Por Herman Bavinck
O significado da Religião cristã pode ser determinado a
partir da disputada etimologia da palavra “religião”. A Bíblia não dá uma ideia
geral de religião, mas apresenta a revelação de Deus de forma pactual como seu
objetivo e o temor do Senhor como lado subjetivo. Deus deve ser honrado e sua
revelação deve ser crida e obedecida. A religião bíblica é, em primeiro lugar,
um assunto do coração: ela nunca é esgotada pela observação.
De acordo com Tomás de Aquino, a religião não é uma questão
de virtudes teológicas (fé, esperança, caridade), que têm Deus como seu objeto
direto, mas de virtudes morais (prudência, justiça, firmeza e temperança), das
quais Deus é o fim. O real objeto da religião aqui é a devoção obedientemente oferecida
a Deus. A religião pertence à virtude da justiça, é a virtude pela qual os
seres humanos oferecem a Deus a devoção e a adoração a Ele devidas.
Os teólogos reformados distinguem mais claramente a piedade
como o princípio e a adoração como o ato da religião. A piedade é, antes de
tudo, um estado de existência, um hábito e uma disposição que levam os seres
humanos a adorar a Deus. Schleiermacher até
mesmo definiu a religião em termos de piedade, como “sentimento absoluto de dependência”. Embora essa definição seja
inadequada, ela também contém elementos de verdade. Nós, criaturas humanas,
somos radicalmente dependentes de Deus. Subjetivamente, isso é conhecido como
fé, a fé que nos leva ao serviço, a atos de obediência e ao amor. A verdadeira
religião consiste na confiança absoluta em Deus e em um sincero desejo de viver
em obediência a Ele.
A era moderna deus origem a um estudo comparativo cientifico,
histórico ou psicológico de todas as religiões. Embora todas as religiões
tenham similaridades formais (revelação,
culto, dogma), não existe uma religião genérica, apenas religiões concretas,
todas com alegações conflitantes. Os esforços para se chegar a essência da
religião em geral levaram a resultados magros com proposições vagas, e a
pesquisa deve ser considerada um impasse. Não há como escapar da necessidade de
julgar o conteúdo de religiões especificas como “verdadeiro” ou “falso”. Os juízos
dogmáticos não podem ser evitados.
Antropologicamente, qual é o lugar da religião na psique
humana? A religião é primariamente conhecimento, moralidade ou sentimento? Grande
parte do pensamento moderno, notavelmente o idealismo, tem uma interpretação
intelectualista da religião. Para Hegel, todo o mundo é um desdobramento da
mente. A religião é uma forma de conhecimento substituído somente pela
filosofia. A tradição kantiana, contudo, define a religião voluntaristamente
como conduta moral e localiza e localiza sua sede na vontade humana. Outros,
como Schleiermacher, influenciados
pelo romantismo, consideram a religião como primariamente estética e localizada
no sentimento humano. Embora intelecto, moralidade e sentimento desempenhem papéis
importantes na verdadeira religião, ela não deve ser reduzida a uma só
faculdade. A verdadeira religião é central para todos os atos culturais e
produtos humanos: ciência, moralidade e arte.
Cientificamente, tentativas históricas para explicar a origem
da religião não dão certo. Nem o temor, nem a ilusão sacerdotal, nem a fraqueza
humana, nem a busca da felicidade, nem a ignorância é uma explicação
satisfatória. Tentativas de considerar a religião como uma “auto-afirmação da
vida do Espírito” fazem com que Deus e a religião sejam uma criação humana,
inventada para satisfazer a necessidade humana, Deus é um servo da humanidade.
Finalmente, o estudo científico, histórico, das religiões não
pode encontrar resposta para a origem da
religião – somente a revelação pode fazer isso. A religião não pode ser
entendida sem Deus e, para que possamos conhecê-lo, ele tem de se revelar a
nós. A revelação é o princípio externo do conhecimento da religião. A revelação
e a religião não são estranhas à natureza humana. Em vez disso, como portadores
da imagem de Deus, os seres humanos são, por natureza, religiosos. Portanto, a
religião é uma realidade universal. Somos criados por Deus. A religião existe
porque Deus é Deus e quer ser honrado. Para esse fim ele se revela a nós e faz
com que sejamos subjetivamente aptos a conhecê-lo.
Fonte: Dogmática Reformada – Vol. 1, cap.8, p.235,236