Por Thiago Azevedo
Tendo em vista que a vida cristã é permeada de relações próximas e de pessoas que querem sempre ver o bem do próximo – é bem verdade que isso já não é mais uma regra – bem como a necessidade que alguns irmãos na fé sentem de sempre estarem aconselhando com palavras de apoio e encorajando outros irmãos na caminhada cristã, despertou-me o interesse de compor este mero texto. A partir deste prisma é notório que a maioria das pessoas que compõem o ambiente eclesiástico desenvolve, por inclinação, o hábito de aconselhar. Esta prática não está dentro apenas do ambiente eclesiástico, mas também nos mais diversos círculos. Quem nunca ouviu a seguinte expressão: “Se conselho fosse bom não se dava, se vendia”. Seria de fato algo arriscado fazer desta prática um comércio – sobretudo para o aconselhado.
No contexto capitalista o ato de aconselhar poderia ser visto apenas como mais uma forma de oportunidade financeira/mercadológica. Suposições à parte, o fato é que muitos são os que se auto avaliam conselheiros e estão nos mais diversos âmbitos – pessoal, profissional, educacional, conjugal etc. Não teria como abordar todos estes âmbitos por completo e tecer algo a respeito de cada. É por isso que a proposta delimitadora deste conteúdo aponta para o ambiente eclesiástico.
O sentimento de ajuda ao próximo que permeia a esfera eclesiástica é salutar, mas, infelizmente, nem sempre a boa intenção é tida como algo bom no reino de Deus. Por exemplo, o texto de I Sm 6: 7-8 relata a história do translado da devolução da arca da aliança que estava sob o poder dos filisteus em direção a Israel. Ou seja, os filisteus devolveram a arca do aliança em cima de bois. Em I Cr. 13 relata-se a alegria de Israel ao receber de volta a arca da aliança que tinha sido tomada pelos filisteus. A alegria era imensa pelo fato de ter de volta a arca. No versículo 7 do mesmo capítulo percebe-se a presença até de um carro novo para guiar a arca do Senhor. Os israelitas sob o domínio do rei Davi acreditaram que a arca devia mesmo estar em um carro de bois novo, pois o carro sobre o qual os filisteus devolveram a arca não era digno desta função. Após a troca do carro houve festa e muita alegria conforme o v 8. É notório que houve boa intenção em tudo, mas não houve obediência ao preceito divino. Ou seja, Ex 25:10-14 / Nm 4:15 / Nm 7: 8-9 / Nm 8:14 nos mostram que carregar a arca era um serviço específico dos levitas e não de bois. Assim, a forma que os filisteus devolveram a arca para Israel – sobre bois – fora mantida pelos próprios israelitas – aqueles que tinham o preceito. Estes, apenas trocaram o carro.
Parece que Josué em outra ocasião entendeu bem o preceito divino (Js 3:3), ao passo que Davi não. O desfecho desta trágica história todos já sabem, Uzá é fulminado ao tentar segurar a arca na tentativa de impedir sua queda, pois os bois que a carregavam tropeçaram I Cr 13:9-10. Após esta experiência trágica Davi reconhece que errou e se lembra da forma correta de transportar a arca I Cr 15:2. Toda essa história vem à tona no presente conteúdo, para que possa ser percebido que boa intenção nas práticas cristãs nem sempre podem ser tidas como positivas. Ora, Uzá teve ou não teve boa intenção? Davi teve ou não teve boa intenção? Israel teve ou não teve boa intenção? As motivações dos envolvidos eram ou não eram boas? A resposta para estas perguntas é sim, mas o reino de Deus não é feito de boa intenção ou de boas motivações apenas, e sim de obediência. Há até um dito popular: “De boa intenção o inferno está cheio”. O inferno eu não sei, mas o ambiente que estamos analisando – a igreja – sim. Infelizmente, ou felizmente, as boas intenções, motivações, etc. não são tudo no reino de Deus.
