Por Franklin Ferreira
A crença
prevalecente na segunda metade do século 20 é que o homem está morto — e o
próprio Deus também morreu. A vida se tornou uma existência sem significado, e
o homem não passa de uma roda na engrenagem cósmica. O único escape passa por
um mundo de vazio existencial, drogas, absurdo, pornografia e loucura. Mas, a
responsabilidade da igreja não é apenas confessar as doutrinas básicas da fé
cristã — é seu dever comunicar essas verdades à sua geração.
Cada geração
de cristãos se defronta com o problema de aprender como falar ao seu tempo. É
um problema que não se pode resolver sem o entendimento do tempo presente, em
constante mudança, com que a igreja também se defronta. Para que consigamos
comunicar a fé cristã de modo eficiente, portanto, temos de conhecer e entender
o pensamento da nossa geração.
Francis
Schaeffer foi um dos principais pensadores evangélicos contemporâneos que
procurou compreender a cultura secular.
Compromisso com as Escrituras
Francis
August Schaeffer nasceu em 30 de janeiro de 1912, em Germantown, Pensilvânia,
nos Estados Unidos. Em 1930, ele se tornou cristão, depois de ler a Bíblia por
aproximadamente seis meses, começando em Gênesis. Casou-se com Edith Sevilha,
em 26 de julho de 1935 — Edith nascera na China, em 3 de novembro de 1914,
filha de missionários presbiterianos. Ela afirmou depois que, se alguém
quisesse saber por que Schaeffer se preocupa tanto com a Bíblia, bastaria saber
que ele, aos 17 anos de idade, com toda a sua sede de respostas aos
questionamentos da vida, começou a descobrir, por si mesmo, respostas adequadas
e completas diretamente na Bíblia.
Em setembro
de 1937, Schaeffer entrou no Seminário Teológico Westminster, ligado à igreja
presbiteriana ortodoxa, sendo profundamente influenciado pelos escritos de J.
Gresham Machen, Cornélius Van Til, Herman Dooyeweerd e Hans Rookmaaker.
Schaeffer recebeu a graduação no Seminário Teológico Faith, que ele tinha
ajudado a fundar, depois de uma divisão no Westminster, em 1937. Nesse
seminário, ele foi bastante influenciado por Allan MacRae. Foi ordenado em
1938, como pastor da Igreja Presbiteriana Bíblica, e serviu como pastor na
Pensilvânia e no Missouri durante dez anos.
Durante três
meses, em 1947, a família Schaeffer viajou pela Europa, para avaliar o estado
da igreja por lá, como representantes da Junta Independente para Missões
Estrangeiras Presbiterianas. Em 1948, Schaeffer se mudou para Lausanne, na
Suíça, com Edith e suas três filhas, para serem missionários. O trabalho deles
era principalmente de evangelização de crianças. Em 1949, eles se mudaram para
o Chalé les Frênes, na aldeia montanhosa de Champéry, na Suíça.
No inverno
de 1951, Schaeffer entrou numa profunda crise espiritual. Nesse período, ele
reconheceu que algo estava bastante errado e buscou reconsiderar com muito
cuidado seu compromisso cristão e as prioridades em sua vida. Ele emergiu dessa
experiência — que chamou de "um pequeno vislumbre da glória de Deus"
— com uma nova certeza sobre sua fé, uma nova ênfase na santificação e na obra
do Espírito Santo, e uma nova direção para sua vida, que se desdobraria durante
os próximos quatro anos.
Entre 1953 e
1954, eles viajaram pela região rural dos Estados Unidos, falando sobre
espiritualidade cristã — foram mais de 300 palestras ao longo de 500 dias. Durante
esse tempo, Schaeffer apresentou as ideias que cresceram durante sua crise
espiritual e que depois se tornaram o fundamento para seu importante livro,
Verdadeira espiritualidade. Em 1954, eles retornaram a Champéry, na Suíça.
