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18 de nov. de 2014

A Última Tentação

Por Jonas Madureira

Cheguei! — disse Frodo. — Mas agora minha escolha é não fazer o que vim para fazer. Não vou realizar este feito. O Anel é meu! — E de repente, colocando-o no dedo, desapareceu. — J. R. R. Tolkien, O Retorno do Rei (terceira parte de “O Senhor dos Anéis”), São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 293

Ao longo da vida, passamos por diversas tentações, mas nenhuma delas é mais terrível do que a “última tentação”. Entretanto, o que mais me espanta é saber que não apenas passamos por diversas tentações, mas por várias “últimas tentações”.

Explico. As tentações dependem sempre de uma missão. E cada missão tem a sua própria duração. Algumas missões duram décadas, outras apenas algumas horas ou frações de minutos. Assim, dizer que nossas missões têm uma duração não é outra coisa senão dizer que elas têm começo, meio e fim. Por outro lado, as tentações representam todas as múltiplas formas potencialmente capazes de fazerem de tudo para impedir que a missão se realize do começo ao fim. Por isso, é bastante perturbador descobrir que vencer as tentações no início de uma jornada não é suficiente. É preciso vencê-las até o fim.

Entendo que a “última tentação” acompanha o último e derradeiro desafio que precisamos atravessar para concluirmos uma missão. Parece-me que nem mesmo Jesus foi privado desse enredo existencial. No evangelho segundo Mateus, descobrimos que Jesus foi tentado logo no início de seu ministério (Mt 4.1-11). Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, justamente quando estava para concluir o período de jejum, Jesus teve fome. Ali, naquela hora de fragilidade, instaurou-se o último desafio e com ele a “última tentação”. Certamente, o objetivo das três tentações não era meramente transformar pedra em pão, dar ordens aos anjos ou prostrar-se diante de Satã. Pelo contrário, o objetivo era fazer com que Jesus realizasse a sua própria vontade, dando ordens para mudar o estado de coisas, ou seja, para fazer com que tudo fosse feito conforme a sua vontade e não a do Pai.

Bem mais adiante, no final do seu ministério, como Mateus faz questão de enfatizar, Jesus é mais uma vez tentado, e justamente quando está prestes a cumprir a mais importante missão que Deus já conferiu a alguém. Na companhia de alguns discípulos (Pedro e os dois filhos de Zebedeu, Mt 26.37), ele se retirou para o Getsêmani, o jardim das aflições. Lá, ele se angustiou profundamente e orou ao Pai, dizendo: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres.” (Mt 26.39).

O último desafio daquela missão era terrível, pois exigia não apenas a sua morte, mas a sua mais terrível humilhação. Depois do jardim, aquele que é o Senhor do universo, seria espancado, cuspido e ridicularizado no Sinédrio (Mt 26.59-67); seria amarrado como um animal, arrastado até Pilatos, que ordenaria açoitá-lo com os requintes de crueldade da guarda pretoriana (Mt 27.26); mais adiante, no Pretório, seria desnudado, ridicularizado, coroado com espinhos que perfurariam sua cabeça; por fim, ao som da zombaria, seria crucificado ao lado de dois ladrões (Mt 27.32-44). É inegável que Jesus tinha todas as razões do mundo para se angustiar naquele jardim (Mt 26.37,38). Mais do que ninguém, Jesus sabia muito bem que a “última tentação” era ser dominado pelo ímpeto de fazer a própria vontade em vez de cumprir a vontade de Deus.

Agora, no jardim das aflições, como era de se esperar, surge a “última tentação”. Para vencê-la, Jesus resolve orar. Sua oração é um exercício de autodeterminação em favor da submissão à vontade de Deus. Orar, clamando pelo livramento da cruz, configuraria uma fuga da missão. É por isso que, em oração, Jesus resiste a tentação de orar por livramento. Clamar pelo livramento da cruz seria suplicar pela destruição da missão! Em vez de fazer a sua própria vontade, Cristo resolveu, portanto, fazer não o que ele queria, mas o que ele veio para fazer.