Esta mesma compreensão se faz necessária no que tange ao aconselhamento cristã. Este não pode ser baseado em outro lugar que não seja a bíblia. Aliás, não só o aconselhamento cristão, mas toda a praxis cristã deve ser permeada por esta. Deve-se observar os preceitos bíblicos que concernem a esta prática. Quando se entende isso, entende-se que em toda e quaisquer praticas cristãs não se fala de si mesmo, e sim de outro – este outro é Cristo. Logo, no aconselhamento cristão, esta verdade não foge à regra, ou seja, Cristo deve também ser o centro. Repousa aqui a principal característica do conselheiro cristão – anunciar a pessoa de Cristo e sua postura. Dentro desta linha é notório que na atualidade há muitos conselheiros, mas poucos conselheiros cristãos.
Em certa ocasião procurei certo pastor para me aconselhar. O referido pastor me levou ao gabinete e lá me contou toda sua experiência de vida em seus quase 60 anos de idade. Ele contava-me sua história com as mãos em cima da bíblia e em nenhum momento abriu a bíblia para usá-la no aconselhamento. Mesmo que não abrisse, mas poderia citar alguma referência ou algo neste sentido para embasar seus pensamentos ou até mesmo suas experiências. Logo surge uma pergunta: Isso é aconselhamento cristão? Não! Isso não pode ser visto como aconselhamento cristão e sim, quando muito, como aconselhamento apenas. No aconselhamento cristão fala-se de Cristo, fala-se de outro e não de si próprio – falar de Cristo é a principal característica desta prática, pois Ele é o espelho tanto do aconselhado como do conselheiro.
Outra característica de suma importância dentro desta prática recai sobre a irrepreensibilidade. Isto é, quem aconselha não deve ter nada que comprometa sua conduta moral e seu caráter. Em 1Tm 3 o texto mostra várias características daqueles que almejam o episcopado, mas as recomendações destinadas a este grupo específico se estendem também a outros, a saber, diáconos e as esposas. A característica da irrepreensibilidade recai também sobre as costas dos diáconos (v. 10). Assim, todos estes podem e devem atuar como conselheiros, realizando a prática de forma excelente. Curiosamente a primeira admoestação que surge no texto é que os bispos devem ser irrepreensíveis, mas não só estes, os diáconos também devem ser – como já se falou antes. Destaca-se esta ênfase na recomendação pelo fato da impossibilidade de um conselheiro cristão conseguir êxito no seu aconselhamento se o mesmo tiver falhas morais e desvios de conduta. Até no âmbito secular este principio é observado. Por exemplo: como poderá alguém que fuma, aconselhar alguém a não fumar? Como poderá alguém que adultera, aconselhar alguém sobre os perigos do adultério? Ou ainda, como poderá alguém que tem vários desafetos, aconselhar alguém sobre relacionamento pessoal?
Alguns conselheiros cometem os mesmos deslizes de seus aconselhados e se portam como ditadores hipócritas para com tais. A própria bíblia nos traz a história de uma mulher que foi pega em adultério, naquela ocasião os homens eram adúlteros e queriam matar alguém que tinha cometido pecado semelhante ao deles, ou seja, cometiam o mesmo pecado da mulher e queriam apedrejá-la por tal Jo 8:7 – hipocrisia pura. Por posturas assim é que surgem frases no meio popular direcionada aos líderes religiosos: “Quem tem telhado de vidro não joga pedra na casa de ninguém”. É a pura política do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Esta política no aconselhamento cristão, graças a Deus, não funciona – ao menos até o aconselhado descobrir os fatos. Logo, deva ser por isso também que a recomendação de ser irrepreensível vem no texto encabeçando as principais características de quem almeja o episcopado. É por isso que não só a prática do aconselhamento, mas as mais diversas práticas no meio eclesiástico-cristão atual estão em perene descredibilidade. Ou seja, os conselheiros cristãos não utilizam à bíblia nos seus conselhos, não são irrepreensíveis e nem possuem caráter ilibado e ainda por cima, como se não bastasse, são hipócritas e fazem uso de técnicas psicológicas pueris.
