Por Thiago Oliveira
“Envie
teu povo para toda parte desta sociedade e nós ousadamente declaramos que
iremos sim para aquela área mais temida das trevas para que a nossa invasão
venha mudar a história. Nós estamos indo Satanás para a política brasileira e
as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja do Senhor. Sai, vai pra
fora Igreja, vai para os lugares mais escuros enviar a tua luz, é chegada a tua
hora, é chegada a hora da igreja”.
Estas são palavras ditas pela Ana Paula
Valadão, divulgadas num vídeo. A líder do grupo Diante do Trono,
ministério que alavancou a Igreja Batista da Lagoinha, dando a ela um imenso
reconhecimento em todo o país, como se estivesse numa espécie de transe, “ousadamente
declara” a vitória da candidata pessebista (no contexto do congresso, a Valnice Milhomes fala de uma visão que teve sobre um presidente "cheio do Espírito"). Obviamente, como todos nós já sabemos, Marina não foi sequer para o segundo turno.
A catástrofe da fala de Ana Paula
Valadão começa quando ela pretensiosamente declara algo que não veio de Deus. É
preciso ter muito cuidado com isso. Hoje, nos arraiais evangélicos, vemos
diversas pessoas se levantando para dar uma palavra que, segundo elas, veio de
Deus, quando na verdade não passa de um desejo pessoal externalizado. Isto é
algo tão grave, que Deus condenou com a morte aqueles que profetizaram
mentiras. Como está escrito:
“Porém o profeta que tiver a presunção
de falar alguma palavra em meu nome, que eu não lhe tenha mandado falar, ou o
que falar em nome de outros deuses, esse profeta morrerá.” Deuteronômio 18:20.
Vemos um exemplo clássico disso no
relato que se encontra no livro de Jeremias, capítulo 28. Lá, o falso profeta
Hananias, no reinado de Zedequias (Rei de Judá) afirmou coisas que Deus em
nenhum momento mandou que ele dissesse. Ele disse, de maneira ousada, que
dentro de dois anos os utensílios do Templo, saqueados por Nabucodonozor e pelos
babilônicos, iriam voltar. Também profetizou a volta dos exilados. Todavia, os
planos do Senhor eram extremamente opostos. Deus, por meio do profeta Jeremias
revelou que a Sua vontade e Seus decretos eram antagônicos a fala de Hananias.
E o desfecho dessa história pode ser lido aqui:
“Disse, pois, o profeta Jeremias ao
profeta Hananias: "Escute, Hananias! O Senhor não o enviou, mas assim
mesmo você persuadiu esta nação a confiar em mentiras. Por isso, assim diz o
Senhor: 'Vou tirá-lo da face da terra. Este ano você morrerá, porque pregou
rebelião contra o Senhor' ". E o profeta Hananias morreu no sétimo mês
daquele mesmo ano.” Jeremias
28:15-17.
Lógico que eu não desejo a morte da
Ana Paula (longe de mim!). Tampouco estou dizendo que é isto que vai acontecer.
Apenas alerto contra essa prática antibíblica de profetizar e/ou declarar algo
que não coaduna com os decretos do Altíssimo. Deus é soberano no controle do
Universo. Podemos espernear e decretar à vontade, mas, só aquilo que for do
agrado d’Ele se cumprirá na face da terra. Tenhamos mais discernimento
espiritual e tomemos o conselho do apóstolo João para provarmos os Espíritos (I
João 4.1-3).
Ademais, quem foi que disse que a
política será a salvadora da pátria? Quem disse que um político, só pelo fato
de ser evangélico, irá abalar as portas do inferno? Há uma crítica que o
Solano Portela faz, que mesmo sendo voltada para o teonomismo, se aplica
perfeitamente a este conceito messiânico da política:
“(...)
mas não posso embarcar na visão anacrônica e não bíblica da aplicabilidade da
lei judicial ou civil de Israel aos dias de hoje (quiçá da cerimonial), nem na
visão de uma sociedade controlada e transformada pela lei, em vez de
"salgada" e "iluminada" pelo evangelho (e, assim, na
providência divina, preservada até o tempo do julgamento de Deus)."[1]
O Diante do Trono, assim como a Igreja
da Lagoinha, são adeptos do dominalismo, que a grosso modo, é uma crença do
novo (e herético) movimento apostólico que deseja “expandir o Evangelho” em
todas as áreas, incluindo a política, ansiando por governos exercidos pelos
apóstolos modernos. Eu, particularmente, prefiro o conceito democrático que
herdamos de uma significativa parcela do protestantismo. Quanto a isso, Grudem assevera:
"O
poder do governo jamais deve ser usado para impor determinada crença religiosa
ou adesão a uma religião específica, seja a fé cristã, seja qualquer outra
fé."[2]
“O
governo secular tem leis que abrangem apenas corpo e bens e outras coisas
externas na terra. Deus não pode e nem quer deixar alguém governar sobra a alma
senão Ele próprio. Logo, onde a autoridade secular tem a coragem de impor uma
lei à alma, ali ela interfere num regime divino e apenas encanta e corrompe as
almas”.[3]
Sinto-me envergonhado quando algumas
pessoas vinculam a minha crença com tais desvaneios, de gente que diante das
câmeras (não foi um trocadilho) profere uma mentira descabida e coloca nela uma
roupagem espiritualizada. Além da Ana Paula Valadão, o pastor André Salles também falou para a revista Época que recebeu mais de uma revelação divina sobre a vitória de Marina Silva nas eleições deste ano. Segundo ele, era propósito de Deus torná-la Presidente da República .
Uma outra coisa que me deixa perplexo é a falta de discernimento da
ala evangélica de querer fazer da inserção cristã na política um fim em si mesmo.
Sem falar, que essa postura gera um pressuposto perigoso para a vida da Igreja.
Grudem, com bem mais propriedade, discorre sobre este assunto, e é com a sua
fala que encerro a minha:
“(...) procurar obrigar as pessoas a
tornarem-se cristãs também tem a tendência de expulsar o verdadeiro
cristianismo, pois remove da vida das pessoas a oportunidade de escolher
voluntariamente seguir a fé cristã. Alguns terão fé autêntica, mas a maioria
não. Como resultado, sociedades inteiras tornam-se ‘cristãs’, mas apenas de
nome. (...) É uma influência que procura destruir o cristianismo”.[4]
[1] http://tempora-mores.blogspot.com.br/2008/03/os-teonomistas-mordem-ou.html
[2] Wayne
Grudem, Política Segundo a Bíblia, pág 31.
[3]
Esta fala está num livreto escrito por Lutero, publicado pela editora Sinodal
com o título “Fé, Política e Resistência.” e faz parte da coleção “Lutero para
Hoje”.
[4] Wayne
Grudem, Política Segundo a Bíblia, pág 31.