Nesse mesmo ano, Schaeffer se uniu à Igreja Presbiteriana Reformada, uma
pequena denominação presbiteriana já existente. E em 1956 foi fundado o
Seminário Teológico Covenant — onde, desde 1989, funciona o Francis Schaeffer
Institute, que em meados de 1990 contava com mais de 500 alunos.
Missionários na Europa
Em abril de
1955, a família Schaeffer (com mais um filho) se mudou, então, para o Chalé lês
Mélèzes, em Huémoz, nos Alpes da Suíça, depois de receber o dinheiro necessário
para comprar essa propriedade, numa série de circunstâncias milagrosas — isso
marcou o começo informal da comunidade L’Abri (que significa refúgio, em francês).
O vilarejo
situa-se a mil metros acima do vale do Rhône, na estrada que vai a um famoso
centro de esqui. Na maioria, as pessoas que iam para L’Abri estavam
descontentes com suas idéias e buscavam respostas reais às próprias indagações.
Havia também muitos evangélicos que iam para lá com o desejo de ter mais
influência como cristãos na segunda metade do século 20. Em L’Abri viviam
jovens de todas as nacionalidades: japoneses, holandeses, africanos, alemães,
indianos, ingleses, sul-africanos, americanos, sul-coreanos e muitos outros.
Havia também ateus, agnósticos, existencialistas, além de hindus, judeus
praticantes e não praticantes, católicos, protestantes liberais, budistas e
todos aqueles que receberam influências do relativismo moderno. Como Schaeffer
disse:
Edith e eu
nos dedicamos a Deus com um propósito. Não desejávamos iniciar um ministério
evangelístico, [tampouco] um ministério entre jovens, ou para intelectuais ou
na área de dependentes de drogas. Nós simplesmente nos oferecemos a Deus e pedimos
que ele nos usasse para demonstrar que ele continua existindo na nossa geração.
Isso é tudo que o L'Abri representa; foi assim que tudo começou.
Em 1968, foi
publicado O Deus que intervém, o primeiro dos 23 livros de Schaeffer, baseado
em conferências realizadas no Wheaton Collège, nos Estados Unidos, em 1965.
Nesse livro, Schaeffer expôs o vazio do pensamento secular e da moderna
teologia, mas, muito mais do que isso, ofereceu a esperança de que o homem pode
encontrar de novo sua verdadeira personalidade e propósito, se voltar à Palavra
vivificadora que Deus nos revelou nas Escrituras. Ainda em 1968, foi lançada A
morte da razão. Nessa obra, Schaeffer ofereceu um panorama de como a arte e a
filosofia têm sido o espelho do dualismo existente no pensamento ocidental
desde o Renascimento. Hoje, esse dualismo se expressa no desespero que o homem
sente diante do racional, na sua fuga para um mundo irracional e místico, que é
o único que, aparentemente, oferece alguma esperança. Tal tendência pode ser
vista na literatura, na arte e na música, no teatro e no cinema, na televisão e
na cultura popular. Nas palavras de Schaeffer: "Hoje toda a nossa geração está presa ao irracionalismo, visto ter-se
afastado do ensino da Palavra de Deus". Em 1970, foi lançada A igreja
do final do século vinte, obra onde Schaeffer buscou descrever o ambiente
social no qual a igreja se encontrava.
Francis e
Edith Schaeffer realizaram, em janeiro de 1977, uma série de seminários em 22
cidades nos Estados Unidos, e nesse mesmo ano Francis ajudou a fundar o
Concílio Internacional sobre a Inerrância Bíblica, proferindo a palestra
"Deus dá ao seu povo uma segunda oportunidade". O testemunho claro
dos evangélicos reunidos no concílio foi que a doutrina da inerrância é a posição
cristã histórica, afirmando que as Escrituras são a Palavra de Deus, sem erro,
em todas as áreas que menciona. Ele disse em outro texto:
"É
preciso que a Bíblia seja considerada a Palavra de Deus, em tudo o que ela
ensina — tanto em questões de salvação quanto de história e ciência e
moralidade. E, se for fraca em qualquer uma dessas áreas, o que infelizmente se
aplica a muitos que se chamam evangélicos, estaremos destruindo o poder da
Palavra de Deus e colocando-nos a nós mesmos nas mãos do inimigo."