Se você se lembra bem desse episódio, então, se recordará de como Pedro, ao contrário de Jesus, caiu em tentação. Jesus havia dito para ele e os outros discípulos: “Vigiem e orem para que não caiam em tentação.” (Mt 26.41). Em vez de orar, Pedro e os demais dormiram. E isso aconteceu não uma, mas três vezes! Você deve estar se perguntando: como Pedro caiu em tentação? Você se lembra que quando Judas apareceu no jardim e beijou Jesus, este era o sinal que Malco, o servo do sumo sacerdote (Jo 18.10), precisava para prendê-lo? Se você se lembra bem disso, então, é possível que se recorde também da reação de Pedro. Quando Malco colocou a mão em Jesus para prendê-lo, Pedro sacou sua espada e, com um golpe desastroso, decepou a orelha de Malco. Foi desastroso porque o objetivo de Pedro não era obviamente arrancar a orelha, mas sim a cabeça de Malco! Deixando de lado as idiossincrasias de Pedro, o que importa é a exortação de Cristo:

“Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão. Você acha que eu não posso pedir a meu Pai, e ele não colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos? Como então se cumpririam as Escrituras que dizem que as coisas deveriam acontecer desta forma?” (Mt 26.52-54).

Defender Jesus contra aqueles que o agridem pode até parecer uma demonstração de coragem, mas, na verdade, pode também não passar de uma demonstração de covardia. Somos corajosos o suficiente para fazer o que queremos e demasiadamente covardes para fazer o que Deus quer. E quando falta coragem para fazer a vontade de Deus, sobra a covardia, que nos faz cair em tentação. Na “última tentação”, não somos vencidos por Satã, mas por nós mesmos.

Na trilogia “O Senhor dos Anéis”, quando Frodo, o hobbit responsável por destruir o Anel, está prestes a concluir a sua missão, ele também cai em tentação:

“Cheguei! — disse Frodo. — Mas agora minha escolha é não fazer o que vim para fazer. Não vou realizar este feito. O Anel é meu! — E de repente, colocando-o no dedo, desapareceu.”

Enfim, o que é isso que, em nós, cresce como uma correnteza nos arrastando para longe do cumprimento da nossa missão? Acredito que essa correnteza seja a nossa vontade de poder. Queremos dar a cartada final de nossas vidas. Queremos ser senhores do nosso destino. E se por alguma razão descobrimos que não podemos realizar tal façanha, então, estamos ao menos dispostos a fazer de tudo para, pelo menos, nos sentirmos no controle da situação.

Outro exemplo bíblico que me vem à mente é o do profeta Jonas. Não é à toa que o profeta comprou o bilhete para Társis. Não se tratava apenas da manifestação corajosa de alguém dar um norte para a vida, diferente do norte dado por Deus. Há em Jonas uma disposição para fazer o que ele quer, porque há em Jonas, como em todos os homens, uma disposição para cair em tentação. Cair em tentação não é subverter nossa natureza. Pelo contrário, a verdadeira subversão está no cumprimento da vontade de Deus justamente quando as forças externas (tentações) e internas (vontades e desejos) são como uma correnteza que nos arrasta para longe da face do Senhor.

É preciso resistir as tentações e principalmente a “última tentação”. Você será mais tentado quando estiver prestes a realizar a sua missão do que quando estiver dando os primeiros passos! Jesus nos ensinou a vencer a tentação tanto no início como principalmente no fim, nos ensinando que resistir à Satã é se submeter à Deus. Como bem disse Dietrich Bonhoeffer, a vitória sobre a tentação conta com a capacidade de discernirmos a mão de Satã e a mão de Deus. Em suas palavras:

“Na tentação concreta do cristão, sempre é preciso distinguir a mão do diabo e a mão de Deus. Estão em jogo, portanto, a resistência e a submissão no lugar certo, ou, em outras palavras: a resistência contra o diabo só é possível na total submissão sob a mão de Deus.” [Tentação, São Leopoldo: Sinodal, 2003, p. 44]
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