Ao falarmos da reforma
protestante estamos refletindo historicamente sobre um momento importantíssimo
para a igreja cristã e para todo desdobramento social, cultural e político do século
dezesseis e os anos subsequentes. Verdade é que, se não tivermos a devida
compreensão do contexto da reforma nosso estudo ficará incompleto e deficiente.
Quando olhamos panoramicamente sobre tudo que precedeu a reforma teremos em
foco a soberania de Deus e sua providência; trazendo seu povo novamente a sua
vontade e a fidelidade a sua Palavra. Da mesma forma que Deus levantava nações
e reis para julgarem seu povo no antigo Israel, assim o Senhor fez entre o
terceiro e o décimo sexto séculos. A reforma não trouxe somente uma restauração
doutrinária à igreja, trouxe também uma cosmovisão alargada do reino de Deus, a
reforma modificou a sociedade, a política, as artes, a literatura, os
relacionamentos familiares, as ciências, a filosofia e a história.
Observaremos alguns
fatores que contribuíram para o desdobramento da reforma protestante no século
dezesseis. Na verdade Deus estava preparando o mundo para a restauração de sua
igreja. Partindo do princípio reformado da soberania de Deus, entendemos
claramente que Deus escreve a história, e a doutrina da providência é a evidência
disso, da encarnação dos decretos do Altíssimo. Dentre muitos fatores que
moveram a reforma temos a questão religiosa, a questão política, a questão
moral e a filosófica ou cientifica.
A
Questão Religiosa
Desde o terceiro século
com Constantino a igreja começou a se meter em um sincretismo desmedido. A
idolatria invadiu o culto sagrado, as imagens tomaram lugar nos templos, a
pregação fora substituída por discursos vazios e sem vida. A eucaristia foi
maculada pelo entendimento errado e chamada de transubstanciação, a
infalibilidade papal fora outorgada, a tradição da igreja foi posta em mesmo
grau de autoridade da Bíblia Sagrada. Os crentes não participavam da
eucaristia, mas, somente os sacerdotes ordenados, que davam ao povo somente a
hóstia. O povo não tinha a Bíblia em sua própria língua, mas ouvia os padres
lerem em latim. O povo foi privado das grandes verdades do evangelho, que foi
substituído por doutrinas de homens caídos. Todo esse contexto trouxe para a
igreja degradação espiritual e moral.
A
Questão Moral
Por muitos anos os
imperadores escolheram os papas da igreja, mas quando Hildebrando assumiu o
papado a coisa mudou e muito, ele foi o maior dos papas, dele veio muitas
ideias posteriores à autoridade papal e ao colégio dos clérigos da igreja. A
autoridade papal foi exaltada com Hidelbrando [1]. A partir daí a figura do
papa tornou-se iconoclasta. A autoridade dos papas agora era maior que a dos
imperadores. O papa podia colocar alguém no trono e tirá-lo de lá. Esse,
requerido pelos lideres maiores da igreja, que reivindicavam a sucessão de
Pedro na liderança da igreja. O resultado foi que tais homens alimentavam sua
cede de poder e riquezas, muitos papas eram muito ricos e tinham filhos, tinham
concubinas, eram homossexuais. Instaurou-se na igreja uma queda moral sem
limites e controle.
A
Questão Política
A igreja começou a se esmerar
no acumulo de bens, a desenfreada ambição dos papas em juntar riquezas levaram
a igreja a se tornar literalmente a grande prostituta do sagrado. Transações políticas,
alianças, recebimento de quantias de dinheiro enormes dos poderosos da época
que temiam o poder da igreja, até chegarmos nas indulgências. A compra de
perdão dos pecados e a diminuição do tempo de parentes no purgatório. A figura
de Tetzel foi importante nesse período [2].
A
Questão Filosófica e Cientifica
Entre os séculos XIV e
XVII ouve a ascensão do renascentismo, que era uma reforma ideológica tanto nas
artes, filosofia e ciência. Esse fator também contribuiu poderosamente para a
insatisfação do povo contra os dogmas da igreja católica romana, quando irrompe
a reforma todos esses fatores listados acima contribuíram e prepararam o
espirito da época para o que ocorreria em seu clímax com Lutero [3].
