Por Luiz Carlos Pereira
Poucas vezes se houve
falar em Maria nas igrejas evangélicas. Geralmente, fazemos uma rápida leitura
nos capítulos que tratam do nascimento de Cristo e, por consequência, lemos
sobre a agraciada. Lembramos de Maria também nas encenações de natal; na cena do
presépio; contemplando a cruz do calvário. Deixamos de lado a importância que
esta jovem nazarena teve para o mundo
sobre a prerrogativa de uma adoração involuntária. Afinal de contas, será que o
tratamento que damos a Maria é o devido? Será que a idolatria, tão temida em
nossas igrejas e em nosso povo, não nasce da própria corrupção do homem?
Maria era pobre e estava prometida em casamento à José já na adolescência. Estudiosos acreditam que, já na visita do anjo Gabriel para a anunciação da escolha de Deus por Maria, a jovem tinha entre 13 a 16 anos de idade. Naquela época, de acordo com as leis da região, mesmo sem o vínculo sexual (restrito apenas ao casamento), o casal que estivesse noivo era considerado marido e mulher. Não existia a etapa do namoro, e o tão decadente “ficar” dos nossos tempos. A mulher tinha pouco poder de decisão e, corriqueiramente, os casamentos eram acertados entre os pais (pai) e o pretendente. Maria amava José e queria avançar na relação. Eles já estavam em preparação ao casamento. Unir-se naquela época significava muito mais do que morar juntos. Significava estar para sempre com o companheiro(a) e, politicamente, aceitar e viver as regras de um casamento judaico.
Apesar de uma vida já
encaminhada para um bom futuro, uma turbulência inimaginável estava prestes a
acontecer.
“No sexto mês Deus enviou
o anjo Gabriel a Nazaré, cidade da Galiléia.” Lucas 1:26 (NVI)
Por motivos maciçamente
desconhecidos, Deus havia escolhido a virgem jovem para ser a mãe do Salvador.
Naquele momento, Maria perturbou-se. Ela sabia das implicações que este ato
provocaria, caso obedecesse ao chamado. Em função disto, antes mesmo de dizer
sim ou não, Maria questionou:
“Como acontecerá isso, se
sou virgem?” (v.34)
O questionamento de Maria
não era interesseiro, autoritário ou cético. Não! A dúvida foi para melhor
viabilizar o chamado. Maria já naquele momento entendia o recado que o próprio
Deus estava emitindo e, de prontidão, aceitou. Podemos ver isto claramente na
surpreendente resposta da jovem:
"Sou serva do Senhor;
que aconteça comigo conforme a tua palavra". Lucas 1:38 (NVI)
Podemos enxergar essa
reposta, à primeira vista, como uma confiança extrema na visão de um anjo – o
que de fato não deixava de ser. Porém, Maria era religiosa, conhecia bem a Torá
e era uma verdadeira serva do Senhor. Foi o conhecimento das escrituras que
serviu como juiz na decisão da jovem. Vejamos o que diz Isaías 7:14:
“Por isso o Senhor mesmo
lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará
Emanuel”.
Maria sabia que o seu
verdadeiro chamado estava sendo cumprido por Deus, como predisse o profeta
Isaías, em 740 a.C, em Jerusalém. As implicações daquele anúncio logo poderiam
ser sentidas. De acordo com o livro sagrado, a mulher que fosse achada em
adultério (juntamente com o adúltero) deveria ser apedrejada até a morte,
caso esta não gritasse por socorro. Mas, por que Maria poderia ser considerada
adúltera? Resposta: Porque ninguém, a princípio, acreditaria numa história
dessas.
Podemos ver durante a
trajetória de Jesus na terra, diversas passagens de duras críticas aos
religiosos da época. Para eles, importava a capa da religiosidade e o
reconhecimento indevido (ver Mateus 23). Na sociedade judaica, pouco importava
a fé de verdade para estes fariseus e mestres da lei (alguns). O que importava
de fato era a exibição, o autoritarismo e o prestígio de ser chamado de rabi.
Maria assumia um risco
real e de morte caso José não aceitasse sua condição e a denunciasse. Graças ao
propósito de Deus não foi isso que aconteceu. Por mais que José tenha ficado
entristecido, com a mente confusa, mais uma vez Deus providenciou as condições
de resolução para a situação. José, tendo sido visitado em sonho por um anjo,
entendeu verdadeiramente os desígnios de Deus, e acolheu, em amor, Maria.
Perseguição política
Existiam dois grandes
homens na época do nascimento de Jesus: Herodes, o rei de Belém da Judeia, onde
Cristo nascera; e César Augusto, imperador de Roma, onde José e Maria estavam
se descolando a fim de cumprir o alistamento da lei do recenseamento.
Ao chegar em Belém, o
tempo de gestação foi finalizado e então nasceu Jesus. Em decorrência deste
grande acontecimento, um anjo do Senhor foi informar o nascimento do menino aos
pastores da cidade, que ficaram surpresos com a notícia. Maria declarava com
grande felicidade que Jesus era o Rei dos judeus.
Este anúncio feito por
Maria sinalizava perigo à Herodes que, por sua vez, perturbou-se com a notícia.
Sabendo disto, Herodes instruiu magos para que seguissem até Jesus e coletassem informações do Cristo. Maria estava assinando, mais uma vez, o risco de morte
para si, e para sua família (Mateus 2: 1-11).
Depois da entrega dos
presentes ao menino Cristo, os magos receberam em sonho uma advertência divina
para não voltarem a Herodes com as informações do paradeiro de Jesus. Então,
novamente um anjo apareceu à José, desta vez para dar uma ordem de fuga para o
Egito, onde eles deveriam aguardar até a morte de Herodes. Era a providência de
Deus para a família.
