Por Kevin DeYoung
Em
14 de fevereiro, vinte e um cristãos egípcios foram brutalmente decapitados por
radicais muçulmanos que trabalham para o Estado islâmico na Líbia. A Igreja
Ortodoxa Copta anunciou ontem que as vinte e uma vítimas serão inseridas no Synaxarium (lista oficial da Igreja
Oriental dos mártires) e serão celebrados no calendário da igreja como mártires
e santos. Os cristãos de todos os matizes denominacionais e doutrinais
expressaram indignação, tristeza e um sentimento de unidade com seus irmãos
caídos.
O
que leva a uma importante questão: como devemos ver a Igreja Ortodoxa Copta?
Esta
não é uma pergunta ruim, desde que seja abordada corretamente. Deixemos de lado
a questão do que os vinte e um mártires entendiam sobre monofisismo. Isso não é
sem importância, mas, tanto quanto eu sei, é uma informação é inatingível. Além
disso, o que é mais necessário neste momento é de oração pela igreja perseguida
e simpatia para o sofrimento. Pensando sobre esses homens que morreram por
causa de sua fidelidade a Cristo, os homens que pertenciam a uma das mais
antigas igrejas do mundo.
No
entanto, talvez agora seja o momento adequado para considerar de forma mais
ampla e pensar com mais cuidado sobre o porquê de alguns consideram a Igreja
Ortodoxa Copta de ser, digamos, bem pouco ortodoxa. Ao participar de um painel
de discussão na Ligonier, na semana
passada, uma das primeiras perguntas que foram feitas foi acerca dos vinte e um
mártires coptas e a heresia do monofisismo. Então, vamos dar um passo para trás
e tentar entender a história e teologia por trás do que pode ser a mais antiga cisão
(formal) na igreja.
Duas
naturezas, sem divisão
Para
contar a história corretamente, temos que começar com um homem com o nome de
Nestório. Nestório nasceu algum tempo depois de 351 e morreu pouco antes de
451. Ele era o patriarca de Constantinopla. Seu ensinamento foi condenado pelo
terceiro Concílio Ecumênico de Éfeso em 431. Não está claro se Nestório foi
realmente um Nestoriano. O que está claro é que Nestório não era muito
cuidadoso em sua teologia e não se saiu muito bem quando foi colocado no local
para defender seus pontos de vista.
Nestório,
como a maioria dos hereges, tinha a intenção de preservar a verdade. A maioria
dos hereges antigos não partiu para perturbar a igreja ou ensinar uma doutrina
falsa. Eles não eram como Bart Ehrman com um machado para moer, ou como Richard
Dawkins, com uma agenda anticristã. A maioria dos hereges na história da igreja
estavam tentando ser bíblicos. Eles teriam sido os cristãos professos, com
preocupações genuínas, que receberam as doutrinas fundamentais erradas e cujos
seguidores tem coisas ainda mais erradas.
Nestório
estava preocupado porque as pessoas estavam chamando Maria "a portadora de
Deus" (Theotokos). Suas preocupações provavelmente não eram totalmente sem
bases. Portadora de Deus é um título apropriado para Maria, mas somente se a
ênfase é sobre o Filho e não Maria. Isso já aconteceu uma vez, e muito
provavelmente estava acontecendo nos dias de Nestório também. Tanto que algumas
pessoas tomaram o passo perigoso e a frase "Maria, a portadora de Deus"
passou para "Maria, a Mãe divina de Deus." Theotokos é um termo
apropriado, mas apenas com as qualificações adequadas.
Nestório
contestou este título popular. Ele podia admitir que Maria deu à luz a alguém e
que esse alguém era Jesus de Nazaré. Mas ele achava que ela deu à luz apenas a
natureza humana de Cristo. Como poderia a natureza divina nascer? Divindade é
eterna. Ele não pode ser “dado à luz”. Então, Maria, disse Nestório
fundamentado, poderia ser a mãe de Jesus, mas não a mãe de Deus. Se ela foi mãe
de Deus, logo o Filho de Deus nasceu, fazendo dele uma criatura com um
princípio, e fazendo-nos em nossa adoração culpados de arianismo e de violar o
segundo mandamento.
Solução:
Nestório, ou pelo menos a solução teológica que se apegou ao seu nome, defendeu
a existência de uma parede divisória entre as duas naturezas. Ele sabia que o
filho era Deus, e ele sabia que o filho era um homem. Então Maria deve ser a
mãe de uma metade de Jesus, mas não da outra. Ela deu à luz a um homem que
estava acompanhado pelo Logos. As duas naturezas de Cristo coexistem, não numa
união hipostática, mas em uma espécie de parceria relacional.
