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17 de jun. de 2016

A perigosa interpretação de Mateus 24.36 feita pelo Pr. Marcos Granconato

Por Thiago Oliveira

Recentemente deu-se uma polêmica envolvendo o pastor batista Marcos Granconato, devido a um vídeo em que o mesmo fala que Jesus não é onisciente quando se considerado as relações intratrinitárias, limitando sua onisciência às relações extratrinitárias. Em outras palavras, Granconato disse que Jesus só seria onisciente na relação da Trindade com as coisas criadas, pois, segundo o mesmo diz em sua mensagem, Deus-Pai guardou certas coisas apenas para si. Alguns o acusaram de heresia, já outros foram mais brandos, discordando de sua posição, todavia não o chamando de herege. O fato é que o Granconato foi infeliz em afirmações, ditas ao expor o difícil texto de Mateus 24.36, que diz o seguinte: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai”. Mais à frente voltarei a esse texto, mas antes gostaria de dizer o porquê considero o ensino do Marcos Granconato perigoso.

Dizer que Deus-Pai guarda coisas para si que não são reveladas ao Deus-Filho, inferioriza Jesus.  Ele não poderia ser uma divindade da mesma “estatura” do Pai, já que não seria onisciente por completo, sendo que a onisciência é um atributo divino. Mas, a máxima cunhada por Tertuliano, que foi reafirmada pela ortodoxia cristã diz “uma substância, três pessoas”. Por substância, devemos entender que é o elo incomum entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, no qual se baseia a unidade da Trindade. É devido à substância ser a mesma que não ocorre uma divisão entre as três pessoas da Deidade, gerando uma unidade na diversidade. Assim, Pai, Filho e Espírito Santo desempenham papéis diferentes no plano de salvação (Trindade econômica), sem que haja a perda dessa unidade.

Após Tertuliano, talvez Agostinho de Hipona tenha sido o teólogo que mais contribuiu com a doutrina trinitária, principalmente na tradição ocidental. Ele então afirma que não se pode subordinar (ontologicamente) as pessoas da Trindade. Na eternidade eles são iguais em atributos, poder e glória. Portanto, se afirmarmos, como fez o Granconato, que Deus-Pai retém algum conhecimento para si, logo, caímos no equívoco da subordinação eterna. Contudo, como defende Berkhof[1], a natureza divina é indivisível, isto é, seus atributos estão presentes de maneira igual entre todas as pessoas da Trindade. Franklin Ferreira até recomenda rejeitarmos a prática de enumerar os membros da Deidade (e.g. Jesus é a segunda pessoa da Trindade) e diz que a razão para não fazermos isso está na indivisibilidade da natureza divina, inexistindo subordinação entre elas. Logo, embora sendo três personas distintas, elas não se somam[2].

Granconato, frente ao que já foi exposto, ainda pode argumentar que isso não resolve a dificuldade presente no texto de Mateus 24.36. O que é verdade. Mas o ponto aqui deveria ser o seguinte: no afã de responder esse mistério, é válido prejudicar a doutrina trinitariana? Pois, se a Trindade é o cerne da adoração cristã, não podemos ter uma compreensão equivocada da mesma. Embora reconhecendo que o assunto é complexo, podemos subir “nos ombros de gigantes” e falar sobre a Trindade sem que a plena igualdade de seus membros seja distorcida. [3]

Para interpretarmos Mateus 24.36, a teoria da kenosis não seria a melhor resposta, como alguns deram ao Granconato em debates nas redes sociais. Pois, dizer que Cristo se esvazia, no sentido de deixar de ter seus atributos, seria o mesmo que afirmar que ele não mais teria a substância que concede unicidade à Trindade. O esvaziamento a que a Escritura se refere (vide Fp 2.6-8) não é referente a atributos, mas sim a posição de Cristo, que sendo igual a Deus-Pai em soberania e glória, encarna, e num estado de humilhação se coloca em condição de subserviência.