Uma espada atravessará sua
alma
Como constava na Lei de
Moisés, todo primogênito do sexo masculino deveria ser consagrado ao Senhor.
Obedecendo a esta regra, Maria e José, logo após o período de purificação,
foram ao templo de Jerusalém apresentar Jesus. Lá encontraram o sacerdote
Simeão, um homem que segundo a Bíblia era justo e piedoso, e esperava pela
consolação de Israel (Lucas 2:25). A consolação de Israel era justamente o
Cristo! Simeão aguardava a promessa feita pelo próprio Deus, retardando a sua
morte até o seu cumprimento.
“Simeão foi instruído de
modo sobrenatural de que essa criança era o Messias prometido. Tomando Jesus
nos braços, ele proferiu o memorável cântico agora conhecido como Nunc Dimittis
(Agora, despedes em paz)”. MACDONALD, William. Comentário bíblico popular –
Antigo e Novo testamento – São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
Mas este sacerdote que
aguardava ansiosamente e pacientemente a vinda de Jesus trazia muito mais
consigo: foi ele quem predisse à Maria os objetivos de Jesus Cristo na terra.*
“E Simeão os abençoou e
disse a Maria, mãe de Jesus: "Este menino está destinado a causar a queda
e o soerguimento de muitos em Israel, e a ser um sinal de contradição, de modo
que o pensamento de muitos corações será revelado. Quanto a você, uma espada
atravessará a sua alma". Lucas 2: 34,35 (NVI)
Analisando aqui a parte
destinada à Maria, temos: “Uma espada atravessará a sua alma”. O que isso
queria dizer? De acordo com William MacDonald, autor do comentário bíblico
popular, o texto diz que:
“Simeão estava
profetizando a aflição que inundaria o coração de Maria ao testemunhar a
crucificação do seu filho”
Profecia essa que se
cumpriu. Basta lermos João 19:25, que diz:
“Perto da cruz de Jesus
estavam sua mãe, a irmã dela, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena”.
Maria então tinha que
lidar com o fato de seu filho seria morto décadas depois. Uma mãe, em pleno
gozo da felicidade de gerar de forma sobrenatural o salvador do mundo, é
temporariamente ofuscada por um destino cruel e, em mesma proporção, necessária
ao mundo.
Filho de quem?
Na celebração da páscoa,
Maria, José e Jesus foram até Jerusalém para festejar. Nesta época Jesus estava
com 12 anos de idade. Após as comemorações, os pais de Cristo regressaram à
Galileia, mas notaram que Jesus não estava com eles. Extremamente preocupados
com o que poderia ter acontecido, Maria e José encontram Jesus no templo,
sentado entre os mestres, ouvindo e respondendo perguntas.
Como qualquer mãe
normalmente faria, Maria repreendeu Jesus em função da aflição que sentia de,
durante três dias, tê-lo perdido. A resposta de Jesus foi:
"Por que vocês
estavam me procurando? Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai? "
Lucas 2:49 (NVI)
Mais uma vez Maria se via
diante da verdade: Jesus veio ao mundo com um propósito específico. O que
transparece nas escrituras é que, de algum modo, isso confortava a dor da jovem
que, mais do que mãe, era a seguidora do próprio filho.
Para um maior entendimento
da reflexão que tais palavras causaram em Maria, podemos ler a continuidade do
texto, que diz:
Sua mãe, porém, guardava
todas essas coisas em seu coração. Lucas 2:51b
Conclusão
É claro que a história de
Maria não termina aqui. Outros fatores devem ser analisados, estudados e
entendidos biblicamente. Para a proposta deste texto, nos interessa apenas
reter três aspectos da mãe de Jesus. São eles:
1. Obediência
2. Coragem
3. Dor
Maria, como a mãe do
salvador, sentia amor pelo seu filho. Desde o início a agraciada foi escolhida
por Deus para cumprir a promessa de que o Salvador viria ao mundo trazer
salvação. Isto acarretou em uma mudança radical na vida de Maria, tanto
emocionalmente, quanto no sentido moral da história (de acordo com as leis
judaicas, Maria deveria ser apedrejada, caso José a denunciasse).
Podemos ver durante todo o
tempo na história de Maria, a providência de Deus para a execução de seus
propósitos. Ela precisou ter ousadia e coragem para anunciar o nascimento do
verdadeiro Rei dos judeus (por mais que Cristo não tenha sido aceito desta
forma), e de viver as dores de uma mãe, que se preocupa, cuida e acalenta seu
filho.
Diante de tudo o que foi
exposto, qual Maria temos renegado? Repudiar a mãe do Salvador é tão grotesco
como adorá-la e prestar-lhe culto. Que possamos reconhecer efetivamente o valor
indispensável da mãe de Jesus, atribuindo-lhe corretamente o seu valor.
Termino o texto com uma
reflexão do teólogo John Gwili Jenkins, falecido na década de 30, que diz:
Perdoe-nos gentil senhora,
se aprendemos
a lhe dar menos repeito do
que o céu desejaria;
Pois nos apaixonamos pelo
Filho do seu amor maior,
Para que não venerássemos
a ti mais do que a Ele.
- de "Gales e a
Virgem Maria"
__________
* É evidente que outros
profetas, principalmente no Velho Testamento, predisseram os propósitos de
Cristo para a terra. A ênfase que dei sobre Simeão foi para despertar o
interesse do leitor na também presciência (dada por Deus) dos objetivos do
Salvador.