está baseado no exemplo divino. Esse é o ponto de Moisés em Êxodo 20:11. O ritmo do homem alternado entre trabalho e descanso é o sério padrão do ritmo criador. John Murray faz a seguinte afirmativa: “Podemos pensar no exemplo que Deus nos deu de trabalho e descanso como sendo um padrão de conduta eterno para a raça humana nas ordenanças de trabalho e descanso”.

III) A ordem de Deus para que guardemos o Dia do Senhor está embutida nos dez mandamentos. O quarto mandamento garante e valida a permanência do mandamento para guardarmos o Dia do Senhor e estabelece a guarda do sábado cristão no coração da vida de adoração do povo de Deus. Acho absurdo quando ouço irmãos que, dizendo-se reformados, tentam me convencer que o “shabbat”, o sábado, foi abolido, deixando um dos dez mandamentos fora de validade para a vida do povo de Deus. Na verdade, Deus deu validade à guarda do sábado por colocá-lo dentro do decálogo.

IV) Nosso Senhor Jesus Cristo destacou a importância da permanência do shabbat. Jesus nos diz em Marcos 2.27: “O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado; de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado”. O que mais poderíamos dizer com relação a isso? A minha preocupação é simplesmente mostrar a importância do fundamento da guarda permanente do shabbat. Deus tem gravado esta verdade em Sua Palavra e nós nos desviamos dessa ordenança apenas para sermos prejudicados espiritualmente. Pertence nossa obediência à verdade revelada de Deus e nossa submissão ao nosso Pai amorável. Tendo estabelecido o fundamento bíblico para o dia do Senhor e considerando a transição do sábado para o domingo, quero considerar quais os benefícios e o significado de guardar o dia do Senhor.

Significado e Benefícios

I) O shabbat nos dá uma oportunidade de buscar o Senhor e adorá-lo sem distração. No ano passado passei um tempo no Marrocos visitando famílias cristãs. Viver num país muçulmano como aquele significa não ter liberdade para guardar o Dia do Senhor como os cristãos gostariam. Mas em países como Brasil e Escócia ainda temos o privilégio precioso dado por Deus de preservar e guardar o Dia do Senhor como um dia santo. Irmãos, valorizem o Dia do Senhor; lutem por ele; os assuntos relacionados com a guarda do dia de descanso são profundos. Essa provisão que Deus nos faz que o adoremos sem distração alguma é uma visão que vem do próprio Deus.

II) O shabbat nos dá oportunidade de adorar coletivamente a Deus e buscá-lO juntos. O shabbat enfatiza o caráter bíblico e corporativo do culto que se deve prestar a Deus. O nosso Deus fez uma provisão graciosa por seu povo. Ou seja, que O adoremos juntos. Esta verdade perece dia após dia em nossa época. Desde o iluminismo, na cultura ocidental e particular, o indivíduo tornou-se o centro de todas as coisas e essa preocupação absorvente com o indivíduo desfechou um golpe mortal no pensamento bíblico com respeito à aliança. Os cristãos não têm mais qualquer doutrina, não têm mais esta compreensão do caráter coletivo da Igreja, e mesmo cristãos que se professam reformados não têm mais qualquer sentido do caráter corporativo do culto da aliança. Estou cada vez mais convencido que o sábado cristão é talvez o meio principal usado por Deus de educar o seu povo na vida e no culto do pacto. Guardar o Dia do Senhor, o sábado cristão, é o antídoto poderoso para aquele individualismo absorvente que marca tanto o mundo que nós vivemos como a igreja de Cristo.

III) O shabbat coloca diante de nós os grandes feitos de Deus na criação e na redenção. No sábado cristão somos graciosamente capacitados por Deus em nos centralizarmos na criação e na redenção e despertar nossos corações e mentes ao seu louvor. Calvino coloca o seu dedo exatamente nesse ponto. No livro II das Institutas, capítulo 8, ele diz:

“Durante o repouso do sétimo dia, na verdade, quando Deus determinou que se descansasse no sétimo dia, o legislador divino queria falar ao povo de Israel do descanso espiritual quando os cristãos devem deixar de lado o seu trabalho para permitir que Deus trabalhe neles”.

Em outras palavras, o shabbat nos dá oportunidade de repousar de nossas próprias obras e nos concentrar nas obras de Deus. Nesse sentido, o shabbat é um símbolo evangélico, um glorioso símbolo semanal da justificação gratuita. Nós vivemos em uma época em que os cristãos andam em busca de sinais e símbolos. Demos a eles o grande símbolo do Evangelho: um dos grandes símbolos e sinais do Evangelho é o shabbat que nos foi dado por Deus.