Então, para sermos coerentes com a doutrina reformada da unipersonalidade de Cristo, presente nas confissões e catecismos, que dizem existir no Salvador duas naturezas, divina e humana, na mesma pessoa, isto é, não são duas pessoas, mas apenas uma que comporta concomitantemente o status divino-humano, devemos observar a contribuição do extra-calvinisticum[4]. A contribuição em questão, que foi o ponto de discordância entre calvinistas e luteranos, diz, em suma, que os atributos divinos não devem ser limitados pela encarnação. Embora haja completa divindade no Verbo encarnado, pois a natureza divina se uniu a natureza humana numa mesma pessoa, seus atributos não estão confinados na carne, eles estão presentes dentro e fora do corpo de Cristo. Por isso que quando Cristo morre na cruz, a divindade não morreu, pois, a natureza divina não participa da fraqueza humana. Assim como também, as limitações da natureza humana não alcançam os atributos divinos. Por isso que Cristo foi limitado circunstancialmente, mesmo que na sua eterna essência ele nunca tenha deixado de lado a sua onisciência. Esta é uma posição que se enquadra com os postulados de Calcedônia e que faz jus ao fato de Cristo responder que não sabia o futuro, todavia sem deixar de ser onisciente.

Para ficar mais claro, tomemos outro atributo como exemplo: a onipresença. Quando Jesus, em sua forma corpórea deslocava-se de um lugar para o outro, não seria ele, como membro da Trindade, um ser onipresente?  O conceito extra-calvinisticum vai dizer que mesmo ele ascendendo aos céus corporalmente, e estando à destra do Pai, se faz presente na ceia. Logo, a encarnação não pode delimitar a divindade de Cristo. Vejamos o que nos diz o Catecismo de Heidelberg:

Pergunta 47- “Mas não está Cristo conosco até o fim do mundo, como nos prometeu?”

Resposta - “Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem; quanto à sua natureza humana, agora já não está na terra; mas, quanto à sua divindade, majestade, graça e espírito, em nenhum momento está ausente de nós.”

Pergunta 48 – “Se a sua humanidade não está onde quer que esteja a sua divindade, então não estão as duas naturezas de Cristo separadas uma da outra?”

Resposta - “Certamente não. Visto que a divindade não está limitada e está presente em toda parte, fica evidente que a divindade de Cristo está certamente além dos limites da humanidade que ele tomou, mas ao mesmo tempo sua divindade está em e pessoalmente permanece unida à sua humanidade.”

Como bem observa o Dr. Heber Campos[5]Segundo o pensamento reformado, o Logos está no Cristo total, mas a natureza divina do Logos extrapola os limites físicos da natureza humana”. Pois, o infinito não cabe no finito. Se esta não é uma resposta totalmente  satisfatória, é de longe a melhor resposta para lhe dar com a dificuldade em questão, pelo simples fato de não trazer prejuízo a cristologia, e nem desembocar numa concepção equivocada da Trindade.

Concluo dizendo que entendo a complexidade do assunto e que todo teólogo está sujeito a dar suas “escorregadas”. O pastor Marcos Granconato é alguém teologicamente gabaritado e que possui anos e anos de labor ministerial, contudo, não está imune aos erros. No entanto, acredito que ele tenha escolhido muito mal a sua resposta frente a uma questão difícil. Talvez, diante da dificuldade de expor o texto, seria melhor apenas dizer que a questão da união hipostática é um mistério inefável, para usar palavras do próprio Calvino. E não negar a ontológica onisciência do divino Logos, como preferiu. Não apenas por sua imagem, mas por zelo pela sã doutrina, cairia bem uma revisão de sua concepção, reconhecendo que seu ensino abre um precedente muito perigoso que pode resultar em noções heréticas da doutrina trinitária. 

***
P.S. Gostaria de esclarecer três coisas: A primeira delas é que optei por fazer um texto breve, por achar mais propício devido à densidade do assunto. A segunda é que o Granconato é um irmão em Cristo, não o trato como um adversário. E por fim, não tenho a mínima intenção de gerar um debate cheio de desdobramentos, portanto, esse texto será o único em que exponho o que outros autores já expuseram com maestria. Destaco aqui o Dr. Heber Campos e suas obras sobre a união hipostática das naturezas de Cristo. 


[1] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Ed. Cultura Cristã, p.84.

[2] Franklin Ferreira usa como referência a obra de Basílio de Cesaréia para defender a plena igualdade entre a trindade. Veja em: https://www.youtube.com/watch?v=bfmLE6SjpLI.