Nestório
foi contestado por Cirilo de Alexandria (378-444), o apologista brilhante e seu
inimigo implacável. Ele fez dois argumentos contra Nestorianismo:
1)
Se Maria não é Theotokos , em seguida, em vez de a encarnação do próprio Deus,
temos um ser humano que nasce com o Logos divino. Em outras palavras, se Maria
não é a portadora de Deus, então devemos entender a encarnação como algo
diferente do que Deus tornando-se homem. Temos Deus vindo ao lado de um homem.
Já não temos o Deus-homem Cristo Jesus. Nós temos Jesus Cristo, um homem com
Deus nele. Assim, no Nestorianismo, Deus está em Cristo quase do mesmo modo que
Deus está em nós. A diferença não é ontológica; é apenas uma questão de grau. O
Nestorianismo acaba fazendo muito pouco de Jesus e muito de nós.
2)
Se Maria não é Theotokos , a relação de Cristo com a humanidade é alterada.
Apenas a cristologia ortodoxa permite uma verdadeira redenção do homem caído. O
problema do Nestorianismo não estava com as duas naturezas, mas com uma pessoa.
Cristo é totalmente Deus e totalmente homem no Nestorianismo, mas ele não
parece ser uma pessoa. Em vez de duas naturezas em uma só pessoa autoconsciente,
as duas naturezas estão ao lado da outra numa união moral e simpática. A lógica
de Romanos 5:19 -que nossa salvação é realizada através de "obediência de
um só homem" - não se sustenta. É somente através de um só homem, Jesus
Cristo, a união da humanidade e divindade, que somos feitos justos.
Duas
naturezas, sem confusão
Isso
nos leva até o Eutiquianismo e aos cristãos coptas. Eutiques foi um monge que
viveu em um grande mosteiro de Constantinopla. Ele nasceu por volta de 378 e
morreu em 454. Mais uma vez, é difícil determinar o que ele realmente ensinou.
Eutiques era, para citar um autor, "um pensador de idade e de mente
confusa."
Nós
sabemos que Eutiques teve um viés antinestoriano forte. Ele o detestava para
cair no erro de dividir a humanidade de Cristo de sua divindade. Assim em vez
de divisão, encontramos mo Eutiquianismo uma confusão ou mistura das duas
pessoas. Eutiques ensinou que houve apenas uma (mono) natureza ( physis ) em
Cristo após a união de sua divindade e humanidade (daí, monofisismo).
Eutiques
defendeu a absorção da natureza humana para o divino, a fusão das duas
naturezas, resultando em ums terceira coisa (tertium quid) - como misturando amarelo e azul para obter verde.
Ele disse que a humanidade de Cristo foi tão unida à sua divindade que a sua
humanidade não era a mesma que a nossa (consubstancial). Cristo era "de uma substância com o Pai", mas
não "de uma substância com a gente”.
Eutiques
era teimoso e não muito cuidadoso na sua teologia. No entanto, ele não estava
sem amigos no alto-escalão. Eutiques foi deposto em 448 por um Sínodo liderado
pelo arcebispo Flaviano. Eutiques se queixou ao Papa Leão que ele foi tratado
injustamente. Leão, depois de algumas idas e vindas, escreveu uma carta a
Flaviano onde brilhantemente pesquisou todas as heresias cristológicas e
concluiu que Eutiques estava errado. "Em
Cristo Jesus", escreveu ele, " não existe humanidade sem verdadeira divindade, nem divindade sem
verdadeira humanidade”.
Mas
Eutíquio era amigo do imperador Teodósio II. Em um esforço para defender Eutiques,
o imperador convocou um concílio em Éfeso, em 449. Os delegados foram muito
pró-Eutiques e quando delegados do Papa Leão vieram apresentar seu lado, eles
nem sequer foram autorizados a falar. Flaviano foi atacado e espancado, tanto que
ele morreu poucos dias depois. O Eutiquianismo foi vindicado, mas toda a
reunião foi uma farsa. É agora conhecido como o "Sínodo Ladrão".
Mais
tarde, nesse mesmo ano, Teodósio morreu num acidente a cavalo. Sua irmã
Pulquéria e seu marido Marciano (não confundir com o herege Marcião) assumiu o
trono. Pulquéria concordou que o último sínodo foi uma farsa. Então, a pedido
do Papa Leão ela convocou um novo sínodo em Calcedônia, em 451, no que mais
tarde seria considerado o IV Concílio Ecumênico. O Primeiro Concílio Ecumênico
em Nicéia (325) rejeitou o arianismo; O Segundo em Constantinopla (381)
rejeitou o docetismo; o Terceiro em Éfeso (431) rejeitou nestorianismo; e o
quarto em Calcedônia (451) rejeitou Eutiquianismo.