Os
Pré-Reformadores
A igreja sempre teve
homens e mulheres que desejavam a reforma espiritual, e lutavam para isso.
Alguns nomes que podemos citar é Francisco de Assis, Isabel a católica e mais a
frente com John Huss e John Wicliff que traduziu a bíblia para o inglês, os
dois últimos foram mortos por causa da sua pregação contra os abusos da igreja
[4].
O
Surgimento do Papado
O termo Papa era comum
no mundo antigo segundo o historiador da igreja Justo Gonzales, existem muitos
documentos antigos que atribuem o termo Papa (papai) a bispos eminentes na
idade das trevas, ao papa Cipriano de Cartago, ou ao papa Atanásio de
Alexandria. No mundo antigo existiam cinco grandes patriarcados, estes eram:
Jerusalém
Antioquia
Alexandria
Constantinopla
Roma
Os patriarcas dessas
cidades exerciam poder religioso e político, dentre todas elas Roma se
destacava, tanto pelo poder do patriarca e por ser a capital do império. O
argumento da igreja Católica Romana para a existência de um bispo universal é
baseado na estadia de Pedro em Roma, e a utilização da fala de Jesus dizendo: “Tu
és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha igreja...”
As
Reivindicações da Reforma
Sola
Scriptura – Em contra partida ao ensino da igreja
Católica Romana, a reforma afirmava que somente a escritura era a autoridade da
igreja (Sola Scriptura), que não era
o poder do papa ou a tradição da igreja que eram as maiores autoridades, mesmo
ao lado da escritura, a reforma afirmava categoricamente Somente a Escritura é a
autoridade da igreja, e por ela a igreja é governada.
Ref: II Tm 3.16,17; Gl
1.8; 1 Jo 5.9
Sola
Gratia
– A
reforma afirmava enfaticamente somente pela graça o homem poderá ser salvo dos
seus pecados, somente Deus graciosamente agindo no homem, retirando dele o
coração de pedra e lhe dando um coração de carne. A igreja afirmava que a
igreja era a doadora da salvação, o grande levante de Lutero em relação às
indulgências que João Tetzel estava apregoando, portanto o compromisso
reformado era escriturístico, o que a Palavra dizia sobre a salvação.
Ref: Ef 2.8; Ez 36.26; Jr
31.31-33
Sola
Fide
– Ao
contrário do que o catolicismo professava a reforma vindicava que somente pela
fé o homem será salvo. A Confissão de Westminster expressa bem o pensamento dos
reformadores:
A
Graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação
da sua alma, é obra que o Espírito de Cristo faz no coração deles, e é
ordinariamente operada pelo ministério da Palavra; por esse ministério, bem
como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e
fortalecida.
CFW
Ref:
Hb 10.39; Rm 1.16,17; Jo 6.54-56
Solus
Cristhus – Somente Cristo é o mediador entre
Deus e os homens, somente através de seu sacrifício substitutivo e em seus
méritos os homens serão salvos, a igreja não é medianeira, os santos não são
intercessores isso cabe somente ao cordeiro de Deus.
Declaração de Savoy – A prouve a Deus, em seu eterno propósito,
escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu filho unigênito, para ser o mediador
entre Deus e o homem, Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador da igreja,
o herdeiro de todas as coisas e o juiz do mundo; deu-lhe desde toda a
eternidade, um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele
remido, chamado, justificado, santificado, e glorificado.
Cristo é o único cabeça
da igreja, Declaração de Savoy:
Não há outra Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus
Cristo; nem pode o Papa de Roma, em qualquer sentido, ser a cabeça dela, senão
que ele é aquele Anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se
exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo que se chama Deus, e a quem o
Senhor aniquilará pelo esplendor de sua vinda.