[3] Mesmo havendo alguns teólogos renomados que defendem uma subordinação ontológica, como o Wayne Grudem e Bruce Ware, isso não pode ser tomado como argumento favorável. John Stott, um dos mais eminentes e profícuos teólogos do século XX, defendeu o aniquilacionismo, e nem por isso a ideia ortodoxa do castigo eterno foi flexibilizada apenas porque o Stott ensinou o oposto.

[4] Um ótimo texto sobre o Extra-Calvinisticum escrito pelo Rev. Alan Rennê Alexandrino está disponível em http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=370.

[5] CAMPOS, Heber Carlos de. A União das Naturezas do Redentor. Ed. Cultura Cristã, p.284. 

15 de jun. de 2016

Apologética para quê?

Por Thomas Magnum

A defesa da fé ocupa lugar importante na teologia cristã. Numa leitura ainda que superficial na história do pensamento cristão, rapidamente notaremos o trabalho da apologética, e da polemica, no trabalho teológico de pensadores cristãos como Agostinho, Atanásio, Justino, Tomás de Aquino, Lutero, Calvino e segue-se uma lista infindável de teólogos que empenharam-se na defesa da fé cristã.


A apologética não deve ser escrava do orgulho humano, nem tão pouco ferramenta para um labor pecaminoso, a apologética deve ser uma serva da Palavra de Deus, uma ferramenta para a evangelização e para proteção doutrinária do rebanho de Cristo. É bem verdade que a apologética causa, de certa forma, sedução aos incautos, não por culpa dela mesma, mas por uma má compreensão do que ela é, e de qual é sua finalidade no trabalho teológico.


A defesa da fé é um trabalho de teologia pública, é um derramar teológico para convencimento por meio da Sagrada Escritura e seguidamente por evidências que corroboram o que diz a Palavra a respeito de um pressuposto da fé.


A apologética mal utilizada é uma espada na mão de um bebê. Um coração orgulhoso, iracundo, impiedoso, que não usa o conhecimento teológico para glória inaudita de Deus não sabe para que serve a apologética. Talvez ela até seja instrumentalizada por uma mente brilhante, mas, uma mente brilhante sem uma alma humilhada é um tumor epistemológico.


Com isso, nesse quase aforismo que escrevo, posso finalizar dizendo quatro coisas sobre a atividade apologética:


1. Ela deve ser serva da teologia;

2. A finalidade da teologia é a glória de Deus, não a nossa;

3. A proclamação teológica para glória de Deus produz missões;

4. O debate pelo debate é exibicionismo pecaminoso.


Concluo dizendo que apologética é o que disse o apóstolo:


Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós...
1 Pedro 3.15

13 de jun. de 2016

Desfrutando da Vitalidade do Amor (1 João 3:11-24)

Por Thiago Oliveira

Texto Base: 1 João 3:11-24

11. Esta é a mensagem que vocês ouviram desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. 12. Não sejamos como Caim, que pertencia ao Maligno e matou seu irmão. E por que o matou? Porque suas obras eram más e as de seu irmão eram justas. 13. Meus irmãos, não se admirem se o mundo os odeia. 14. Sabemos que já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte. 15. Quem odeia seu irmão é assassino, e vocês sabem que nenhum assassino tem vida eterna em si mesmo. 16. Nisto conhecemos o que é o amor: Jesus Cristo deu a sua vida por nós, e devemos dar a nossa vida por nossos irmãos. 17. Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? 18. Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade. 19. Assim saberemos que somos da verdade; e tranquilizaremos o nosso coração diante dele 20. quando o nosso coração nos condenar. Porque Deus é maior do que o nosso coração e sabe todas as coisas. 21. Amados, se o nosso coração não nos condenar, temos confiança diante de Deus 22. e recebemos dele tudo o que pedimos, porque obedecemos aos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada. 23. E este é o seu mandamento: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo e que nos amemos uns aos outros, como ele nos ordenou. 24. Os que obedecem aos seus mandamentos permanecem nele, e ele neles. Deste modo sabemos que ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu.


Introdução

Após falar sobre as bênçãos e os deveres dos filhos de Deus para com o seu Senhor, o apóstolo João fala acerca do amor para com o próximo. Isso nos remete aos dois maiores mandamentos, ensinados por Cristo (Mt 22:36-40), que por sua vez, remetem as duas tábuas da lei, uma que representa nosso dever para com Deus e a outra o nosso dever para com os nossos semelhantes.  Passaremos então a focalizar o amor ao próximo e deste tema discorreremos cientes de que é um assunto que não pode ser fixado em nossas mentes sem que desça até o coração e do coração faça com que as nossas mãos se disponham a auxiliar nossos irmãos.

