Por Alan Rennê
Alexandrino Lima
“A glória desta última casa será maior do que
a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o
SENHOR dos Exércitos” (Ageu 2.9).
É com frequência que igrejas
locais mudam de endereço, a fim de proporcionar melhorias aos seus membros, bem
como em busca de maiores espaços, a fim de acomodar um maior número de pessoas.
É frequente, também, que para promover esta busca e conferir uma grande
importância a um espaço cúltico maior, muitos acabam usando a passagem de Ageu
2.9. A lógica é a seguinte: O primeiro “templo” comportava apenas 150 pessoas.
Já este segundo possui a capacidade para 500 pessoas. Com isso, de acordo com
eles, cumpre-se a Palavra do Senhor em Ageu, pois a glória da “segunda casa” é
maior que a da primeira.
Meu propósito neste breve
comentário é analisar a passagem citada em seu contexto, a fim de obter uma
conclusão a respeito da maneira como a mesma é aplicada por aqueles que
entendem que ela diz respeito a locais de culto cada vez maiores.
O
Livro de Ageu
Ageu é conhecido como um dos
profetas da restauração, o que significa que sua atuação profética se deu
quando os judeus já haviam retornado à Terra Prometida. O livro tem início com
a contextualização histórica: “No segundo ano do rei Dario” (1.1), ou seja, por
volta de 520 a.C. Juntamente com Zacarias, Ageu profetizou durante o reinício
da reconstrução do Templo, exatamente no ano 520 a.C. De acordo com O. Palmer
Robertson, Ageu foi “a primeira voz profética a falar desde o tempo da
restauração da nação”.[1]
O primeiro tema a receber
destaque na profecia de Ageu é o da reconstrução da “Casa do SENHOR”:
Assim fala o SENHOR dos
Exércitos: Este povo diz: Não veio ainda o tempo, o tempo em que a Casa do
SENHOR deve ser edificada. Veio, pois, a palavra do SENHOR, por intermédio do
profeta Ageu, dizendo: Acaso, é tempo de habitardes vós em casas apaineladas,
enquanto esta casa permanece em ruínas? Ora, pois, assim diz o SENHOR dos
Exércitos: Considerai o vosso passado. Tendes semeado muito e recolhido pouco;
comei, mas não chega para fartar-vos; bebeis, mas não dá para saciar-vos;
vesti-vos, mas ninguém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o para pô-lo
num saquitel furado.
Assim diz o SENHOR dos
Exércitos: Considerai o vosso passado. Subi ao monte, trazei madeira e edificai
a casa; dela me agradarei e serei glorificado, diz o SENHOR. Esperastes o
muito, e eis que veio a ser pouco, e esse pouco, quando o trouxestes para casa,
eu com um assopro o dissipei. Por quê? – diz o SENHOR dos Exércitos; por causa
da minha casa, que permanece em ruínas, ao passo que cada um de vós corre por
causa da sua própria casa (Ageu 1.2-10).
O povo de Israel estava
sendo negligente em reconstruir o Templo, o lugar da habitação de Deus no meio
do seu povo. A ordem de Deus era no sentido de que o povo abandonasse seu
egoísmo e passasse a se preocupar com a casa do Senhor. A ideia passada pelo
povo com a sua atitude era a de que Deus era irrelevante. Eles não sentiam
falta do Templo, do lugar onde o Senhor era adorado, onde o sacrifício
tipológico era realizado e o perdão anunciado.
A
“Segunda Casa” Comparada com a Primeira
A partir do versículo 12
vê-se que o povo atendeu à ordem do Senhor por intermédio do profeta Ageu:
“Então, Zorobabel, filho de Salatiel, e Josué, filho de Jozadaque, o sumo
sacerdote, e todo o resto do povo atenderam à voz do SENHOR, seu Deus, e às
palavras do profeta Ageu, as quais o SENHOR, seu Deus, o tinha mandado dizer; e
o povo temeu diante do SENHOR”. A profecia inicial de Ageu se deu no primeiro
dia do sexto mês (1.1), ao passo que a reconstrução do templo teve início no
“vigésimo quarto dia do sexto mês” (1.15).
Cerca de um mês após o
início da reconstrução (2.1), os anciãos que ainda tinham em sua lembrança o
esplendor do templo construído por Salomão, ao verem as construções do segundo
templo lamentavam a sua inferioridade estética em relação ao primeiro. Por
isso, o Senhor Deus perguntou por intermédio do profeta Ageu: “Quem dentre vós,
que tenha sobrevivido, contemplou esta casa na sua primeira glória? E como a
vedes agora? Não é ela como nada aos vossos olhos?” (2.3). “Comparado com o
anterior, o templo que eles estão construindo terá pouco da primitiva grandeza
e beleza. Parecer-lhes-á como nada”.[2] A comparação é feita entre a “glória”
do primeiro templo e a aparente ausência de “glória” do segundo.
