Por Thiago Azevedo
Sabemos que a bíblia está repleta de trechos
que possuem uma linguagem antropomórfica e antropopática. Ou seja,
respectivamente falando, textos que visam dar a pessoa divina um atributo
físico (mãos, olhos, pés) ou um sentimental (zelo, amor, raiva) próprio do
homem. Antropomorfismo é a junção de duas palavras gregas ANTROPOS = HOMEM E MORFÊ =
FORMA, logo, se tem o significado de forma de homem. Antropopatismo segue neste
mesmo vácuo, a saber; ANTROPOS = HOMEM
E PATHOS = SENTIMENTOS, logo, se tem
o significado de sentimento do homem. Estes textos são de caráter pedagógico
para que a compreensão da Bíblia se torne mais acessível, pois se não houvesse
estes recursos literários no bojo das Sagradas Escrituras, sua compreensão
seria muito mais complexa do que já é. Imaginemos a possibilidade de Deus – um
ser perfeito e puro – nos comunicar sua revelação na sua linguajem restrita. Se
isso ocorresse de fato, o homem jamais o compreenderia.
Há na bíblia diversos textos com estas características, os termos estarão em negrito para facilitar seu reconhecimento. Há a possibilidade também de um termo antropomórfico vir oculto no texto, neste caso, será colocado entre parênteses.
EXEMPLOS DE ANTROPOMORFISMO:
Gênesis 8:21 – “E o Senhor sentiu o suave cheiro (nariz), e o Senhor disse
em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do
homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem
tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz”. (Aqui temos as palavras
nariz de forma implícita no texto, pois Deus sentiu o cheiro de algo. E temos a
palavra coração, todas em negrito).
I Pedro 5:6 –
“Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão
de Deus, para que há seu tempo vos exalte” (Aqui temos a palavra mão em
destaque).
Provérbios 15:3
– “Os olhos do
Senhor estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons” (Aqui se tem a
palavra olhos em destaque).
Ezequiel 13:5 – “Porventura não tivestes visão de vaidade, e não falastes
adivinhação mentirosa, quando dissestes: O Senhor diz, sendo que eu tal não
falei ?” (Aqui temos a palavra boca subtendido, pois Deus alega que não
falou).
O próprio Jesus em João 4:24 diz que Deus é
espirito, logo, sendo espírito, não possui forma ou partes do corpo humano.
Estas passagens funcionam como recurso pedagógico para a compreensão daquele
que é perfeito e santo, pois, caso contrário, nem sequer teríamos uma noção da
compreensão de divina.
EXEMPLOS DE ANTROPOPATISMO:
Gênesis 6:6 – “Então se arrependeu o Senhor de
haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração”. (Aqui se tem a
palavra arrependeu).
I João 4:8 -
“Aquele que não ama não
conhece a Deus; porque Deus é amor”. (Aqui se tem a palavra amor).
Provérbios 6:16 – “Estas seis coisas o Senhor odeia,
e a sétima a sua alma abomina”: (Aqui se tem a palavra odeia).
Ezequiel 13:13 – “Portanto assim diz o Senhor DEUS:
Fendê-la-ei no meu furor com vento tempestuoso, e chuva de inundar haverá na minha
ira,
e grandes pedras de saraiva na minha indignação, para a consumir”. (Aqui se tem
as palavras furor e ira).
O próprio Deus revela que
ele não é filho do homem para que minta ou que volte atrás com sua palavra Nm
23:19. Ou seja, Deus não volta atrás com sua palavra, portanto, não se
arrepende. Tudo isso não passa de uma linguagem antropópata para que o homem
entenda a revelação divina. A melhor tradução para a palavra nancham
não seria o verbo arrepender como ocorre nas Bíblias em geral, mas sim o verbo
confortar ou tranquilizar. Portanto, Deus não se arrepende. A melhor tradução então
seria que Deus confortou-se ou tranquilizou-se em realizar tal evento ou
exercer seu juízo sobre alguém. O que enfatizaria mais ainda o caráter antropópata
do texto.
O grande problema da
atualidade é que as pessoas têm exagerado nestas linguagens, algumas têm
tentado humanizar Deus ao extremo, atribuindo-Lhe atitudes, posturas e até sentimentos cada vez mais
comuns do cotidiano do ser humano. Temos bons exemplos principalmente nas
canções ditas cristãs: “Deus marcou na
agenda” “Minha audiência ele já marcou” “Deus assina com caneta que a tinta não
se acaba” “O martelo de Deus quando bate ninguém revoga” “Deus fica doente
quando nós pecamos” etc. Existe até uma canção de um determinado grupo
“evangélico” que a letra possui expressões do tipo: “vou esconder as sandálias de Cristo para ele não ir embora” “Eu quero
vestir tuas camisas com as mangas maiores que meus braços” etc. O uso
exacerbado destas linguagens acaba que banalizando a pessoa divina e tornando-O
um homem comum como qualquer outro. Precisamos retornar às Escrituras e
perceber que por mais que Deus tenha amado sua igreja e tenha elaborado um plano
para sua salvação, Ele é santo – e o significado de santo é separado – e
distinto totalmente do homem (a arca da aliança sendo carregada a distância dos
sacerdotes por meio dos varais, o tabernáculo tendo um local específico para Deus
pousar e Jesus quando proíbe Maria Madalena de lhe tocar ao se mostrar
ressurreto a mesma, servem como bons exemplos).
Esta postura de reduzir
Deus ao nosso ambiente humano é só mais uma característica dos tempos de crise
que o evangelho vive, dos tempos de desprezo às Escrituras Sagradas e do apego
aos ensinamentos humanos e as experiências místicas – essas práticas, na
atualidade, valem mais que o conteúdo bíblico. Deus possui um padrão elevado e
que muitos tentam rebaixar para parecer mais fácil e acessível. Alguns até
“conseguem” enganar quanto a isso, mas é justamente por ter está impressão – de
Deus como uma pessoa comum como qualquer outra – que as pessoas não o honram
como Ele merece.
Os recursos literários
citados neste texto foram nada mais nada menos utilizados pelos autores
bíblicos com um fim específico, a saber: proporcionar um entendimento melhor da
pessoa divina aos olhos humanos por meio de suas revelações, pois como poderia
um ser perfeito caber na mente de um ser imperfeito, caído e completamente
limitado como o homem? Agora que já se conhece o plano salvífico de Deus em
direção à sua igreja, isso por meio da Sagrada Escritura, agora que toda
soberania divina é notada na história da humanidade, tomemos cuidado com o uso
do antropomorfismo e o antropopatismo exagerado para falar da pessoa divina. Pois
eles podem ofuscar a verdadeira posição que Deus ocupa na história e obscurecer
a distinta diferença entre Deus e os homens.