O Amor e a Vida (11-15)

João relata que a mensagem do amor é antiga, sendo revelada desde o princípio. O próprio já havia tocado na questão e parece querer que seus leitores se lembrem disso (ver cap. 2. V 7). Em seguida, passa a comparar os que não amam com aquele que foi o primeiro assassino na história humana, a saber, Caim, que matou seu próprio irmão. Este homicídio, retratado logo após o relato da Queda, demonstra que o ódio que Caim sentiu por seu irmão o levou a cometer uma violência que ceifou a vida de Abel. João interpreta a motivação do crime: Caim odiou a Abel porque o segundo era justo, i. é., reto. A retidão do seu irmão lhe causava um sentimento repugnante, pois, ela desvelava toda a perversidade que Caim não queria que ficasse tão nítida. Vem então o verso 13 e diz que os crentes não devem se surpreender se o mundo também os odiar, pois, os santos deste mundo se assemelham a Abel e chamam para si as atenções do mundo que é mau e jaz em trevas, e por isso deseja eliminar os que iluminam e deixam à mostra sua podridão. A palavra epistolar está de acordo com o evangelho de mesma autoria: “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas”. João 3:20

Os portadores do ódio, que contrasta com o amor, estão mortos espiritualmente. Logo, quem ama tem vida. O cristão não pode pagar mal com mal. Está escrito: “Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem” Romanos 12:21. João chama todo aquele que não ama o seu próximo de assassino e lembra que este que tira a vida, também não a tem. São verdadeiras as palavras do escritor Mark Twain: “O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar”. Por isso que o amor e a vida andam de mãos dadas e não podem se divorciar. Como legítimos filhos de Deus, precisamos ter amor perante os nossos semelhantes.

O Amor e a Verdade (16-20)

Estamos acostumados a lidar com o amor de maneira romântica, sentimentalista, talvez isto seja resultado dos artefatos culturais tais como livros, filmes, novelas. Mas, para o Cristianismo o amor ultrapassa a esfera sentimental. O amor bíblico não é abstrato, mas sim, concreto. Foi o amor que fez com que Cristo se entregasse na cruz pelos que são seus. O amor deriva em ação. Por isso o exemplo é acerca do irmão que está passando por necessidade. Ora, se temos recursos para prover o próximo e não o disponibilizamos, não podemos ser hipócritas e dizer que o amamos, pois, se amássemos, agiríamos de uma forma que supriria as suas necessidades.

Amar de verdade é permanecer na presença da Verdade, e sabemos que Jesus Cristo é a verdade (Jo 14.6). O trecho que diz para nós tranquilizarmos o coração diante dEle é uma referência ao divino. A frase quer dizer que se nós amamos verdadeiramente, estaremos conectados a Cristo e isso tranquiliza o coração pelo fato de que essa conexão nos garante a vida eterna. Quando nosso coração nos acusa, isso revela mudança que advém do Santo Espírito. Deus sonda corações e sabe o que se passa em nosso íntimo. Logo, ele saberá distinguir quando o amor é da boca para fora de quando o amor flui do mais fundo recôndito do coração humano, seguindo o altruísmo encarnado de Cristo, que amava por meio de ações concretas.

O Amor e as Bênçãos (21-24)

Ainda tratando sobre a consciência, João demonstra o alento dos que possuem a consciência tranquila, e por isso, podem desfrutar de bênçãos que advém do próprio Deus. O apóstolo estimula a nos aproximarmos do SENHOR com confiança. Simon Kistemaker ao comentar o verso 21 deste texto diz o seguinte: “Se sua consciência está tranquila, a avenida para o trono da graça está aberta”. E por isso João nos brinda com a preciosa promessa de termos as nossas orações respondidas. Atentemos que aqui não há uma doutrina que estabelece que Deus nos dará tudo aquilo que pedimos. De maneira alguma Ele faria isso, pois, como nosso Pai, e nosso Senhor, sabe que nem tudo o que pedimos é bom, tanto na essência quanto na motivação. João diz que “já recebemos” e não que “receberemos”. Aquele que está em conformidade com a Palavra do Senhor é por Ele abençoado com toda sorte de bênçãos espirituais nas regiões celestiais (Ef 1.3).