IV) O shabbat destaca a importância dos cultos matinais e vespertinos. Parece muito simplório. Mas mesmo assim é importante falar deles. Honrem o sábado cristão, não somente uma parte dele, mas como um todo. Se havia uma coisa que caracterizava a religião puritana, a prática puritana, era a maneira cuidadosa que brotava de seus corações e pela qual eles se entregavam alegremente, de forma não legalista, à guarda do Dia do Senhor.

V) O Dia do Senhor é uma preparação para o céu. Ouçamos as palavras de Richard Baxter: “Qual o dia mais apropriado para subir ao céu do que aquele em que Ele ressurgiu da terra e triunfou completamente sobre a morte e o inferno? Use o seu shabbat como passos para a glorificação até que tenha passado por todos eles e chegue à glória”. A religião puritana floresceu no solo regozijante da guarda do sábado cristão. É por causa destas coisas que somos chamados em Isaías 58, pelo próprio Senhor, para considerarmos o sábado como um deleite e a isso ele adiciona uma promessa. Se guardarmos seus sábados como sendo um deleite, encontraremos nossa alegria no Senhor.

Esse capítulo 58 de Isaías é mais uma confirmação de que a guarda do sábado cristão deveria ser considerada como parte da Lei Moral e não simplesmente mais uma observância pertinentes às leis cerimoniais. Esta passagem de Isaías onde o mero cerimonialismo é denunciado pelo profeta, há um apelo para a guarda do sábado como sendo importante para o culto espiritual.

Sei que existe o perigo de dar ao sábado cristão um lugar central no culto, fazendo com que ele torne-se um exercício de justiça própria. Sabemos da condenação tremenda feita pelo Senhor em Isaías 1. Mas os crentes reformados deveriam guardar o Dia do Senhor de forma santa. Devemos chamá-lo de um deleitoso. Por quê? Por causa de nossa obediência ao nosso Deus e amor ao nosso Salvador. Jesus disse: “Se vocês me amam, guardem meus mandamentos”.

Neste sentido a guarda do Dia do Senhor, o sábado cristão, ou é o resultado da obediência legalista, ou da obediência evangélica. Se for o produto de uma obediência legalista, a guarda do dia do Senhor será sem alegria, monótona, formal e alguma coisa que simplesmente traz auto-justiça e vaidade pessoal. Mas se a guarda do Dia do Senhor é o resultado de uma obediência evangélica, será profundamente regozijante. Diremos como o salmista: “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor”. Se for uma guarda por causa de uma obediência evangélica, será algo refrescante que nos revigora e nos humilha.

John Murray, cujos escritos trouxeram uma impressão inapagável na minha vida quando moço (Por exemplo: Redenção, Conquistada e Aplicada (Cultura Cristã ― Obra que considerei como a melhor peça sobre justificação jamais escrita por alguém), disse: “O shabbat semanal é uma promessa, um sinal, e um antegozo daquele descanso consumado. A filosofia bíblica do shabbat é de tal maneira, que negar sua perpetuidade é privar o movimento da redenção de uma das suas mais preciosas características”.

Vivemos numa época em que mais do que nunca precisamos resgatar o shabbat para o povo de Deus, porque amamos o povo de Deus e desejamos seu bem diante de Deus. Sabemos que Deus quer abençoar Seu povo com isso. Mas sabemos também que a bênção que Ele deseja dar nunca virá sem a honra que o povo deve ao Dia do Senhor. Pelo bem espiritual dos nossos filhos devemos educá-los ensinando a honrar o Dia do Senhor, mas não como uma coisa rotineira e sem alegria. Como poderia o cultuar a Deus e esperar nEle ser algo monótono ou cansativo? Na verdade, o Dia do Senhor foi algo criado por Deus para o bem de Seus filhos. Estou quase convencido que o sucesso dos puritanos pode ser traçado por seu compromisso de guardar o Dia do Senhor para honra de Deus. Deus abençoou grandemente seus labores, seus escritos, porque foram homens e mulheres que honraram o dia do Senhor.