É importante recordar que o
termo hebraico kabôd, traduzido como “glória” é usado em outros profetas com
uma conotação diferente desta. Ezequiel, por exemplo, fala da kabôd para se
referir à presença do Senhor no templo: “Como o aspecto do arco que aparece na
nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. Esta era a aparência da
glória do SENHOR; vendo isto, caí com o rosto em terra e ouvi a voz de quem
falava” (1.28). No capítulo 10, Ezequiel vê a kabôd do Senhor abandonando o
templo, simbolizando que Deus não mais habitaria ali, não mais estaria presente
de um modo especial e pactual: “Então, se levantou a glória do SENHOR de sobre
o querubim, indo para a entrada da casa; a casa encheu-se da nuvem, e o átrio,
da resplandecência da glória do SENHOR [...] Então, saiu a glória do SENHOR da
entrada da casa e parou sobre os querubins” (vv. 4,18). Entretanto, Ageu “não
aponta inicialmente para essa glória da presença de Yahweh. Antes, ele
refere-se à beleza do templo de Salomão”.[3]
Já no versículo 7, o termo
kabôd possui a mesma conotação da profecia de Ezequiel. A referência é à
presença do Senhor no seu templo. Enquanto os anciãos se lembravam da beleza e
esplendor do templo de Salomão, Deus promete que o segundo templo, menor em
tamanho e riquezas, possuirá uma glória plena, pois, diz o Senhor “encherei de
glória esta casa”. O Senhor estava ensinando ao seu povo que, “a glória do
templo não dependeria de sua forma exterior. Ao contrário, a glória é vista na
própria presença de Yahweh”.[4] A mensagem para aqueles que se encontravam
chorosos e àqueles que concentram sua atenção na estrutura física do edifício
cúltico, é que a beleza e o tamanho não influenciam ou diminuem a glória do
local, mas sim a presença de Deus com o seu povo.
A
Glória da Segunda Casa e Jesus Cristo
Deus prometeu que a sua
presença encheria aquela casa de glória: “Ainda uma vez, dentro em pouco, farei
abalar o céu, a terra, o mar e a terra seca; farei abalar todas as nações, e as
coisas preciosas de todas as nações virão, e encherei de glória esta casa, diz
o SENHOR dos Exércitos” (2.6-7). A grande questão é se a manifestação plena da
glória de Deus estaria limitada àquele segundo templo que estava sendo
construído na ocasião, ou se ela aponta apara algo além daquela edificação. A
linguagem do profeta lembra o que aconteceu quando Davi se tornou rei de
Israel. Várias nações reconheceram o seu reinado e enviaram presentes, coisas
preciosas (2Samuel 5.11). O mesmo aconteceu com Salomão, filho de Davi (1Reis
5.8-10; 10.1-10). Não obstante, a referência é que as nações virão agora para
contemplar a glória da casa do Senhor. Deus está falando de Cristo, que tanto
era filho de Davi (Mateus 1.1) como a habitação permanente de Deus entre o seu
povo (João 1.14). O. Palmer Robertson faz um comentário perspicaz a este
respeito:
Este segundo abalo põe em
destaque um único descendente de Davi, que possuirá poderes para agir com
autoridade divina sobre todas as nações. Assim como o templo de Deus e o trono
de Davi se fundiram no Monte Sião com a vinda da Arca para Jerusalém, assim
também o profeta antecipa uma futura unificação gloriosa do culto divino e do
domínio através de um monarca Davídico restaurado.[5]
A interpretação de Calvino
também leva em conta o elemento messiânico da profecia:
Mas nós podemos entender o
que ele diz de Cristo, virá o desejo de todas as nações, e eu encherei esta
casa com glória. De fato, sabemos que Cristo era a expectativa de todo o mundo,
de acordo com o que foi dito por Isaías. E pode ser dito apropriadamente que,
quando o desejo de todas as nações vier, isto é, quando Cristo se manifestar,
em quem os desejos de todos convergem, então, a glória do segundo templo será
esplendorosa.[6]
Por esta razão é que o
Senhor declara, no versículo 9: “A glória desta última casa será maior do que a
da primeira”. A glória do segundo templo não possui nenhuma relação com o seu
espaço físico ou com seus objetos de valor. A glória do segundo templo está
direta e inextricavelmente relacionada com a vinda de Jesus Cristo. Por se tratar
de um templo mais próximo da vinda do Messias do que o que fora construído por
Salomão, o segundo seria mais glorioso. Diz o puritano Matthew Poole que, “o
que Deus chama de glória deve ser bem melhor do que prata e ouro. Maior que a
da primeira, verdadeiramente mais gloriosa, em muitos graus. O mínimo de Cristo
tem glória maior que toda a magnificência de Salomão. Não existiram mais que
duas casas erigidas por designação divina, e, na segunda, adentrou pessoalmente
o Messias”.[7] Calvino afirma ainda que, não devemos imaginar, como alguns
intérpretes “brutos”, que a glória futura do segundo templo dizia respeito às
reformas empreendidas por Herodes, visando restaurar a suntuosidade do templo.