Obedecer aos mandamentos não faz com que tenhamos acesso as bênçãos celestiais como se as alcançássemos por mérito. A obediência é resultante do amor e da gratidão que temos para com Deus. Dos mandamentos que devemos observar, o apóstolo João frisa duas coisas essenciais que são marcas indeléveis dos cristãos: Fé em Cristo e amor o próximo. Sem fé, é impossível agradar a Deus (Hb 11.6), mas não é apenas isso. Paulo em I Coríntios (Cap. 13) nos lembra também que sem amor, a fé não tem valor. Que cumpramos os seus estatutos sem peso, mas com júbilo. Assim procedendo, temos uma certeza: “sabemos que ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu”. E não existe benção maior que esta!

Aplicações

Exerço uma fé vívida que me faz amar ao meu próximo, ao ponto de sacrificar-me em prol dele?

E o meu amor tem saído da esfera abstrata, tomando forma e resultando em fazer o bem para o meu semelhante?

Tenho desfrutado do amor e da bondade do Pai celestial, ciente de que sou muito abençoado por tê-lo comigo e obedecer aos seus mandamentos?


10 de jun. de 2016

Evangelismo e Apologética

Por Greg L. Bahnsen

O motivo pelo qual os cristãos são colocados na posição de apresentar a razão da esperança que neles há é que nem todos os homens têm fé. Porque há um mundo a ser evangelizado (homens que não são convertidos), há a necessidade de que o crente defenda sua fé: evangelismo conduz naturalmente à apologética. Isso indica que apologética não é mera questão de “duelo intelectual”; é uma séria questão de vida e morte — vida e morte eterna. O apologeta que falha em perceber a natureza evangelística de sua argumentação é cruel e arrogante. Cruel porque ignora a principal carência de seu oponente, e arrogante porque está mais preocupado em demonstrar que ele não é um tolo acadêmico do que em mostrar que toda glória pertence ao gracioso Deus de toda a verdade. Evangelismo nos faz lembrar quem somos (pecadores salvos pela graça) e do que carecem nossos oponentes (conversão de coração, não apenas modificação proposições modificadas). Acredito, portanto, que a natureza evangelística da apologética nos indica a necessidade de adotar uma defesa pressuposicional da fé. Em contraste a essa abordagem se colocam os vários sistemas de argumentação autônoma neutra.

Algumas vezes ouve-se, na área da erudição cristã (seja no campo da história, da ciência, da literatura, da filosofia ou em qualquer outro), a demanda por uma postura neutra, uma atitude não comprometida com a veracidade das Escrituras. Com freqüência, professores, pesquisadores e escritores são levados a pensar que, para serem honestos, devem pôr de lado todo comprometimento distintamente cristão quando estudam uma área que não esteja relacionada diretamente aos assuntos da adoração dominical. Eles raciocinam que, visto que a verdade é verdade onde quer que possa ser encontrada, as pessoas devem ser capazes de buscar a verdade pela orientação dos grandes pensadores de cada área, ainda que esses tenham uma perspectiva secular. “É realmente necessário considerar os ensinamentos bíblicos se você quer entender corretamente a guerra de 1812, a composição química da água, as peças de Shakespeare ou as regras da lógica?” Esse é o questionamento retórico deles. Daí surge a demanda por neutralidade no reino da apologética. Alguns apologetas dizem que deixariam de ser escutados pelo mundo descrente se abordassem a questão da veracidade das Escrituras com uma resposta preconcebida. De acordo com essa perspectiva, devemos estar dispostos a abordar o debate com descrentes com uma atitude comum de neutralidade — uma atitude “ninguém sabe até agora”. Inicialmente, devemos assumir o mínimo possível, é o que nos dizem; e isso significa que não podemos assumir premissas cristãs ou ensinamentos bíblicos. Assim, o cristão é chamado a abrir mão de suas crenças religiosas distintivas, a “deixá-las na estante” temporariamente, a assumir uma atitude neutra em seu pensamento. Satanás adoraria que isso acontecesse. Mais do que qualquer outra coisa, isso evitaria a conquista do mundo para crer em Jesus Cristo como Senhor. Mais do que qualquer outra coisa, isso faria dos cristãos professos impotentes em seu testemunho, ineficazes em seu evangelismo e incapazes em sua apologética.