Finalmente cito Baxter porque creio que suas palavras expressam o coração da compreensão puritana com respeito ao shabbat: “Que dia é mais apropriado para subir ao céu do que aquele em que ele ressurgiu da terra e triunfou plenamente sobre a morte e o inferno? Use seus shabbats como passos para a glória até que tenha passado por todos eles e lá tenha chegado”.

O Dia do Senhor é para o povo do Senhor como um antegozo ou penhor do céu que nós tanto almejamos. Nós desejamos e sonhamos com aquele dia em que estaremos com o Senhor para sempre. Até que aquele dia venha, façamos do Dia do Senhor tudo aquilo que Deus gostaria que fizéssemos. Que seja o pulso palpitante da vida espiritual da Igreja e que partindo de nossa obediência evangélica nos reunamos para o encontro com nosso Deus e para receber as promessas que Ele decidiu nos dar, para aqueles que honram o Seu dia, porque assim honram aquEle que instituiu esse dia.
Amém.
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Fonte: Os Puritanos

Pecado: Caminho para a morte


Por Luciana Barbosa 

Quando olhamos para o homem, percebemos o quão mísero ele é, pois, faz de Deus um velho caduco e barbudo. Dá até para dizer que alguns pensam que Deus seja o Papai Noel, aquele que distribui presentinhos, quando todos fazem o que querem e mesmo assim são abençoados. O fato é que as pessoas pregam apenas que Deus é amor, que não é preciso obedecer a sua lei, nem seus preceitos. Por que será que o homem não leva a lei de Deus a sério? Por que será que para tudo existe um “jeitinho”? Por que será que os homens supõem que Deus não vai cumprir aquilo que determinou como uma ordem a ser cumprida? Quão dificultoso é para alguns entenderem que Deus é Santo e ama Sua glória, e que antes dEle amar o homem, Ele ama a Si mesmo. “Por amor de mim, por amor de mim o farei, porque, como seria profanado o meu nome? E a minha glória não a darei a outrem.” Is 48.11

Mas, isso não é de hoje, ao contrário, começou no Éden com nossos primeiros pais. A Palavra diz: “E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.16-17). Esta foi a ordem, porém não foi o diálogo da serpente com a mulher: “Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: é assim que Deus disse: não comereis de toda a árvore do jardim? E disse a mulher à serpente: do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.” Gn.3.1-3

A ordem foi dada a Adão, entretanto, foi passada a Eva por Adão que certamente não alterou as palavras de Deus a respeito da árvore. No entanto, Eva muda as palavras de Deus em três lugares:

1- Ela omitiu as palavras “toda” e “livremente” de Gênesis.2.16;
2 - Ela referiu-se a árvore proibida pelo lugar (“meio do jardim” Gn.3.3), e não pelo que representava (“árvore do conhecimento que do bem e do mal” Gn.2.17);
3 - Ela acrescentou palavras à ordem de Deus “nem tocareis nele” (Gn 3.3).

Depois da resposta de Eva a pergunta de Satanás, este afirma que Deus não havia sido verdadeiro em sua ameaça de morte, ou melhor, chama Deus de mentiroso ao dizer: “Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis”. Gn 3.4

A ordem foi dada e por consequência o preço da desobediência; a Palavra do Senhor é clara em seus imperativos éticos, mas o homem prefere dar ouvidos às mentiras de Satanás, afinal, ele diz o que as pessoas querem ouvir, pois, ele oferece justamente aquela desculpa, aquele argumento ou até mesmo aquele versículo que está escrito naquele livro e isso me dá base para transgredir a ordem divina. O apóstolo Paulo é enfático quando diz em Romanos 6.23 “Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor”.

Toda a Escritura é clara quando se trata de pecado, no começo o caminho pecaminoso parece perfeito, mas o final deste são caminhos de morte. O pecado só nos leva a um caminho que é o distanciamento de Deus e consequentemente morremos. Você pode estar pensando: Adão e Eva desobedeceram e não morreram, Deus afirmou que se eles comessem do fruto proibido certamente morreriam e não morreram naquele momento. Pois bem, a morte referida ali no Éden é espiritual e esta sim, aconteceu imediatamente quando Adão comeu. Podemos nos certificar disso quando lemos que os olhos deles abriram-se e perceberam que estavam nus. Foram expulsos do jardim, receberam maldições e novecentos e trinta anos depois eles morreram fisicamente.