Antes, de acordo com ele, “o que é dito aqui a respeito da glória futura do
templo é aplicado à excelência daquelas bênçãos espirituais que apareceram
quando Cristo foi revelado, e ainda continuam visíveis para nós através da
fé”.[8]
A conexão entre a glória do
segundo templo e Jesus fica mais evidente com a continuação do versículo 9: “e,
neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos”. No Antigo Testamento a
promessa de paz sempre estava ligada à vinda do Messias: “O SENHOR dá força ao
seu povo, o SENHOR abençoa com paz ao seu povo” (Salmo 29.11). O conceito
veterotestamentário de paz carrega “a noção positiva de bênçãos, especialmente
a de um correto relacionamento com Deus”.[9] Isso fica evidente na bênção
araônica, em Números 6.24-26: “O SENHOR te abençoe e te guarde; o SENHOR faça
resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o SENHOR sobre ti
levante o rosto e te dê a paz”.
Além disso, as passagens
proféticas do Antigo Testamento olham adiante para um período de paz que seria
inaugurado pela vinda do Messias: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos
deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso
Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaías 9.6);
“Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem
o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria
de jumenta. Destruirei os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém, e o arco
de guerra será destruído. Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se
estenderá de mar a mar e desde o Eufrates até às proximidades da terra”
(Zacarias 9.9-10). O profeta Ezequiel anunciou que através do Messias, Deus
faria uma eterna aliança de paz com o seu povo: “Farei com eles aliança de paz;
será aliança perpétua. Estabelecê-los-ei, e os multiplicarei, e porei o meu
santuário no meio deles, para sempre” (37.26). Interessantemente, a ideia de um
santuário, um templo ligado ao estabelecimento da paz também aparece na
passagem de Ezequiel.
Isto posto, quando os
discípulos estavam reunidos com Jesus no cenáculo, ouviram o seu Mestre dizer:
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (João
14.27). Com toda certeza eles rememoraram as promessas escriturísticas a
respeito do estabelecimento da paz pelo Messias, aquele que era o tabernáculo
de Deus entre os homens.
É importante observar ainda
que, Apocalipse 21.22 faz uma afirmação extraordinária a respeito da Nova
Jerusalém: “Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus
Todo-Poderoso, e o Cordeiro”. G. K. Beale e Sean M. McDonough afirmam que,
“João provavelmente entendeu estas profecias do Antigo Testamento como sendo
cumpridas no futuro por Deus e Cristo substituindo o primeiro templo físico e a
arca por sua gloriosa habitação, o que tornará a glória do primeiro templo
diminuta”.[10]
Conclusão
A glória do segundo templo
não dizia respeito ao seu tamanho nem ao esplendor do material usado na sua
construção – até porque, em comparação com o primeiro templo, o segundo foi
capaz de despertar o choro dos anciãos que viram o que fora construído por
Salomão. A glória da segunda casa estava ligada à vinda do Messias, de Jesus
Cristo, o verdadeiro templo de Deus, o Emanuel, o Deus conosco.
Usar a passagem de Ageu 2.9
para recomendar um enorme espaço cúltico, com capacidade para abrigar milhares
de pessoas é cometer duplo erro. Em primeiro lugar, comete-se o erro de torcer
o sentido da passagem de acordo com o contexto do livro do profeta Ageu. A
segunda casa cuja glória seria maior era pequena e destituída de ornamentos em
comparação com a primeira. Mas muitos usam a passagem para falar de uma segunda
casa maior que a que usavam até então. Em segundo lugar, comete-se o erro de
desconsiderar Jesus Cristo, de se apegar às sombras do Antigo Testamento em
detrimento daquele que dá sentido a todo ajuntamento solene e que enche de
glória todo e qualquer lugar onde o povo de Deus está reunido para adorá-lo em
espírito e em verdade.
Soli Deo Gloria!
__________
Notas:
[1] O. Palmer Robertson. The
Christ of the Prophets. Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2004. p. 368.
[2] Gerard van Groningen.
Revelação Messiânica no Antigo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p.
813.
[3] Ibid.
[4] Ibid. pp. 817-818.
[5] O. Palmer Robertson. The
Christ of the Prophets. p. 383.
[6] John Calvin. The Minor
Prophets: Habakkuk, Zephaniah & Haggai. Vol. 4. Edinburgh: The Banner of
Truth Trust, 1986. p. 360.
[7] Matthew Poole. A
Commentary On The Holy Bible: Psalms-Malachiah. Vol. 2. Peabody, MA:
Hendrickson Publishers, 2010. p. 987.
[8] John Calvin. The Minor
Prophets: Habakkuk, Zephaniah & Haggai. Vol. 4. p. 361.
[9] Andreas J. Köstenberger.
“John”. In: G. K. Beale e D. A. Carson (Eds.). Commentary On The New Testament
Use of The Old Testament. Grand Rapids, MI: Baker Academic e Apollos, 2007. p.
490.
[10] G. K. Beale e Sean M.
McDonough. “Revelation. In: Ibid. p. 1153.
Fonte: Cristão Reformado