O apologeta neutralista deveria refletir sobre a natureza do evangelismo; tal reflexão demonstra que (pelo menos) nas seis seguintes formas, o evangelismo requer uma apologética pressuposicional.

Na tentativa de levar boas novas ao mundo descrente, o neutralista é privado de seu tesouro.  Contrária à demanda por neutralidade, a palavra de Deus demanda lealdade sem reservas a Deus e sua verdade em todo o nosso pensamento e busca por instrução. E o faz por uma boa razão.

Paulo declara infalivelmente em Colossenses 2.3-8 que “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” em Cristo. Note que ele diz estarem depositados na pessoa de Cristo toda sabedoria e conhecimento — seja sobre a guerra de 1812, a composição química da água, a literatura de Shakespeare ou as leis da lógica! Toda atividade acadêmica e todo pensamento devem ser relacionados a Jesus Cristo, porque Jesus é o caminho, a verdade e a vida (Jo. 14.6). Assim, evitar Cristo em seu pensamento, em qualquer ponto, é estar enganado, entregue à falsidade e morto espiritualmente.

Pôr de lado seus comprometimentos cristãos ao defender a fé é desviar-se voluntariamente do único caminho para a sabedoria e a verdade encontradas em Cristo. Temer o Senhor não é o fim ou o resultado do conhecimento; é o princípio do conhecimento reverenciá-lo (Pv. 1.7, 9.10). Paulo chama nossa atenção para a impossibilidade da neutralidade, a fim de que ninguém nos “engane com raciocínios falazes”. Ao contrário, devemos, como exorta Paulo, ser firmes, confirmados, radicados e edificados na fé, como fomos instruídos (v. 7). Uma pessoa deve estar pressuposicionalmente comprometida com Cristo na esfera do pensamento (e não neutra) e firmemente ligada à fé que recebeu por instrução, ou a argumentação persuasiva do pensamento secular irá enganá-la. Por isso o cristão é obrigado a pressupor a palavra de Cristo em toda área do conhecimento; a alternativa é o engano. No versículo 8 de Colossenses 2, Paulo diz: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas”. Ao tentar ser neutro em seu pensamento, você se torna um alvo fácil para ser enredado — privado por vãs filosofias de “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” que estão depositados somente em Cristo (v. 3). A mente obscurecida do descrente é uma expressão de sua carência de ser evangelizado.

Paulo nos diz em Efésios 4 que seguir os métodos ditados pela perspectiva intelectual daqueles que estão fora de uma relação salvadora com Deus é ter pensamentos vãos e entendimento obscurecido (vv. 17-18). O pensamento neutralista, então, é caracterizado por futilidade e ignorância intelectual. Na luz de Deus, vemos a luz (cf. Sl 36.9). Afastar-se da dependência intelectual da luz de Deus, da verdade de Deus e sobre Deus, é afastar-se do conhecimento para a escuridão da ignorância. Dessa forma, se um cristão deseja iniciar sua busca por instrução a partir de uma posição de neutralidade, ele estará, na verdade, disposto a iniciar seu pensar nas trevas. Ele não permitirá que a palavra de Deus seja luz para o seu caminho (cf. Sl 119.105). Ao caminhar pela neutralidade, tropeçaria pela escuridão. Tal pensamento certamente não honra a Deus como deve, e, conseqüentemente, Ele o torna nulo (Rm 1.21b). Neutralidade equivale à nulidade na visão de Deus.

Essa “filosofia” que não tem seu ponto de início e nem sua direção em Cristo é mais detalhadamente descrita por Paulo em Colossenses 2.8. Paulo não é contrário ao “amor pelo conhecimento” (isto é, “filosofia”, do grego) per se. Filosofia é admirável se a pessoa encontra sabedoria genuína — o que significa, para Paulo, encontrá-la em Cristo (Cl 2.3). No entanto, há um tipo de “filosofia” que não começa com a verdade de Deus, com o ensinamento de Cristo. Essa filosofia tem sua direção e origem nos princípios dos intelectuais do mundo — na tradição dos homens. Tal filosofia é alvo da reprovação de Paulo em Colossenses 2.8. É, para nós, esclarecedor, especialmente se somos propensos a aceitar a demanda por neutralidade em nosso pensamento, investigar sua caracterização desse tipo de filosofia.