A
barulheira valeu a pena?
Calcedônia
não resolveu tudo. Alguns, no leste ainda não conseguiam engolir a doutrina das
duas naturezas de Cristo. O que tornou as coisas mais confusas foi o legado
impugnado de Cirilo de Alexandria. Cirilo era uma lenda já em sua própria época,
era o porta-estandarte para a ortodoxia. Ele foi o herói que liderou a acusação
contra Nestório, assegurando sua condenação em Éfeso em 431. Se você concordava
com Cirilo, você era ortodoxo. Se você não concordava, você provavelmente não era.
Infelizmente, Cirilo havia se afeiçoado a uma frase antinestoriana inútel:
"Uma natureza do Deus encarnado,
Verbo encarnado". Ele pensou que essa frase viera de Atanásio, mas a
frase, na verdade, veio do herege Apolinário. Cirilo usou a frase como uma
forma de salvaguardar a unidade de Cristo contra o nestorianismo. Nos anos
posteriores, Cirilo foi muito claro ao dizer que afirmou uma natureza humana
completa e aceitava a frase "duas naturezas", desde que não prejudicasse
a união das duas naturezas.
Muitos
no Oriente, no entanto, incluindo o Egito, terra natal de Cirilo, acreditaram
que abraçar Calcedônia, e sua doutrina das duas naturezas de Cristo, era
repudiar Cirilo e sua ortodoxia impecável. Isso levou a igreja a se dividir, um
milênio antes de quaisquer divisões entre católicos e protestantes. Há seis
igrejas conhecidas pela velha Ortodoxia Oriental (ou Igrejas não-calcedôniana):
siríaca, copta, etíope, eritreia, malankara (indiana), e armênia. Estas seis
igrejas têm uma hierarquia completamente diferente e não estão em comunhão com
o resto da Ortodoxia Oriental (sob o Patriarca de Constantinopla) ou com a Roma
(sob o Bispo de Roma).
Essas
igrejas têm sido chamadas de monofisistas, mas rejeitam o rótulo, afirmando que
também negam o Eutiquismo. Elas preferem ser chamadas miafisistas porque querem
enfatizar a única (mia) natureza, sem rejeitar a doutrina das duas naturezas de
Cristo.
Assim
é a Igreja Ortodoxa Copta. É, de fato, ortodoxa? Isso depende de quem você
perguntar, especialmente na Igreja Ortodoxa Oriental. Alguns querem sublinhar o
fato de que a igreja da antiga ortodoxia oriental ainda repudiam diversos
concílios ecumênicos e não adotaram formalmente a Definição de Calcedônia.
Outros querem falar sobre o diálogo ecumênico dos últimos anos, em que os
líderes da Ortodoxa Oriental e Oriental Ortodoxa concordaram que eles não
discordam sobre a doutrina das duas naturezas, apenas na maneira de dizê-la.
Pela minha parte, estou disposto a dizer que a não aceitação de Calcedônia não
é grande coisa. E, no entanto, não parece nesta insistência, como se continuou
afirmando, que a não aceitação é o mesmo que a rejeição pura e simples ou
heresia condenável. Há razões históricas e nacionais que podem estar encobrindo
uma grande quantidade de unidade no que é essencial nas questões cristológicas.
Não
importa a confusão em torno da Igreja Copta, o que está claro é que um Cristo incompleto não pode salvar. Nós precisamos de um mediador que pode
colocar a mão sobre nós. Não há espaço para o nestorianismo que ameaça a
unidade da obra de Deus ou de um Eutiquianismo que ameaça a dimensão totalmente
humana da obra de Cristo. No seu melhor, toda a nossa definição doutrinária e disputas
teológicas se destinam a preservar a verdade simples, eminentemente bíblica de
que Jesus Cristo é Deus e homem, e como tal, é único e exclusivamente capaz de
salvar os escolhidos da raça adâmica perdida.
ESCLARECIMENTO
No
meu comentário e por correspondência pessoal, alguns expressaram outras
preocupações sérias com a Igreja Copta além de sua não-calcedônia cristologia.
Meu post foi motivado pela pergunta
que recebemos na conferência sobre a heresia monofisista. Assim, o foco deste post foi sobre a história por trás deste
debate cristológico e da origem da divisão entre os ortodoxos orientais e a Igreja
Ortodoxa Oriental. Eu não estou bastante familiarizado com o funcionamento
interno do cristianismo copta para avaliar a igreja como um todo, nem era a
minha intenção de fazê-lo.
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Fonte: TGC