1509725595914942

13 de mai. de 2015

Calvinismo Escocês e Calvinismo Holandês

Justin Holcomb

Você já ouviu falar da “outra” teologia reformada? Muitos, na ressurgência do interesse pela Reforma, estão familiarizados apenas com um lado do amplo espectro histórico da teologia reformada e, infelizmente, muitos dos estereótipos do “calvinismo” existem porque o legado de João Calvino tem sido negligentemente mutilado.

Muito frequentemente, a teologia reformada é definida meramente pelos assim chamados “cinco pontos” do calvinismo: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Embora essa ênfase em como Deus salva pecadores tenha valor, ela falha em capturar toda a amplitude da herança do pensamento reformado.

Existem duas correntes principais na teologia reformada que se desenvolveram a partir da obra de João Calvino: a corrente do calvinismo escocês e a corrente reformada holandesa. A tradição escocesa apresenta uma forte ênfase nas doutrinas da salvação e na ordo salutis (“ordem da salvação”). Porém outra dimensão é encontrada na tradição reformada holandesa, a qual também celebra as doutrinas reformadas da salvação, mas também enfatiza a cosmovisão, o engajamento cultural e o senhorio de Jesus sobre todos os aspectos da vida. Surpreendentemente, as duas correntes raramente têm interagido. Vamos dar um pequeno passeio pelas tradições teológicas reformadas escocesa e holandesa.

A tradição reformada escocesa

O ramo escocês da teologia reformada nasceu imediatamente a partir da Reforma. Nos primeiros dias da Reforma, o teólogo e pastor John Knox (1514-1572) fazia parte de um grupo que tentava reformar a igreja da Escócia; todavia, esse envolvimento levou à sua prisão e, depois, ao exílio. Enquanto no exílio, ele viajou à base de operações de João Calvino em Genebra, na Suíça. Lá, Knox ficou fascinado pela doutrina da predestinação e, dizem alguns, tornou-se mais “calvinista” do que o próprio Calvino. Knox, por fim, retornou e tornou-se a principal personagem na fundação da Igreja da Escócia, a qual representa a origem do Presbiterianismo.

As gerações subsequentes dentro da tradição teológica reformada escocesa (incluindo os puritanos ingleses, tais como Richard Baxter e John Owen) adquiriram a reputação de serem sombrios pregadores do inferno, de aplicarem severamente a disciplina eclesiástica enquanto investigavam a vida privada dos membros da igreja (isto é, por sua “tirania moral”), bem como de suprimirem as artes. Os teólogos americanos, tais como o grande Jonathan Edwards, também foram influenciados pela teologia e filosofia reformada escocesa e herdaram algumas dessas mesmas críticas. Embora haja provavelmente um pouco de verdade em cada uma dessas críticas comuns, tais práticas emergiram de situações culturais particulares e não deveriam ser as únicas medidas pelas quais a teologia reformada escocesa é julgada.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, os assuntos da predestinação, a eleição, a reprovação, a extensão da expiação e a perseverança dos santos ganharam a atenção dos camponeses da Escócia. Embora as preocupações dos camponeses com essas doutrinas tenham surgido por causa da ênfase de seus líderes nelas, as doutrinas da soteriologia calvinista tocaram nas necessidades práticas e existenciais que os membros da igreja enfrentavam.

Embora seja verdade que a teologia reformada escocesa rumou para algumas formas mais “secas” de calvinismo, a sua confissão original (a Confissão Escocesa de 1560) mantinha a natureza missional da igreja e o foco evangelístico da teologia. A doutrina reformada dos escoceses nunca estava separada da vida prática. Os escoceses olhavam para a Confissão de Fé de Westminster como o seu padrão doutrinário (sob a autoridade da Escritura) e procuraram implementar aqueles grandes verdades teológicas em suas vidas diárias.

A tradição reformada holandesa

O calvinismo chegou aos Países Baixos na terceira onda da Reforma, nos idos de 1560. O calvinismo holandês contribuiu com alguns dos mais importantes credos do início da Reforma: a Confissão Belga de 1561 deu uma definição original à Igreja Reformada Holandesa; o Catecismo de Heidelberg de 1563 serviu como uma ponte, cultivando unidade entre os reformados holandeses e alemães; e os Cânones de Dort em 1619 serviram como um concílio ecumênico reformado.

Ao longo do tempo, a Igreja Reformada Holandesa rumou para o liberalismo teológico. Posteriormente, no final do século XIX, o trabalho dos neocalvinistas, tais como Abraham Kuyper, Herman Bavinck e Louis Berkhof, despertou a igreja holandesa do sono e deu forma àquilo que é hoje conhecido como a escola de teologia reformada holandesa (fique atento a mais posts sobre cada uma dessas personagens).