Paulo diz que é “vã sutileza”. Que tipo de pensamento é esse que pode ser caracterizado como “vão”? Encontramos uma resposta ao comparar e contrastar passagens das Escrituras que falam de vaidade (por exemplo, Dt 32.47, Fp 2.16, At 4.25, 1Co 3.20, 1Tm 1.6 [loquacidade frívola], 6.20 [falatórios inúteis], 2Tm 2.15-18, Tt 1.9-10). Pensamento vão é aquele que não está de acordo com a palavra de Deus. Um estudo similar demonstrará que “sutileza” [engano, cf. Gn 27.35 ARC] é aquilo que está em oposição à palavra de Deus (cf. Hb 3.12-15; Ef 4.22; 2Ts 2.10-12; 2Pe 2.13 [mistificações]). A “vã sutileza” sobre a qual Paulo previne, então, é a filosofia que opera contra a verdade de Cristo e longe dela. Note a ordenança de Efésios 5.6, “Ninguém vos engane com palavras vãs”. Colossenses 2.8 nos diz que tomemos cuidado para não sermos enredados com “vãs sutilezas”. Paulo caracteriza ainda esse tipo de filosofia como “de acordo com a tradição dos homens, segundo os princípios fundamentais do mundo”. Essa filosofia põe de lado a palavra de Deus e a torna inválida (cf. Mc 7.8-13), e o faz ao basear-se nos elementos de aprendizagem ditados pelo mundo (isto é, os preceitos dos homens; cf. Cl 2.20,22). A filosofia que Paulo rejeita é aquele pensamento que segue as pressuposições (as hipóteses elementares) do mundo e, por essa razão, não está de acordo com Cristo.

O neutralista negligencia a antítese entre o cristão e o não-cristão que explica por que o crente está em posição de auxiliar o descrente Em Efésios 4.17-18, Paulo ordena que os seguidores de Cristo não mais andem “como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração”. Cristãos não devem andar, agir ou viver de uma maneira que imite o comportamento daqueles que não são redimidos; especificamente, Paulo proíbe que o cristão imite a vaidade dos pensamentos do descrente. Cristãos devem se recusar a pensar ou raciocinar de acordo com uma perspectiva ou mentalidade mundana. O agnosticismo condenável dos intelectuais do mundo não deve ser reproduzido nos cristãos como suposta neutralidade; essa perspectiva, essa abordagem à verdade, esse método intelectual evidencia um entendimento obscurecido e um coração endurecido. Ele se recusa a curvar-se perante o senhorio de Jesus Cristo sobre todas as áreas da vida, incluindo a erudição e o mundo. Todo homem, seja antagonista ou apologeta do Evangelho, distinguirá seu pensamento e a si mesmo pelo contraste com o mundo ou pelo contraste com a palavra de Deus. O contraste, a antítese, a escolha é clara: ser distinguido pela palavra de Deus (que é verdade) ou estar alheio à vida de Deus. Ou ter “a mente de Cristo” (1Co 2.16) ou a mente vã dos gentios (Ef 4.17). Levar cativo todo pensamento à obediência de Cristo (2Co 10.5) ou continuar como “inimigos em suas mentes” (Cl 1.21). Aquele que segue o princípio intelectual de neutralidade e o método epistemológico da erudição descrente não honra o soberano senhorio de Deus como deve; como resultado, seu pensamento se torna nulo (Rm 1.21b). Em Efésios 4, como vimos, Paulo proíbe que o cristão siga essa mentalidade vã. Paulo prossegue ensinando que o pensamento do crente é diametralmente contrário ao pensamento ignorante e obscurecido dos gentios. “Mas não foi assim que aprendestes a Cristo” (v. 20). Enquanto os gentios são ignorantes, a verdade está em Jesus (v. 21). Ao contrário dos gentios, que estão alheios à vida de Deus, o cristão se despojou do velho homem e tem se renovado no espírito do seu entendimento (vv. 22-23). Esse “novo homem” é diferente em virtude da “justiça e retidão procedentes da verdade” (v. 24). O cristão é completamente diferente do mundo quanto ao intelecto e à erudição; ele não segue os métodos neutros de descrença, mas, pela graça de Deus, tem novos compromissos, novas pressuposições em seu pensamento.

