Por Alan Rennê Alexandrino
O antigo puritano William
Perkins, no segundo capítulo da sua obra clássica sobre pregação The Art of
Prophesying, ofereceu a seguinte instrução aos pregadores: “A Palavra de Deus,
exclusivamente, deve ser pregada, em sua perfeição e consistência intrínseca. A
Escritura é o objeto exclusivo da pregação, o único campo onde o pregador deve
trabalhar”.[1] Isso está intrinsecamente relacionado com a natureza da pregação
expositiva.
De forma simples e até
tautológica, John A. Broadus afirma que a pregação expositiva “ocupa-se
principalmente da exposição das Escrituras”.[2] Tudo flui do texto: as suas
divisões e a exploração dessas divisões, todo o conteúdo de pensamento. De
acordo com ele, a principal característica de um sermão expositivo é a unidade
no discurso: “A unidade no discurso é necessária à instrução, à convicção e à
persuasão. Sem ela, o gosto dos ouvintes cultos não será satisfeito; mesmo os
incultos, embora talvez não saibam por que, se sentirão bem menos profundamente
impressionados”.[3] Isso é interessante, visto que há muita pregação versículo
por versículo em nossos dias, mas que nada mais é do uma série de observações
desarticuladas e desconexas sobre versículos sucessivos.
O grande problema com a
obra de Broadus é aquilo que pode ser percebido no ideário da vasta maioria dos
evangélicos e até mesmo de muitos protestantes, a saber, que pregação
expositiva é apenas um estilo de pregação, apenas um tipo de sermão
classificado de acordo com a sua estrutura homilética. Antigamente, mesmo
nossos seminários e institutos bíblicos trabalhavam a prática da pregação da
seguinte forma: Primeiro, você prega um sermão tópico. Segundo, um sermão
textual. Terceiro, um sermão expositivo. Scholars e professores chegam a
recomendar uma variação de estruturas homiléticas em seus sermões, com vistas a
“alcançar variedade no método sermonário [...] Essa variedade será aceitável e
agradável à congregação atenta”.[4]
Interessa-me,
particularmente, a definição de pregação expositiva que Albert Mohler
apresenta:
A
pregação expositiva é aquele tipo de pregação cristã que tem como seu propósito
central a apresentação e a aplicação do texto da Bíblia. Todos os outros
assuntos e interesses são subordinados à tarefa central de apresentar o texto
bíblico. Como Palavra de Deus, o texto das Escrituras tem o direito de
estabelecer tanto o conteúdo como a estrutura do sermão. A exposição autêntica
acontece quando o pregador apresenta o significado e a mensagem do texto
bíblico e mostra com clareza como a Palavra de Deus estabelece a identidade e a
cosmovisão da igreja como o povo de Deus.[5]
Nisso reside a principal diferença entre a
pregação expositiva e os outros tipos de pregação. Enquanto a pregação temática
parte de um tópico em direção a textos bíblicos, e a pregação textual faça uso
de uma passagem particular sem, contudo, examinar o intento original daquela
passagem, a pregação expositiva “está, portanto, inescapavelmente ligada à obra
de exegese séria. Se o pregador tem de explicar o texto, ele deve estudá-lo e
dedicar horas de estudo e pesquisa necessárias ao entendimento do texto”.[6]
Michael Houdmann afirma que, “tanto no sermão temático como no textual, a
passagem da Bíblia é usada como material de apoio para o tema. Em sermões
expositivos, a passagem da Bíblia é o tema, e materiais de apoio são usados
para explicá-la e esclarecê-la”.[7]
Alguns eruditos, como
Sidney Greidanus e John Stott, discordam da diferença estabelecida entre
pregação expositiva e pregação textual, afirmando que esta distinção nada mais
é do que um ato de confusão. A distinção alvo das críticas é aquela que diz que
o sermão expositivo brota de uma passagem da Bíblia mais extensa do que dois ou
três versículos, que é uma explicação versículo por versículo de uma passagem
escolhida, dentre outras afirmações. Greidanus afirma que pregar
expositivamente é “manusear o texto ‘de tal forma que seu significado essencial
e real seja manifestado e aplicado às necessidades atuais dos ouvintes, como
ele existe na mente do escritor bíblico em particular e como ele existe à luz
de todo o contexto da Escritura’”.[8]