Embora o pensamento reformado holandês tenha muito em comum com a tradição reformada mais ampla, algumas feições o distinguem. Um dos melhores resumos do pensamento reformado holandês é capturado nesta citação de Douglas Wilson: “Tudo de Cristo para tudo da vida”, bem como nestas famosas palavras de Abraham Kuyper: “Não há um centímetro quadrado em todo o domínio de nossa existência sobre o qual Cristo, que é Soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!'”.

Kuyper defendeu o senhorio de Criso sobre todas as áreas da vida e instigou os cristãos a não desprezarem certos campos da cultura e da sociedade por serem “mundanos”. Ele acreditava que Deus havia estabelecido estruturas de autoridade em diferentes esferas da criação, e que reconhecer os limites entre essas esferas ajudaria a manter e distribuir a justiça e a ordem na sociedade.

Segundo Kuyper, o governo de Deus sobre a terra se realiza através da fiel presença cultural de Sua igreja. Essa crença conduziu os teólogos holandeses a enfatizarem a ação cultural por parte dos cristãos. Kuyper desejava que os cristãos entendessem que cada cosmovisão possui as suas próprias suposições filosóficas particulares, e que a fé cristã possui suposições que moldam a maneira como os crentes deveriam agir em cada área da vida. Como um resultado da soberania absoluta de Deus, os cristãos devem experimentar a graça de Deus em todos os aspectos da vida, não apenas em atividades da igreja e cultos de adoração.

O ponto alto da teologia reformada holandesa é, possivelmente, a Teologia Sistemática de Louis Berkhof (grande revelação: eu fui apresentado à teologia reformada enquanto lia Berkhof, quando tinha 17 anos).

A teologia reformada holandesa compartilhava importantes aspectos essenciais com a escola de teologia da Antiga Princeton (adepta da tradição calvinista escocesa) nos Estados Unidos, mas elas diferiam significativamente em algumas áreas. Os holandeses sustentavam a crença de que as pessoas não possuem qualquer neutralidade religiosa, algum tipo de faculdade racional “objetiva”. Isso significava que não há qualquer terreno comum, necessariamente, compartilhado entre crentes e incrédulos. O mundo contem numerosas cosmovisões articuladas, e isso faz da apologética mais um confronto de cosmovisões do que um debate sobre evidências.

Enquanto os teólogos de Princeton (da corrente escocesa) enfatizavam uma doutrina da Escritura com foco na inerrância e na verdade proposicional, os reformados holandeses, salientavam o testemunho interior do Espírito Santo para validar a confiabilidade da Escritura.

Complementares, não contraditórias

Pode parecer que as correntes escocesa e holandesa da igreja reformada estão a milhas de distância em suas ênfases, mas é importante notar que as situações culturais em que cada uma delas se desenvolveu eram significativamente diferentes. Os teólogos holandeses estavam enfrentando uma igreja que sucumbia ao liberalismo teológico modernista do século XIX e tentavam encontrar um lar cultural para si mesmos, em suas novas instalações nos Estados Unidos. Sendo assim, a sua ênfase no supremo reinado de Cristo sobre as ideologias do momento e a sua cuidadosa concepção da cultura eram de se esperar. Em um sentido, a teologia reformada holandesa foi uma aplicação específica dos amplos princípios da Reforma.

O foco dos escoceses estava mais nas doutrinas primárias da Reforma do que em suas aplicações específicas a novas situações culturais. Mais do que isso, os reformados escoceses focaram em levar a Reforma inicial às regiões circunvizinhas, o que explica a sua ênfase em missões.

As igrejas reformadas escocesa e holandesa não estão tão distantes como pode parecer a princípio. Elas compartilhavam as mesmas doutrinas reformadas básicas, embora enfatizassem diferentes aspectos. Nada obstante, mesmo nesses distintos pontos de concentração, tanto os teólogos reformados escoceses quanto os holandeses estavam focados em fazer discípulos e tornar o evangelho frutífero no mundo ao seu redor. Ambas as tradições são exemplos para o movimento reformado de nossos dias.
_______

Um comentário:

PEREGRINA disse...

Gostei do tema e desejaria obter, se possivel, maos referências bibliográficas sobre o tema de forma a aprender mais e melhor. Estou congregando em uma igreja de linha reformada e focada, pelo que percebi, na visão puritana. Tenho interesse em doutrina e Teologia Sistemática e história da igreja. Agradeço pelo artigo.