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27 de jun. de 2015

Ponto de contato

Por John Frame

A expressão “ponto de contato” é bastante ambígua. Alguns leitores poderão assumir que ela simplesmente se refira a algum interesse em comum que o apologeta compartilhe com o inquiridor em nome da amizade ou da conversa; um interesse que eventualmente leve a uma oportunidade para apresentar o evangelho. No entanto, na teologia (principalmente com Barth e Van Til) a frase tem um sentido técnico especial.

A questão provocante do uso da expressão é: dado que o incrédulo jamais chega às últimas consequências da depravação, o que há nele, se houver, que seja capaz de receber a graça de Deus? Os arminianos respondem: A razão humana e o livre-arbítrio. Karl Barth responde: “absolutamente nada”. Na visão de Barth, a graça de Deus cria o próprio “ponto de contato”. Essa posição é coerente com a noção de Barth, de que a recepção da graça não possui elemento intelectual. A graça não nos traz nenhuma “revelação proposicional” com a qual o descrente, pela graça, venha a entender e confiar. Antes, é um “raio vindo do nada” e que não faz nenhum contato com o pensamento ou a vontade do incrédulo.

Os calvinistas ortodoxos, entretanto, lembram que Deus fez o homem à sua imagem – uma imagem maculada pelo pecado, mas não destruída. Van Til argumenta que parte dessa imagem é o conhecimento de Deus, que ainda que reprimido (Rm 1), ainda assim existe em algum grau em seu pensamento. Esse é o ponto de contato ao qual o apologeta apela. Ele não apela apenas ao intelecto ou à vontade do descrente, pois sua vontade é escrava do pecado e sua razão busca distorcer, não afirmar, a verdade. Não pedimos ao incrédulo que avalie o cristianismo como concurso de sua razão, pois ele tenta operar sua razão de maneira autônoma e, assim, está imerso em erro desde o início. Antes, diz Van Til, apelamos para o conhecimento de Deus que o incrédulo possui, mas que suprime (Rm 1.21).

Já vimos que tal supressão jamais é completa. O incrédulo bem que gostaria de se furtar ao conhecimento de Deus, mas não consegue. Com efeito, esse conhecimento, por mais que o distorça, é que o habilita a viver no mundo de Deus. Dessa maneira, contrário às próprias presunções, o incrédulo geralmente diz coisas que concordam com a verdade como vista pelo cristão. Os efeitos do pecado sobre o raciocínio não significam que o cristão e o não cristão discordem sobre todas as coisas, embora seria esse o caso se ambos fossem consistentes com suas pressuposições. Seria difícil definir a extensão dessa concordância. Os fariseus conheciam tanto da verdade de Deus que Jesus chegou a recomendar seu ensino (Mt 23.3), conquanto deplorasse suas obras (Mt 23.3-39). Assim, quando apelamos ao conhecimento inato que o descrente tem de Deus, podemos encontrá-lo concorde conosco, pelo menos em parte do tempo.

Como, então, poderemos dizer se um apologeta usa um ponto de contato correto ou incorreto? Quando alguém argumenta: “Causalidade, portanto, Deus”, estará ele apelando ao pretenso conhecimento autônomo do incrédulo, ou está falando ao conhecimento reprimido do incrédulo? Não será muito fácil dizer sem conhecer mais sobre o trabalho do apologeta. Se ele nos contar, é claro, então saberemos, presumindo que ele seja confiável. Se conhecermos algo sobre sua visão epistemológica, poderemos, pelo menos ter uma boa ideia. Poderíamos adiantar o que ele diria ao descrente? Bem, sim, se ele disser ao incrédulo qual é o ponto de contato. Porém, talvez, ele nunca o faça.

Incidentalmente, será necessário que, no encontro apologético, o apologeta diga ao descrente qual é o ponto de contato? Certamente o ponto mencionado, se surgir naturalmente – e não é recomendado que ele seja escondido – mas não consigo pensar em nenhuma razão pela qual deva ser parte do encontro apologético. Poderemos apelar ao conhecimento reprimido, mesmo quando não dizemos o que é que estamos fazendo.

Na ausência de tal declaração explícita, será difícil dizer a quê um apologeta estará apelando. Estaria C. S. Lewis apelando à autonomia do incrédulo e, portanto, comprometendo seu argumento em Cristianismo puro e simples? Ou estaria apelando ao conhecimento reprimido que o incrédulo tem de Deus? Provavelmente, ele não estaria fazendo nenhum deles intencionalmente, pois, até onde eu sei, ele não estaria cônscio desse ponto em particular.

Talvez a questão principal na avaliação de um apologético seja simplesmente saber se ela é verdadeira. Se for verdadeira, então, o que quer que o apologeta pense em termos do problema do ponto de contato, seu argumento, não obstante, atinge o descrente no ponto certo. Se for verdadeiro o que o apologeta diz, ele falará ao conhecimento reprimido que o descrente tem de Deus, quer ou não o apologeta especificamente pretenda fazer isso. E, se o incrédulo buscar a integração de tal verdade, com uma cosmovisão descrente, como às vezes quer, ele descobrirá que a verdade não é coisa domesticável. Uma verdade, qualquer verdade, introduzirá embaraço, se não contradição, em um sistema descrente. Isso acontecerá não importando as visões e as intenções do apologeta com respeito ao ponto de contato.

As intenções do apologeta quanto ao ponto de contato, portanto, não são relevantes à descrição extensa de sua apologética. Entretanto, tais intenções são relevantes às suas descrições e avaliações internas. Assim, a questão do ponto de contato se resume a isto: estamos aceitando e nos dirigindo à cosmovisão distorcida do incrédulo ou á revelação que não sofre distorção e que ele mantém a despeito de sua visão distorcida?

Aqui, de novo, Van Til identificou uma questão espiritual que não é fácil de ser discernida por métodos ou outros meios externos. Van Til talvez tenha pensado que, usando um argumento positivo ou “meramente provável”, seria sinal de que o apologeta não estivesse mirando no ponto de contato correto. Contudo, não podemos avaliar tão facilmente a outras pessoas com respeito a essa relação. O que podemos, sim, será avaliar a nós mesmos – nossos motivos e lealdades. Deixaríamos de nos impressionar tão fortemente pela “sabedoria” descrente que procuraríamos a aprovação de intelectuais incrédulos, baseados em seus próprios critérios? Tal perigo, como vimos no capítulo 1, tem sido bem real na história da apologética. Poderemos nos guardar dele, lembrando-nos que nossa tarefa é a de refutar os critérios da descrença – não o de afirmá-los. Nosso apelo não é a tais critérios, mas ao conhecimento de Deus que o incrédulo tem “lá no fundo”, como disse Van Til. A questão do ponto de contato, portanto, é espiritual; é aquela por meio da qual examinamos nossos motivos, não aquela por meio da qual podemos facilmente avaliar as intenções de nossos companheiros apologetas.

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