Não é muito diferente hoje, os homens estão afundados nessa mentira e por isso vivem na prática do pecado, não creem na punição pela desobediência. Atente para o que a Palavra diz: “de Deus não se zomba”. Satanás negou que Deus haveria de punir o pecado e essa é uma mentira em que muitos ainda acreditam e que recebem por consequência a morte. Nunca esqueçamos da verdade, Deus é sempre verdadeiro e Satanás sempre mentiroso. Somente Cristo pode libertar o homem e livrá-lo da morte eterna.

E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. João 17.3

25 de fev. de 2015

A Confissão Belga

Por Alderi  Souza de Matos

Esse valioso documento foi escrito numa época em que os protestantes dos Países Baixos sofriam intensa repressão da Espanha católica que dominava a região. Seu autor foi o pastor reformado Guido de Brès ou Guy de Bray (c. 1522-1567), que, após passar alguns anos na Inglaterra como refugiado (1548-1552), retornou à Bélgica, foi pastor em Tournay e pregou em toda a região, tendo de fugir novamente em 1561, ano em que escreveu A Confissão. Ele deplorava as tendências anárquicas de muitos correligionários e insistia na importância de obedecer aos magistrados, tendo trabalhado com Guilherme de Orange, o futuro libertador dos Países Baixos. Durante o cerco de Valenciennes, não conseguiu convencer os radicais a se renderem e foi executado por rebelião.

A confissão foi escrita em francês e encaminhada pelo autor a diversos estudiosos e teólogos, que fizeram pequenas modificações. Também conhecida como Confessio Belgicaou Confissão da Valônia, foi endereçada ao rei Filipe II na esperança de atenuar a feroz perseguição contra a Reforma. Seu objetivo foi mostrar às autoridades espanholas que os reformados não eram rebeldes, mas cristãos cumpridores da lei. Imediatamente foi traduzida para o holandês (1562) e depois para o alemão (1566).

O texto se apóia fortemente na Confissão Galicana, adotada dois anos antes pelas igrejas reformadas da França. A ordem dos tópicos é tradicional: Deus e como conhecê-lo (arts. 1-2), a Escritura (3-7), a Trindade (8-11), a criação e a providência (12-13), a queda e a eleição (14-16), a pessoa e a obra redentora de Cristo (17-21), a justificação, a santificação e Cristo como mediador (22-26), a Igreja e seu governo (27-32), os sacramentos (33-35), as autoridades civis (36) e as últimas coisas (37). A confissão cita amplamente a Escritura e utiliza com freqüência o pronome “nós”, o que a torna muito pessoal. Evita referências provocadoras ao catolicismo, procurando dar ênfase a crenças comuns como a Trindade, a encarnação e a “Igreja Católica” (art. 27).

Ao mesmo tempo, sustenta com firmeza convicções distintamente protestantes e reformadas, tais como a autoridade única das Escrituras, a plena suficiência do sacrifício expiatório e da intercessão de Cristo, a natureza das boas obras e os dois sacramentos. Entre os temas especificamente reformados estão a soberania e graça de Deus, a eleição, a santificação e as boas obras, a lei de Deus, o governo da igreja e a Ceia do Senhor. A confissão se desvincula expressamente dos anabatistas, com os quais os reformados muitas vezes eram confundidos pelas autoridades católicas, afirmando a plena humanidade de Cristo, a natureza pública e não-sectária da verdadeira Igreja, o batismo infantil e o estado como instrumento de Deus (ver arts. 18, 29, 34, 36).

Recebida entusiasticamente pelas igrejas reformadas dos Países Baixos, a confissão foi adotada por sínodos reunidos em Antuérpia (1566), Wesel (1568) e Emden (1571), tido como o sínodo de fundação da Igreja Reformada da Holanda. Foi adotada em definitivo pelo Sínodo Nacional de Dort, em 1618. Tornou-se um dos três padrões doutrinários dessa Igreja, ao lado do Catecismo de Heidelberg e dos Cânones de Dort (as Três Formas de Unidade). O historiador Philip Schaff a considerou, “como um todo, a melhor afirmação simbólica do sistema calvinista de doutrina, à exceção da Confissão de Westminster”. O texto da Confissão Belga foi publicado em português pela Editora Cultura Cristã, sendo a edição mais recente de 2005.
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Fonte: Portal Mackenzie

A Igreja Copta e O Concílio da Calcedônia

Por Kevin DeYoung

Em 14 de fevereiro, vinte e um cristãos egípcios foram brutalmente decapitados por radicais muçulmanos que trabalham para o Estado islâmico na Líbia. A Igreja Ortodoxa Copta anunciou ontem que as vinte e uma vítimas serão inseridas no Synaxarium (lista oficial da Igreja Oriental dos mártires) e serão celebrados no calendário da igreja como mártires e santos. Os cristãos de todos os matizes denominacionais e doutrinais expressaram indignação, tristeza e um sentimento de unidade com seus irmãos caídos.