Em outubro
de 1978, foi diagnosticado um câncer em Francis Schaeffer, pela clínica Mayo,
em Rochester, Minnesota. Em dezembro de 1983, Schaeffer viajou em condições
críticas de saúde, da Suíça para a clínica Mayo. Ele pregou, numa última
excursão, em dez faculdades cristãs, durante março e abril de 1984, morrendo em
sua casa, em Rochester, Minnesota, em 15 de maio. No leito de morte, ele fez
esta oração final: "Querido Deus Pai, eu terminei meu trabalho. Por favor,
leve-me para casa. Estou cansado".
Em 1985, foi
publicado postumamente o Manifesto cristão, onde Schaeffer buscou apontar
direções para uma postura política equilibrada, centrada na Palavra de Deus.
Um novo modelo de defesa da fé
Cornélius
Van Til foi o grande responsável pela tentativa de mudar o foco do debate com
pensadores não-cristãos sobre a existência de Deus e a validade das
reivindicações cristãs, focalizando-o na viabilidade e na coerência das
posições não-cristãs. Ele argumentou que o pensamento não-cristão não consegue
responder aos problemas fundamentais da vida e da filosofia, e que toda
filosofia não-cristã não passa de uma tentativa de fugir de Deus. Van Til era
um apologista proposicional. Essa abordagem reconhece que nenhum fato,
histórico ou não, pode ser interpretado de maneira coerente sem pressupor a fé
no Deus trino — infinito e pessoal —, como revelado na Escritura.
Por exemplo,
ao lermos as Escrituras avançamos a partir das pressuposições reveladas na
Escritura, através das proposições das Escrituras até as conclusões da
Escritura. Isso não é neutro nem objetivo. Mas, metodologicamente, não podemos
esperar que sequer entendamos, e muito menos que aceitemos a mensagem da
Escritura se impusermos pressuposições estranhas a ela. Devemos, portanto,
permitir que nosso pensamento, pelo menos temporariamente, seja moldado pelas
pressuposições da Escritura, a fim de entendê-la.
Colin Brown
considera que existem lacunas no pensamento de Van Til. Mas que, mesmo assim,
ele deu passos importantes em direção a uma apreciação filosófica da religião
bíblica. Sua discussão de pressupostos e sua lembrança de que os homens não
precisam da comprovação da existência de Deus, por já terem consciência dele,
são de máxima importância.
Schaeffer,
que em grande medida estava seguindo Van Til, procurou demonstrar a necessidade
de pressupor a existência e a realidade de Deus, visto que negar sua existência
significa negar tudo o que é verdadeiro e significativo. Como ele disse: "Portanto, para nós agora, mais que em
qualquer época, a apologética pressuposicional é imperativa". Ele
argumentou que os não-cristãos não vivem — e não podem viver — de modo
inteiramente coerente com suas pressuposições ateístas, que são inadequadas
para justificar a existência humana. Somente o cristianismo "pode ser vivido [coerentemente], tanto na
vida cotidiana como na busca da erudição". Ele entendia que nenhum
fato é auto-evidente: todos os fatos são interpretados e podem ser entendidos
de modo adequado apenas no contexto de uma cosmovisão. O papel da
não-contradição também foi enfatizado, já que ele faz parte da imagem de Deus
com a qual fomos criados. Ele acreditava que as pessoas procuravam uma fuga da
razão. Como consequência, todas as cosmovisões não-cristãs são incoerentes.
O seguinte
incidente ilustra esse modelo apologético: certo dia, Schaeffer estava
conversando com um pequeno grupo de estudantes no quarto de um aluno
sul-africano, na Universidade de Cambridge, quando um jovem hindu começou a atacar
veementemente o cristianismo, sem, no entanto, "entender os problemas reais relacionados às suas próprias convicções".
