As
Realidades do Império: O Concílio de Nicéia (325)
O Concilio de Nicéia foi convocado tanto para
estabelecer uma questão teológica quanto para servir de precedente para
questões da igreja e do Estado. A sabedoria coletiva dos bispos foi consultada
nos anos que se seguiram, quando questões espinhosas surgiram na igreja.
Constantino deu início à prática de unir o império e a igreja no processo
decisório. Muitas conseqüências perniciosas seriam colhidas nos séculos futuros
dessa união.O Concílio de Nicéia apesar de discutir sobre ideia do significado
da divindade de Jesus, não tinha o interesse apenas teológico, mas, político e
ecumênico, vejamos a Afirmação de Mark Noll.[1]
No
dia 20 de maio de 325, a igreja cristã entrou em uma nova era. Naquele dia,
cerca de 230 bispos reuniram-se em Nicéia, na época uma grande cidade da
Bitínia (agora a pequena cidade de Iznik, na Turquia). Aquela ocasião marcou o
primeiro concílio “ecumênico” ou mundial da igreja. O seu objetivo – discutir o significado da
divindade de Jesus dizia respeito à própria essência da fé cristã. O que tornou
o concílio um ponto de transição tão extraordinariamente importante foi não
somente a questão doutrinária sob discussão, mas a maneira como as forças
políticas e sociais combinaram-se com a questão teológica fundamental. A idéia
de um concílio não partiu dos bispos. Antes, eles foram convocados pelo grande
imperador romano, o próprio Constantino (c. 288-337). Após tal convocação e
depois de tratar de tal assunto, a igreja nunca mais seria a mesma.
É
importante ressaltar que na história da igreja cristã as heresias foram
encaradas de frente, e deram a oportunidade para a igreja testar sua ortodoxia. A
questão teológica tratada neste concílio era sobre a natureza de Cristo, Ário
(250-c336), Bispo de Alexandria, trazia muitos problemas teológicos e a igreja
teve que encarar e definir a doutrina da natureza do redentor. Como este
Concílio foi convocado por Constantino, fica evidente que existem alguns
interesses pessoais e políticos. Sabemos que a vitória de Constantino na Ponte
Mílvia, foi muito importante para história do cristianismo e todo panorama da
igreja foi mudado. Antes perseguida e (depois) com Constantino “livre”. Constantino não
estava interessado em perseguir a igreja, mas, explorar seu potencial. Kenneth
Curtis[2]
observa bem o interesse de Constantino afirmando o seguinte:
Constantino,
imediatamente, assumiu o interesse imperial pela igreja: restaurou suas
propriedades, deu-lhe dinheiro, interveio na controvérsia donatista e convocou
os concílios eclesiásticos de Arles e de Nicéia. Ele também fazia manobras para
obter poder sobre Licínio, a quem finalmente depôs, em 324. Assim, a igreja
passou de perseguida a privilegiada. Em um período de tempo surpreendentemente
curto, suas perspectivas mudaram por completo. Depois de séculos como movimento
contracultural, a igreja precisava aprender a lidar com o poder. Ela não fez
todas as coisas de maneira correta. A própria presença dinâmica de Constantino
modelou a igreja do século IV, modelo que ela adotou daí em diante. Ele era um
mestre do poder e da política, e a igreja aprendeu a usar essas ferramentas.
A
administração do Estado e dos negócios civis foi reunida com o governo da igreja
e podia-se presenciar o espetáculo extraordinário de um imperador romano
presidir os concílios da igreja e tomar parte nos debates. Em geral os cristãos
não se ressentiam desta intrusão, pelo contrário consideravam-na como um
auspicioso e feliz presságio, e em lugar de censurar o imperador pelo seu
intrometimento, receberam-no como bispo dos bispos. O povo de Deus aceitou a
proteção de um estado semi-pagão, e o cristianismo sofreu a maior degradação
possível com a proteção de um potentado do mundo.
Efeitos da união entre a Igreja e o
Estado
O
efeito desastrado desta primeira união da igreja com o Estado fez-se sentir
imediatamente. Levantaram-se contendas, e o imperador foi nomeado árbitro pelas
partes contendoras. Mas logo que dava a sua decisão sobre a questão, esta
continuava rejeitada com desprezo pela parte cujas razões eram desatendidas.
