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20 de out. de 2014

Escravo Fiel

Por Morgana Mendonça dos Santos

1 Coríntios 4.1-2 "Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel." 


O apóstolo Paulo escreveu em Coríntios, aos santificados em Cristo Jesus, à igreja de Deus que estava naquela cidade, Corinto (1Co 1.2). Logo no primeiro verso, ele credencia seu ministério, apontando para o chamado apostólico por Jesus Cristo, pela vontade de Deus (1Co 1.1). A igreja que estava em Corinto, fundada pelo apóstolo, uma comunidade cristã-judaica e de pessoas tementes a Deus vivia uma crítica e complicada realidade. Paulo já havia escrito uma carta anteriormente, para tratar de assuntos específicos (1Co 5.9-13). No primeiro capítulo pode-se encontrar o autor da carta mencionando a visita que recebera dos da "família de Cloé" (1Co 1.11) trazendo consigo as notícias da situação em que se encontravam os irmãos em Cristo. Paulo, de forma objetiva declara:

"[...] há contendas entre vós" (1Co 1.10-11). Neste momento, o culto à personalidade havia sido estabelecido entre a comunidade de Corinto, então Paulo afirma: "Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou, Eu de Cristo." 1 Coríntios 1.12. E assim, ele decide tomar posição sobre as questões mencionadas por meio de uma carta que ele envia através de Timóteo a Corinto. (1Co 4.17) 

Havia divisões, contendas e toda sorte de problemas eclesiásticos naquela comunidade. A carta que traz evidências internas e externas da autoria paulina nos revela a realidade que em que viviam aqueles cristãos. A probabilidade de ser Éfeso (1Co 16.8) a cidade em que Paulo estava quando escreveu a carta é real, na primavera de 54 (ou na época pascoal em 55), provavelmente na sua terceira viagem missionária. A história nos traz a memória que a antiga cidade de Corinto havia sido destruída em 146 a.C, então, em 44 a.C César fundou novamente essa cidade. Em 49 d.C nasce uma igreja cristã, em uma cidade de tamanha importação comercial, atraindo pessoas de todos os países. "Em virtude de sua localização, Corinto era uma cidade especialmente apropriada para a navegação e para o comércio nas condições da época, tornando-se bastante populosa, levando os moradores daquela região a uma vida luxuosa e desregrada que se tornou praticamente proverbial. 'Corintizar', isto é, 'viver como um coríntio' significava levar uma vida de prazeres desenfreados. Em Corinto havia o grande templo de Afrodite, a 'deusa do amor'". [1] Pode-se inferir que o propósito dessa carta é promover um espírito de unidade, corrigir uma série de tendências errôneas na comunidade, responder as perguntas que lhe haviam sido submetidas por carta (1Co 7.1) e por uma delegação (1Co 16.17), com o propósito também de coletar ofertas para os necessitados em Jerusalém. [2] 

É interessante notar que Paulo gasta um tempo valioso para orientar e exortar a comunidade em Corinto sobre a questão do culto à personalidade pois as divisões foram tão grandes que resultaram em clubes onde cada um tinha o seu mascote erguido. Existia naquele lugar, uma cidade grega, onde as pessoas costumavam ir às praças a fim de escutarem os grandes filósofos e pensadores discutirem suas idéias, suas filosofias e pensamentos, trazendo com isso uma tendência de comportamento que sorrateiramente invadiu a igreja em Corinto. Em pleno século XXI, encontramos uma considerável aproximação com esse tipo de realidade que viviam os irmãos em Corinto. Não obstante, logo percebemos dentro de nossas igrejas e academias teológicas o grande número de pessoas que promovem as divisões por declararem ser de "alguém". Os clubes estão divididos e em guerra, as troças são diversas. Tem para todo gosto e para todo tipo, de forma incoerente ou não, são chamados de acordo com o "sobrenome" dos tais. Uma época onde é extremamente necessário que o culto à personalidade, as divisões, retornem em correção e voltem ao ponto de origem - as Escrituras Sagradas. E com essa volta, a sobriedade seja estabelecida, as percepções sejam corrigidas e as motivações sejam santificadas. Ao observar o ensino do apóstolo no capítulo 4, logo nos dois primeiros versos, encontramos de "quem somos" e o que devemos entender sobre "o que se requer de nós".



1Coríntios 4.1-2 "Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel." 

Paulo ainda está corrigindo o mesmo problema identificado desde o primeiro capítulo, a divisão na igreja em virtude do culto à personalidade. Como Paulo combate essa idéia do culto à personalidade? Expondo certamente três verdades que os cristãos em Corinto deveriam entender, como a marca de um servo de Cristo. 

- Os homens devem os considerar como ministros de Cristo; 
- E despenseiros dos mistérios de Deus;

- O que é solicitado de cada um deles é fidelidade.

