Por Kevin DeYoung
Não era para Israel ter
desejado um rei, mas pediram por um mesmo assim. Assim, Deus deu a eles o que
queriam: um impressionante rei humano, assim como as outras nações tinham. Seu
nome era Saul, e ele não durou muito. Ele desobedeceu a ordem divina, enfurecendo
o profeta-juiz Samuel e entristecendo o Senhor Deus.
Veio a palavra do SENHOR a
Samuel, dizendo: “Arrependo-me de haver constituído Saul rei, porquanto deixou
de me seguir e não executou as minhas palavras” (1 Samuel 15.10-11).
Em 1 Samuel 15.35, nós vemos
uma declaração semelhante:
“Nunca mais viu Samuel a
Saul até ao dia da sua morte; porém tinha pena de Saul. O SENHOR se arrependeu
de haver constituído Saul rei sobre Israel”.
Fortes palavras, e
surpreendentes também. O que significa Deus dizer “Eu me arrependo”? Deus pode
mudar de opinião? Deus é ignorante quanto ao futuro? Deus é como nós, em
cometer erros honestos e, às vezes, olhar para suas decisões passadas e dizer:
“Puxa, queria poder voltar e fazer isso diferente”? Parece que o nosso Deus
comete erros e é forçado a mudar de curso.
Ainda assim, sabemos que
essa não é a maneira correta de entender o arrependimento de Deus por causa do
que lemos alguns versos antes em 1 Samuel 15:
Então, Samuel lhe disse: “O
SENHOR rasgou, hoje, de ti o reino de Israel e o deu ao teu próximo, que é
melhor do que tu. Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende,
porquanto não é homem, para que se arrependa” (28-29).
Devemos ter em mente um dos
grandes princípios da interpretação bíblica: o autor não era completamente
estúpido. Não temos razões (além das nossas próprias inclinações) para pensar
que o versículo 29 foi inserido por um escriba posterior, nem qualquer razão
para pensar que o versículo 29 não está em concordância com os versículos 11 e 35.
Claramente, se queremos ser sábios e consistentes estudantes da Escritura,
temos que admitir que, em certo sentido, Deus possa se arrepender, enquanto que
em outro sentido, Deus não seria Deus se ele se arrependesse.
O autor de 1 Samuel — sem
falar do Autor por trás de 1 Samuel — está tentando nos ensinar algo a respeito
de Deus. Por um lado, nosso Deus não é estático, monótono e sem vida. Como um
Ser pessoal e relacional, a atividade de Deus no mundo está sujeita à mudança,
dando espaço para todo o dinamismo que temos em nossos relacionamentos
pessoais. A tendência sempre foi haver conflito na história pactual entre Deus
e seres humanos, mas isso não significa que que haja conflito dentro do ser
interior de Deus (veja Horton, The Christian Faith, 240-241). Conforme os
caminhos de Deus aparecem para nós, haverá mudança e variação, mas como Deus é,
em seu caráter e sua essência, não pode haver variação ou sombra de mudança
(Tiago 1.17; cf. Malaquias 3.6; Hebreus 13.8; 2 Timóteo 2.13).
Quando Deus reflete sobre a
desobediência de Saul, ele usa um termo que faz sentido para nós: o termo
“arrependimento”. Mas isso não significa que Deus era ignorante quanto ao
pecado de Saul ou tenha sido pego de surpresa por sua rebelião. Como John Piper
salienta, Deus é bem capaz de lamentar uma situação que ele próprio já sabia de
antemão e fez acontecer. Em outras palavras, o arrependimento de Deus não é
análogo de todos os ângulos ao nosso arrependimento. Esse parece ser o ponto
que o versículo 29 está explicitamente argumentando. Deus pode olhar para Saul
e dizer: “Entristeço-me por ele ter pecado; é hora de encontrar outro rei”
mantendo, ainda assim: “Eu nunca mudo de ideia”.
É natureza do nosso
relacionamento pactual com Deus conhecê-lo como alguém que responde e reage, o
que deve parecer para nós muito mais incrível, visto que é natureza do nosso
Deus Fiel nunca mentir, arrepender-se ou mudar de ideia (Números 23.19).
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Fonte: Voltemos ao Evangelho