O que leva a uma importante questão: como devemos ver a Igreja Ortodoxa Copta?

Esta não é uma pergunta ruim, desde que seja abordada corretamente. Deixemos de lado a questão do que os vinte e um mártires entendiam sobre monofisismo. Isso não é sem importância, mas, tanto quanto eu sei, é uma informação é inatingível. Além disso, o que é mais necessário neste momento é de oração pela igreja perseguida e simpatia para o sofrimento. Pensando sobre esses homens que morreram por causa de sua fidelidade a Cristo, os homens que pertenciam a uma das mais antigas igrejas do mundo.

No entanto, talvez agora seja o momento adequado para considerar de forma mais ampla e pensar com mais cuidado sobre o porquê de alguns consideram a Igreja Ortodoxa Copta de ser, digamos, bem pouco ortodoxa. Ao participar de um painel de discussão na Ligonier, na semana passada, uma das primeiras perguntas que foram feitas foi acerca dos vinte e um mártires coptas e a heresia do monofisismo. Então, vamos dar um passo para trás e tentar entender a história e teologia por trás do que pode ser a mais antiga cisão (formal) na igreja.

Duas naturezas, sem divisão

Para contar a história corretamente, temos que começar com um homem com o nome de Nestório. Nestório nasceu algum tempo depois de 351 e morreu pouco antes de 451. Ele era o patriarca de Constantinopla. Seu ensinamento foi condenado pelo terceiro Concílio Ecumênico de Éfeso em 431. Não está claro se Nestório foi realmente um Nestoriano. O que está claro é que Nestório não era muito cuidadoso em sua teologia e não se saiu muito bem quando foi colocado no local para defender seus pontos de vista.

Nestório, como a maioria dos hereges, tinha a intenção de preservar a verdade. A maioria dos hereges antigos não partiu para perturbar a igreja ou ensinar uma doutrina falsa. Eles não eram como Bart Ehrman com um machado para moer, ou como Richard Dawkins, com uma agenda anticristã. A maioria dos hereges na história da igreja estavam tentando ser bíblicos. Eles teriam sido os cristãos professos, com preocupações genuínas, que receberam as doutrinas fundamentais erradas e cujos seguidores tem coisas ainda mais erradas.

Nestório estava preocupado porque as pessoas estavam chamando Maria "a portadora de Deus" (Theotokos). Suas preocupações provavelmente não eram totalmente sem bases. Portadora de Deus é um título apropriado para Maria, mas somente se a ênfase é sobre o Filho e não Maria. Isso já aconteceu uma vez, e muito provavelmente estava acontecendo nos dias de Nestório também. Tanto que algumas pessoas tomaram o passo perigoso e a frase "Maria, a portadora de Deus" passou para "Maria, a Mãe divina de Deus." Theotokos é um termo apropriado, mas apenas com as qualificações adequadas.

Nestório contestou este título popular. Ele podia admitir que Maria deu à luz a alguém e que esse alguém era Jesus de Nazaré. Mas ele achava que ela deu à luz apenas a natureza humana de Cristo. Como poderia a natureza divina nascer? Divindade é eterna. Ele não pode ser “dado à luz”. Então, Maria, disse Nestório fundamentado, poderia ser a mãe de Jesus, mas não a mãe de Deus. Se ela foi mãe de Deus, logo o Filho de Deus nasceu, fazendo dele uma criatura com um princípio, e fazendo-nos em nossa adoração culpados de arianismo e de violar o segundo mandamento.

Solução: Nestório, ou pelo menos a solução teológica que se apegou ao seu nome, defendeu a existência de uma parede divisória entre as duas naturezas. Ele sabia que o filho era Deus, e ele sabia que o filho era um homem. Então Maria deve ser a mãe de uma metade de Jesus, mas não da outra. Ela deu à luz a um homem que estava acompanhado pelo Logos. As duas naturezas de Cristo coexistem, não numa união hipostática, mas em uma espécie de parceria relacional.