Schaeffer voltou-se para o estudante indiano e disse: "Não é verdade que, se admitirmos o seu
sistema, não fará nenhuma diferença, em última instância, se sou ou não sou
cruel, pois não há diferença essencial entre as duas?". O estudante
concordou que isso era verdade. Os outros alunos ficaram chocados com essa ideia.
Mas o aluno em cujo quarto eles estavam reunidos pensou rápido; pegou uma
chaleira com água fervendo e inclinou-a, de forma ameaçadora, sobre a cabeça do
estudante indiano. Quando o hindu quis saber o que ele pensava estar fazendo, o
estudante simplesmente respondeu: "Não
há diferença entre crueldade e não-crueldade". Em silêncio, o jovem
hindu se levantou e saiu do quarto.
Todas as
pessoas têm alguma consciência de Deus (Rm 1.18-32). Como Schaeffer disse:
"Toda pessoa com quem falamos, seja
a balconista ou o universitário, tem um conjunto de pressuposições, quer os
tenha analisado ou não". Consequentemente, quando evangelizamos,
podemos saber que, no fundo do coração, eles têm consciência da existência de
Deus. Não existem ateus genuínos, pois os que assim se dizem desejam
convencer-se de que Deus não existe.
Tanto para
Van Til como para Schaeffer, a apologética começa no momento em que o incrédulo
levanta objeções e dúvidas à palavra pregada. O apologista deve responder e
refutar as objeções com amor e erudição, primeiro para dar respostas honestas
às dúvidas do incrédulo, e, segundo, para evitar que elas atrapalhem a fé dos
cristãos. Contanto que as dúvidas do incrédulo sejam sinceras e honestas,
deve-se responder. Os dois usavam a apologética para mostrar ao incrédulo que a
sua vida sem Cristo é irracional e sem sentido e que ele deve entregar-se a
Jesus. Quando as objeções do não-crente se tornam obstinadas e insinceras —
quando ele não quer respostas de verdade, mas usa as objeções como desculpa
para fugir da verdade —, é melhor terminar a discussão e deixá-lo com o comando
de Deus para se arrepender e crer no evangelho. Não obstante, mesmo nesse caso,
é bom refutar os argumentos do incrédulo para benefício do povo de Deus, para
que não permaneça nenhuma dúvida quanto ao fato de que o cristianismo é a única
opção que não destrói toda racionalidade e significado da vida do ser humano.
Ser cristão
no final do século 20
Francis
Schaeffer teve uma compreensão especial da mentalidade do século 20,
identificando-se com as pessoas influenciadas por tal mentalidade. Ele buscou
demonstrar como as novas filosofias e teologias se encaixavam na complexa
história do pensamento e da cultura moderna. Em outras palavras, ele buscou
oferecer uma visão panorâmica do pensamento ocidental e oriental, e em como ele
afetava o pensamento cristão e não-cristão. Isso era algo que poucos
evangélicos faziam: explicar as respostas que a fé cristã oferece aos maiores
dilemas do homem.
A grande
força do pensamento de Schaeffer é que não foi produzido num gabinete de
estudos, mas durante uma constante exposição às dúvidas e perplexidades de
indivíduos provenientes dos mais variados meios. J. I. Packer lhe rendeu o
seguinte tributo:
"Que
importância terá Schaeffer para a causa cristã a longo prazo? [...] Meu palpite
é que os seus esboços verbais e visuais, que me parecem simples porém
brilhantes, sobreviverão a tudo o mais, mas eu posso estar enganado. O que é
certo para mim, entretanto, é que eu não estaria totalmente errado em
homenagear Francis Schaeffer, o pequeno pastor presbiteriano [...], como um dos
verdadeiramente grandes cristãos do meu tempo."
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Fonte: http://www.labri.org.br/