Repetiu-se a mesma coisa uma vez e outra, até que o imperador se indignou, e
recorreu a meios violentos para reforçar o seu poder. Isso provava até a
evidência e inutilidade e a inconveniência daquela proteção a que os cristãos
de tão boa vontade, mas tão cegamente se submeteram. Até então tinham os
concílios da igreja sido compostos de bispos e presbíteros de uma província,
mas durante o reinado de Constantino foram consagradas as assembléias, que o
imperador podia reunir e dissolver à vontade! Chamavam-se concílios ecumênicos
ou gerais, e tinham por fim a discussão das questões mais importantes da
igreja. As décadas seguintes viram as constantes ingerências de Constantino e
dos seus filhos nos assuntos internos da igreja, seja para resolver as
divergências resultantes da formulação de Nicéia, seja para sanar cismas,
rivalidades pessoais e outras questões. A igreja iniciou a prática de recorrer
às autoridades civis para impor as suas decisões e aplicar penalidades aos
insubmissos. Por diferentes razões, Atanásio, o bispo de Alexandria (328-373) e
defensor intransigente da ortodoxia nicena, foi exilado cinco vezes por
Constantino e seus sucessores. A transferência da capital de Roma para
Constantinopla (330), entre outros fatores, levou a uma diferente concepção das
relações entre a igreja e o Estado na região oriental, em comparação com o
ocidente. No Império Romano Oriental, mais tarde o Império Bizantino, e conseqüentemente
na Igreja Ortodoxa, a teoria e prática predominante veio a ser o cesaropapismo,
isto é, a suprema autoridade exercida pelo governante secular sobre a igreja,
mesmo em questões doutrinárias.
Conclusão
A
política eclesiástica de Constantino consistia em tornar a Igreja no “cimento
do império”.[3]
Por isso e também porque ele não podia ver a importância das sutilezas que os
teólogos debatiam, ele facilmente perdia sua paciência e reagia contra aqueles
que mostravam uma atitude firme com relação às suas próprias posições
teológicas. Foi por essa razão que, após o Concilio de Nicéia, ele exilou Ário
e todos aqueles que se recusaram a assinar o Credo Niceno. Pela mesma razão,
Eusébio de Nicomédia foi mandado para o exílio alguns meses depois. Ao se desembaraçar
destes elementos extremos, Constantino esperava solidificar a paz que ele
acreditava ter se estabelecido pelo Concilio de Nicéia. Ficou evidente o
problema da igreja vinculada ao Estado, pois muitas decisões eram questionadas,
o grande problema é que a conversão de Constantino foi uma grande incógnita, e
seus interesses na igreja institucionalizada eram políticos. É claro que Deus
em sua soberania estava governando todas as coisas. Com Constantino a igreja perde sua identidade
peregrina, está interessada em questões micro. É claro que um mundo que sofre
influência da igreja tem algumas coisas boas, mas, Um mundo em que o imperador
podia tomar a decisão crítica de resolver uma grande crise doutrinária era um
mundo em que as preocupações legítimas do imperador quanto à ordem, sucesso,
riqueza e estabilidade temporais virtualmente haveriam de tornar-se
preocupações também para a igreja. A
distinção entre a igreja e o mundo que a cristologia nicena preservou foi, na
realidade, comprometida pelos próprios acontecimentos que conduziram à
declaração de Nicéia. Neste sentido, Nicéia deixou para a posteridade um duplo
legado, fidelidade mais intensa às grandiosas verdades salvadoras da revelação
e também uma crescente associação entre a igreja e o mundo.
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Notas:
[1] NOLL, Mark A. Momentos decisivos na
história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã,
2000, p.52
[2] CURTIS, A. Kenneth - Os 100
acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de
Roma ao crescimento da igreja na China / A. Kenneth Curtis, J. Stephen Lang e
Randy Petersen ; tradução Emirson Justino — São Paulo: Editora Vida, 2003.
[3] GONZÁLEZ, Justo L. Uma história
ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1980-1995.p.266
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Referências:
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
GONZÁLEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1980-1995.
NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.