John Stott afirma:
Se
ele [o texto] é longo ou curto, nossa responsabilidade como expositores é
esclarecê-lo de tal forma que ele fale sua mensagem de forma clara, aberta,
correta, relevante, sem adição, subtração ou falsificação. Na pregação
expositiva o texto bíblico não é nem uma introdução convencional para um sermão
num tema totalmente diferente, nem um pretexto conveniente sobre o qual
projeta-se uma mistura de pensamentos heterogêneos, mas um mestre que dita e
controla o que é dito.[9]
Mesmo Karl Barth disse
acertadamente que, “se o pregador se dá por tarefa expor uma ideia sob uma
forma qualquer – mesmo se esta ideia resulta de uma exegese séria e adequada –
então não é a Escritura que fala, mas fala-se sobre ela. Para ser positivo, a
pregação deve ser uma explicação da Escritura”.[10]
O fundamento bíblico de
tudo o que foi dito pode ser percebido em Neemias 8:
1
Em chegando o sétimo mês, e estando os filhos de Israel nas suas cidades, todo
o povo se ajuntou como um só homem, na praça, diante da Porta das Águas; e
disseram a Esdras, o escriba, que trouxesse o Livro da Lei de Moisés, que o
SENHOR tinha prescrito a Israel. 2 Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a
congregação, tanto de homens como de mulheres e de todos os que eram capazes de
entender o que ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês. 3 E leu no livro,
diante da praça, que está fronteira à Porta das Águas, desde a alva até ao
meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo
tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei. 4 Esdras, o escriba, estava num
púlpito de madeira, que fizeram para aquele fim; estavam em pé junto a ele, à
sua direita, Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias e Maaséias; e à sua
esquerda, Pedaías, Misael, Malquias, Hasum, Hasbadana, Zacarias e Mesulão. 5
Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, porque estava acima dele;
abrindo-o ele, todo o povo se pôs em pé. 6 Esdras bendisse ao SENHOR, o grande
Deus; e todo o povo respondeu: Amém! Amém! E, levantando as mãos; inclinaram-se
e adoraram o SENHOR, com o rosto em terra. 7 E Jesua, Bani, Serebias, Jamim,
Acube, Sabetai, Hodias, Maaséias, Quelita, Azarias, Jozabade, Hanã, Pelaías e
os levitas ensinavam o povo na Lei; e o povo estava no seu lugar. 8 Leram no
livro, na Lei de Deus, claramente, dando explicações, de maneira que
entendessem o que se lia.
O texto foi lido e o texto foi exposto,
explicado e aplicado às vidas do povo de Israel. Isto posto, fica claro que os
seguintes elementos mínimos identificam uma pregação expositiva[11]:
1. A mensagem encontra a
sua única fonte na Escritura.
2. A mensagem é extraída
da Escritura a partir de cuidadosa exegese.
3. A preparação da
mensagem interpreta corretamente a Escritura em seu sentido normal e em seu
contexto.
4. A mensagem claramente
explica o significado original da mensagem de Deus na Escritura.
5. A mensagem aplica o
significado da Escritura para os dias de hoje.
_____________________________
[1] William Perkins. The Art of Prophesying. Acessado
em 11/10/2012.
<http://www.monergism.com/thethreshold/sdg/perkins_prophesying.html >.
[2] John A. Broadus. Sobre
a Preparação e a Entrega de Sermões. São Paulo: Hagnos, 2009. p. 65.
[3] Ibid. p. 67.
[4] Ibid.
[5] R. Albert Mohler, Jr. Deus
Não Está em Silêncio: pregando em um mundo pós-moderno. São José dos Campos:
Fiel, 2011. p. 75.
[6] Ibid. p. 76.
[7] Michal Houdmann. What Is Expository Preaching? Acessado em 12/10/2012. <
http://www.gotquestions.org/expository-preaching.html >.
[8] Sidney Greidanus. O
Pregador Contemporâneo e o Texto Antigo. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. p. 26.
[9] John R. W. Stott. Between Two Worlds: the art of
preaching in the Twentieth Century. Grand Rapids, MI:
Eerdmans, 1982. p. 126.
[10] Karl Barth. A
Proclamação do Evangelho. Brasília: Monergismo, 2007. pp. 7-8. Acessado em
12/10/2012.
<http://monergismo.com/wp-content/uploads/proclamacao_evangelho_barth.pdf>.
[11] Richard L. Mayhue. “Rediscovering Expository
Preaching”. In: John MacArthur (Org.). Recovering Expository Preaching.
Nashville, TN: Thomas Nelson, 1992. pp. 12-13.