Nestório foi contestado por Cirilo de Alexandria (378-444), o apologista brilhante e seu inimigo implacável. Ele fez dois argumentos contra Nestorianismo:

1) Se Maria não é Theotokos , em seguida, em vez de a encarnação do próprio Deus, temos um ser humano que nasce com o Logos divino. Em outras palavras, se Maria não é a portadora de Deus, então devemos entender a encarnação como algo diferente do que Deus tornando-se homem. Temos Deus vindo ao lado de um homem. Já não temos o Deus-homem Cristo Jesus. Nós temos Jesus Cristo, um homem com Deus nele. Assim, no Nestorianismo, Deus está em Cristo quase do mesmo modo que Deus está em nós. A diferença não é ontológica; é apenas uma questão de grau. O Nestorianismo acaba fazendo muito pouco de Jesus e muito de nós.

2) Se Maria não é Theotokos , a relação de Cristo com a humanidade é alterada. Apenas a cristologia ortodoxa permite uma verdadeira redenção do homem caído. O problema do Nestorianismo não estava com as duas naturezas, mas com uma pessoa. Cristo é totalmente Deus e totalmente homem no Nestorianismo, mas ele não parece ser uma pessoa. Em vez de duas naturezas em uma só pessoa autoconsciente, as duas naturezas estão ao lado da outra numa união moral e simpática. A lógica de Romanos 5:19 -que nossa salvação é realizada através de "obediência de um só homem" - não se sustenta. É somente através de um só homem, Jesus Cristo, a união da humanidade e divindade, que somos feitos justos.

Duas naturezas, sem confusão

Isso nos leva até o Eutiquianismo e aos cristãos coptas. Eutiques foi um monge que viveu em um grande mosteiro de Constantinopla. Ele nasceu por volta de 378 e morreu em 454. Mais uma vez, é difícil determinar o que ele realmente ensinou. Eutiques era, para citar um autor, "um pensador de idade e de mente confusa."

Nós sabemos que Eutiques teve um viés antinestoriano forte. Ele o detestava para cair no erro de dividir a humanidade de Cristo de sua divindade. Assim em vez de divisão, encontramos mo Eutiquianismo uma confusão ou mistura das duas pessoas. Eutiques ensinou que houve apenas uma (mono) natureza ( physis ) em Cristo após a união de sua divindade e humanidade (daí, monofisismo).

Eutiques defendeu a absorção da natureza humana para o divino, a fusão das duas naturezas, resultando em ums terceira coisa (tertium quid) - como misturando amarelo e azul para obter verde. Ele disse que a humanidade de Cristo foi tão unida à sua divindade que a sua humanidade não era a mesma que a nossa (consubstancial). Cristo era "de uma substância com o Pai", mas não "de uma substância com a gente”.

Eutiques era teimoso e não muito cuidadoso na sua teologia. No entanto, ele não estava sem amigos no alto-escalão. Eutiques foi deposto em 448 por um Sínodo liderado pelo arcebispo Flaviano. Eutiques se queixou ao Papa Leão que ele foi tratado injustamente. Leão, depois de algumas idas e vindas, escreveu uma carta a Flaviano onde brilhantemente pesquisou todas as heresias cristológicas e concluiu que Eutiques estava errado. "Em Cristo Jesus", escreveu ele, " não existe humanidade sem verdadeira divindade, nem divindade sem verdadeira humanidade”.

Mas Eutíquio era amigo do imperador Teodósio II. Em um esforço para defender Eutiques, o imperador convocou um concílio em Éfeso, em 449. Os delegados foram muito pró-Eutiques e quando delegados do Papa Leão vieram apresentar seu lado, eles nem sequer foram autorizados a falar. Flaviano foi atacado e espancado, tanto que ele morreu poucos dias depois. O Eutiquianismo foi vindicado, mas toda a reunião foi uma farsa. É agora conhecido como o "Sínodo Ladrão".

Mais tarde, nesse mesmo ano, Teodósio morreu num acidente a cavalo. Sua irmã Pulquéria e seu marido Marciano (não confundir com o herege Marcião) assumiu o trono. Pulquéria concordou que o último sínodo foi uma farsa. Então, a pedido do Papa Leão ela convocou um novo sínodo em Calcedônia, em 451, no que mais tarde seria considerado o IV Concílio Ecumênico. O Primeiro Concílio Ecumênico em Nicéia (325) rejeitou o arianismo; O Segundo em Constantinopla (381) rejeitou o docetismo; o Terceiro em Éfeso (431) rejeitou nestorianismo; e o quarto em Calcedônia (451) rejeitou Eutiquianismo.