A resposta de Paulo é a defesa contra essa falsa piedade, o autor usa pela primeira e única vez o termo 'huperetes' em sua carta, na verdade a única vez citada no Novo Testamento. Causando talvez espanto para a grande maioria, os homens deveriam considerar aqueles santificados, como servos de Cristo, não mais do que isso. O termo em grego utilizado por Paulo é "υπηρετασ"(huperetes), segundo Barclay significa "remador de galés". [3] Que na verdade são escravos sentenciados a morte, que com seus pés acorrentados, trabalhavam nos porões das grandes embarcações romanas chamados "galés". Escravos que antes de morrer deviam cumprir uma ordem, prestar um serviço. A classe mais simples de servos, que açoitados naqueles porões deviam a sua submissão ao capitão da embarcação. A idéia que Paulo transmite com essa palavra é totalmente contrária com aquilo que podemos entender ao olhar de maneira superficial para a palavra "ministro", pois somos influenciados a compreender que se define como alguém de alto cargo, estimado valor perante os outros e a sociedade. No entanto, o apóstolo Paulo respondendo àquela igreja, afirma, que deve ser assim que os homens precisam nos considerar, como servos, porém de Cristo, como remadores de galés, onde o capitão é unicamente Cristo. Nas palavras de Hernandes Dias Lopes observamos o seguinte pensamento [4]: 

"Paulo diz que o ministro não deve ser colocado no pedestal como o dono da igreja ou como o capitão do navio, antes deve ser visto como um escravo que serve ao capitão até à morte. Paulo está́ dizendo para não colocarmos os holofotes sobre um homem, porque importa que os homens nos considerem como huperetes e não como capitães do navio. O obreiro da igreja é um escravo já sentenciado à morte, que deve obedecer as ordens do capitão do navio, o Senhor Jesus Cristo." 

A segunda característica que marca um ministro é ser despenseiros, em grego "οικονομουσ (oikonomos)" que significa administrador e/ou mordomo. Aquele que serve a casa do seu senhor e administra seus negócios. Em relação ao seu senhor, é escravo, em relação aos outros servos, um administrador. Uma pessoa que recebe uma grande responsabilidade e ao mesmo tempo deve prestar contas ao dono da casa. Notar bem essa característica fará toda a diferença aos destinatários da carta, a idéia de Paulo é que como administradores tenhamos cuidado com três pontos principais: 

1- A provisão dos alimentos não era sua responsabilidade;
2- O dono da casa é o provedor por isso deve ser oferecido de acordo com o abastecimento; 
3- O serviço à mesa deveria ser da forma correta.

Enfatizando com isso, que o despenseiro é aquele que além de ser servo de Cristo é um mordomo dos mistérios de Deus, isto é, do Evangelho. A palavra revelada de Deus - as Escrituras Sagradas. Portanto, é aquele que serve à mesa na situação em que o Senhor o colocar. O servo de Cristo não pode adulterar, nem substituir, nem sonegar o alimento que é a Palavra de Deus. Não faz parte da sua responsabilidade decidir o que será colocado à mesa, o que deve ser feito é conforme predito pelo dono da casa. A maneira como deve ser feito seu serviço é conforme as normas da casa do seu Senhor. O servo de Cristo, como despenseiro dos mistérios de Deus precisa entender que o alimento foi providenciado por Cristo, a função dele é oferecer conforme recebeu do Mestre. "Nós não podemos pregar o evangelho e mais alguma coisa. É o evangelho, somente o evangelho e, todo o evangelho, afirma Hernandes dias Lopes. 

A conclusão do apóstolo Paulo nesse segundo verso é que esse servo de Cristo e despenseiro dos mistérios de Deus seja achado fiel. O objetivo do cristão não é o sucesso da missão e sim a fidelidade da sua vida diante de Deus. Ser fiel à ordem que o Senhor colocou em suas mãos e ao povo que receberá a mensagem. O termo grego usado por Paulo aqui é "πιστοσ", adjetivo do despenseiro "ser fiel", dever fidelidade ao Senhor. A ênfase da idéia paulina corrobora com 1Pedro 4.10 que diz: "servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus." A fidelidade deve ser encontrada em cada cristão, o que está em jogo aqui não é algo desprovido de valor, pelo contrário é a Palavra de Deus. Portanto, ouvintes da igreja de Corinto e da igreja brasileira, que sejamos achados com fidelidade, isso é o que se requer de nós.



2 Timóteo 2.15 "Procura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade."

Soli Deo Glória
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[1] Boor, Werner de. Cartas aos Coríntios. Curitiba, PR: Editora Evangélica Esperança, 2004. 
[2] Kistemaker, Simon J. Comentário do Novo Testamento – Exposição da Primeira Epístola aos Coríntios. Editora Cultura Cristã, 2003. 
[3] Barclay, William. Iy II Coríntios. 1973: p. 48. 
[4] Lopes, Hernandes Dias. ICoríntios: como resolver conflitos na igreja. São Paulo: Hagnos, 2008