Ref: Jo 1.29; 1 Pe
1.19-20; 1 Tm 2.5; Ef 5.23
Soli
Deo Gloria
– Somente
a Deus a Glória na igreja e em toda criação, o grande motivo da existência da
igreja é a glória de Deus.
Savoy diz:
Há somente um Deus, vivo e verdadeiro, o qual é
infinito em seu ser e perfeição, um espírito puríssimo, invisível, sem corpo,
partes ou paixões, imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente,
sapientíssimo, santíssimo, totalmente livre totalmente absoluto, operando todas
as coisas segundo o conselho de sua própria imutável e justíssima vontade, para
sua própria glória, amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo,
riquíssimo em bondade e verdade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o
pecado; galardoador daqueles que o buscam diligentemente; e no entanto
justíssimo e mui terrível em seus juízos, pois odeia todo pecado, e de modo
algum inocenta o culpado.
Ref: Rm 11.33-36
Todos os fatores
que acarretaram a reforma protestante estavam nos decretos de Deus, como o
mundo foi preparado na plenitude dos tempos para encarnação do verbo, como Deus
usou reis de nações ímpias e podemos destacar aqui a Babilônia, como Deus usou
Ciro, Senaqueribe e tantos outros para cumprir seus propósitos, assim foi no desembocar
da reforma, Deus estave sempre no controle de tudo.
Ao levantar
homens como os reformadores que semelhante aos profetas do antigo testamento,
levavam o povo de volta as Escrituras como na história do rei Josias, também
lemos algo semelhante no livro Esdras e Neemias, o povo foi trazido de novo à
palavra pela palavra e sendo transformados pela palavra. Os efeitos da reforma
foram incalculáveis a graça de Deus era a mensagem central dos reformadores. Por
isso devemos refletir nossa postura hoje, em nossa geração.
A igreja em sua grande maioria tem voltado aos
pecados de Roma. As indulgências não estão mais nas mãos de Tetzel, estão com
mais ênfase nas mãos dos pregadores da prosperidade. As artimanhas de Satanás
estão sendo pregadas dos púlpitos de igrejas históricas. O envolvimento de
lideres com a maçonaria, com o sincretismo religioso, com as nuanças do
inferno.
A reforma não
pode ser esquecida por nós, não podemos despreza-la, Deus a de requerer isso de
nossa geração, nossa teologia não pode somente estar num altar semântico, mas
deve ser real, piedosa, confrontadora, verdadeira em sua totalidade. Quem somos
nós diante do Deus eterno para manipularmos sua Palavra, haverá um juízo porque
há um juiz. Não temos hoje o Papa Leão X que desejava cobiçosamente a
construção da Basílica, mas temos pregadores vaidosos, que pregam a teologia
reformada, mas seu coração quer a glória, querem ser conhecidos, querem ser
elogiados, querem ser alvo de adoração. A arrogância de muitos reformados na atualidade
é digna de repúdio, a obra de Deus não depende de homens, depende daquele que
fez do nada todas as coisas.
Deus não precisa
de ninguém, nem de nada para realizar sua vontade, Ele fala e acontece. Que as
motivações da reforma sejam as nossas, que a glória de Deus e somente dele seja
nosso desejo. Deus não nos chamou para levantarmos impérios religiosos, Ele nos
chamou por sua graça, para louvor da sua glória.
Soli Deo Gloria
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Notas
[1] História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
[1] História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
[2] História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
[3] Uma História do Cristianismo, Latourett –
Ed. Hagnos
[4] A Era dos Reformadores, Justo gonzales – Ed. Vida Nova
Bibliografia
Utilizada
Declaração
de Savoy
Confissão
de Fé de Westminster
História
da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
História
Ilustrada do Cristianismo, Justo gonzales – Ed. Vida Nova
Uma
História do Cristianismo, Latourett – Ed. Hagnos
Dogmática
Reformada, Herman Bavinck – Cultura Cristã
Compêndio
de Teologia Apologética – François Turretini
Teologia
Sistemática, Augustus Hopkins Strong – Hagnos