A barulheira valeu a pena?

Calcedônia não resolveu tudo. Alguns, no leste ainda não conseguiam engolir a doutrina das duas naturezas de Cristo. O que tornou as coisas mais confusas foi o legado impugnado de Cirilo de Alexandria. Cirilo era uma lenda já em sua própria época, era o porta-estandarte para a ortodoxia. Ele foi o herói que liderou a acusação contra Nestório, assegurando sua condenação em Éfeso em 431. Se você concordava com Cirilo, você era ortodoxo. Se você não concordava, você provavelmente não era. Infelizmente, Cirilo havia se afeiçoado a uma frase antinestoriana inútel: "Uma natureza do Deus encarnado, Verbo encarnado". Ele pensou que essa frase viera de Atanásio, mas a frase, na verdade, veio do herege Apolinário. Cirilo usou a frase como uma forma de salvaguardar a unidade de Cristo contra o nestorianismo. Nos anos posteriores, Cirilo foi muito claro ao dizer que afirmou uma natureza humana completa e aceitava a frase "duas naturezas", desde que não prejudicasse a união das duas naturezas.

Muitos no Oriente, no entanto, incluindo o Egito, terra natal de Cirilo, acreditaram que abraçar Calcedônia, e sua doutrina das duas naturezas de Cristo, era repudiar Cirilo e sua ortodoxia impecável. Isso levou a igreja a se dividir, um milênio antes de quaisquer divisões entre católicos e protestantes. Há seis igrejas conhecidas pela velha Ortodoxia Oriental (ou Igrejas não-calcedôniana): siríaca, copta, etíope, eritreia, malankara (indiana), e armênia. Estas seis igrejas têm uma hierarquia completamente diferente e não estão em comunhão com o resto da Ortodoxia Oriental (sob o Patriarca de Constantinopla) ou com a Roma (sob o Bispo de Roma).

Essas igrejas têm sido chamadas de monofisistas, mas rejeitam o rótulo, afirmando que também negam o Eutiquismo. Elas preferem ser chamadas miafisistas porque querem enfatizar a única (mia) natureza, sem rejeitar a doutrina das duas naturezas de Cristo.

Assim é a Igreja Ortodoxa Copta. É, de fato, ortodoxa? Isso depende de quem você perguntar, especialmente na Igreja Ortodoxa Oriental. Alguns querem sublinhar o fato de que a igreja da antiga ortodoxia oriental ainda repudiam diversos concílios ecumênicos e não adotaram formalmente a Definição de Calcedônia. Outros querem falar sobre o diálogo ecumênico dos últimos anos, em que os líderes da Ortodoxa Oriental e Oriental Ortodoxa concordaram que eles não discordam sobre a doutrina das duas naturezas, apenas na maneira de dizê-la. Pela minha parte, estou disposto a dizer que a não aceitação de Calcedônia não é grande coisa. E, no entanto, não parece nesta insistência, como se continuou afirmando, que a não aceitação é o mesmo que a rejeição pura e simples ou heresia condenável. Há razões históricas e nacionais que podem estar encobrindo uma grande quantidade de unidade no que é essencial nas questões cristológicas.

Não importa a confusão em torno da Igreja Copta, o que está claro é que um Cristo incompleto não pode salvar. Nós precisamos de um mediador que pode colocar a mão sobre nós. Não há espaço para o nestorianismo que ameaça a unidade da obra de Deus ou de um Eutiquianismo que ameaça a dimensão totalmente humana da obra de Cristo. No seu melhor, toda a nossa definição doutrinária e disputas teológicas se destinam a preservar a verdade simples, eminentemente bíblica de que Jesus Cristo é Deus e homem, e como tal, é único e exclusivamente capaz de salvar os escolhidos da raça adâmica perdida.

ESCLARECIMENTO

No meu comentário e por correspondência pessoal, alguns expressaram outras preocupações sérias com a Igreja Copta além de sua não-calcedônia cristologia. Meu post foi motivado pela pergunta que recebemos na conferência sobre a heresia monofisista. Assim, o foco deste post foi sobre a história por trás deste debate cristológico e da origem da divisão entre os ortodoxos orientais e a Igreja Ortodoxa Oriental. Eu não estou bastante familiarizado com o funcionamento interno do cristianismo copta para avaliar a igreja como um todo, nem era a minha intenção de fazê-lo.
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Fonte: TGC