Estes males estão presentes no ambiente cristão como um todo – tanto no ambiente católico ou no ambiente evangélico a recíproca é verdadeira. Quer seja confessionário quer seja gabinete se tem visto pessoas reclamando da falta de confiança que deveria permear a relação entre conselheiro e aconselhado. Já se tem casos comprovados de católicos e evangélicos que procuram o líder da fé oposta para desabafar. Ou seja, há católicos procurando pastores para desabafar, pois não confiam nos seus respectivos padres. Como também há evangélicos procurando padres para o desabafo, pelo fato de não confiarem nos seus respectivos pastores. Logo, conclui-se, há escassez de irrepreensibilidade em ambos os credos. Com isso, há também a ausência da confiança, pois a confiança é proveniente da irrepreensibilidade. Jay Adams relata um dado interessante:
“[...] A disciplina deve ocorrer de forma integral com o aconselhamento. Deve ocorrer com três pessoas no mínimo – pois onde há dois ou três em meu nome ali estou em meio deles – O verdadeiro aconselhamento bíblico é aquele que o conselheiro e o aconselhado se reúnem em nome de cristo. E há que se espere a presença de Jesus como conselheiro chefe” [1]
Este breve comentário de um dos maiores especialistas na área remete ao que foi afirmado anteriormente – no aconselhamento cristão não se fala de si mesmo e sim de Cristo. Adams reconhece a pessoa de Cristo como sendo a principal neste processo tão salutar, que é de aconselhar tendo Cristo como molde. O conselheiro deve ter uma sensibilidade para reconhecer que ele é um mero instrumento, pois a personagem principal em todo procedimento atende pelo nome de Jesus Cristo – daí a nomenclatura de aconselhamento cristão. É por isso que Adams remete à importância de se ter três pessoas no ato do aconselhamento, a saber, o conselheiro o aconselhado e Cristo. Com isso o autor enfatiza a importância de orar antes de começar o aconselhamento, assim o aconselhado entenderá que o conselheiro não é autodidata e nem independente da atuação divina. Com esta atitude os pedidos para que Cristo esteja e seja o centro da conversa e que isso tenha como resultados algo que aponte para honra e a glória do próprio Cristo e não do conselheiro. Neste breve texto de Adams é notória a importância da disciplina, por sinal, outra prática escassa no ambiente cristão, e quando não, esta é imposta de forma arbitrária e com requintes de ostracismo. O que inviabiliza a prática do aconselhamento cristão, pois são duas coisas que andam lado a lado – disciplina e aconselhamento cristão.
Por fim, acredita-se que as principais características de um bom conselheiro cristão repousam na ênfase das Sagradas Escrituras e na pessoa de Cristo, além de não se pautar apenas pela boa vontade ou intenção, pois no reino de Deus boa intenção ou boa vontade nem sempre será suficiente. O bom conselheiro deve observar os preceitos divinos e não desobedecê-los (como Davi o fez acerca do translado da arca da aliança). Deve também ter sua vida pautada pela irrepreensibilidade o que gerará confiança na relação de conselheiro e aconselhado. E não deve fazer uso da política do faça o que digo, mas não faça o que faço. Também deve se afastar da hipocrisia e não deve fazer uso de práticas e conceitos psicológicos que não alcançam o caráter – quando muito, apenas costumes. Desta forma se poderá afirmar que o conselheiro é de fato um conselheiro cristão e não apenas um conselheiro qualquer. Logo, todo conselheiro cristão é um conselheiro, mas nem todo conselheiro é um conselheiro cristão.
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[1] ADAMS, Manual do conselheiro Cristão, p 18.