Tentar ser neutro nos esforços intelectuais (seja pesquisa, argumentação, raciocínio ou ensino) equivale a se esforçar para apagar a antítese entre o cristão e o descrente. Cristo declarou que um foi separado do outro [santificado] pela verdade, que é a palavra (Jo 17.17). Quem tenta obter dignidade aos olhos dos intelectuais do mundo usando a insígnia da “neutralidade” somente o faz à custa de recusar ser santificado pela verdade de Deus. No reino intelectual, eles são absorvidos pelo mundo, de forma que ninguém pode dizer a diferença entre seus pensamentos e concepções e os pensamentos e concepções apóstatas. A linha entre o crente e o descrente é desvanecida.

Esse tipo de concessão nem é possível. “Nenhum homem pode servir a dois senhores” (Mt 6.24). “Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus” (Tg 4.4).

A natureza da conversão não é de neutralidade e autonomia contínua, mas de fé e submissão ao senhorio de Cristo. A fé da pessoa que se torna cristã não foi gerada pelos padrões de pensamento da sabedoria mundana. O mundo, por sua própria sabedoria, não conhece a Deus (1Co 1.21), mas considera loucura a palavra da cruz (1Co 1.18, 21b). Se alguém adota a perspectiva do mundo, então ele nunca verá a sabedoria de Deus verdadeiramente; assim, nunca estará “em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria” (1Co 1.30). Logo, fé (e não observação auto-suficiente) faz de você um cristão, e essa confiança é posta em Cristo, não em seu próprio intelecto. Isso é o mesmo que dizer que o modo pelo qual se recebe Cristo é se desviar da sabedoria dos homens (a perspectiva do pensamento secular com suas pressuposições) e obter, pela iluminação do Espírito Santo, a mente de Cristo (1Co 2.12-16). Quando uma pessoa se torna cristã, sua fé não se baseia na sabedoria dos homens, mas na poderosa demonstração do Espírito (1Co 2.4-5).

E mais, o que o Espírito Santo causa é que todos os crentes digam “Senhor Jesus” (1Co 12.3). Jesus foi crucificado, ressurreto e assunto para que pudesse ser confessado como Senhor (cf. Rm 14.9, Fp 2.11). Dessa forma, Paulo pode resumir essa mensagem, que deve ser confessada se formos salvos, em “Jesus é o Senhor” (Rm 10.9). Para se tornar cristã, uma pessoa deve se submeter ao senhorio de Cristo, deve renunciar autonomia e pôr-se sob a autoridade do Filho de Deus. Aquele que Paulo diz que recebemos, de acordo com Colossenses 2.6, é Cristo Jesus, o Senhor. Como Senhor sobre o crente, Cristo requer que o cristão o ame com cada faculdade que tem (incluindo o entendimento, Mt 22.37); todo pensamento deve ser levado cativo à obediência de Cristo (2Co 10.5).

Logo, o apologeta evangelístico deve vir e arrazoar como um novo homem se quiser atingir o descrente; sua argumentação deve ser consistente com o objetivo para o qual mira. Vimos que a precondição absoluta da genuína erudição cristã é que o crente (e seu pensamento) deve estar radicado em Cristo (Cl 2.7). Paulo ordena que estejamos radicados em Cristo e que evitemos as pressuposições do secularismo. No versículo 6 de Colossenses 2, ele explica de forma simples como devemos ter nossas vidas (incluindo nossa busca por erudição) fundamentadas em Cristo e, daí, garantir que nosso raciocínio seja guiado pelas pressuposições cristãs. Ele diz “Ora, como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele”; isto é, ande nele da mesma forma em que o recebeu. Se fizer isso, você será confirmado na fé, tal como foi instruído. Como, então, você se tornou cristão? Desse mesmo modo você deve crescer e amadurecer em sua caminhada cristã. Vimos acima que nossa caminhada não honra o padrão de pensamento da sabedoria mundana, mas se submete ao senhorio epistêmico de Cristo (isto é, sua autoridade na área do pensamento e do conhecimento). Dessa maneira uma pessoa alcança fé, e nessa maneira o crente deve continuar a viver e a aplicar seu chamado — mesmo quando se trata de erudição, apologética ou ensino.

Logo, o novo homem, o crente com uma mente renovada que foi ensinada por Cristo não anda mais na vaidade e escuridão intelectual que caracteriza o mundo descrente (cf. Ef 4.17-21). O cristão tem novos compromissos, novas pressuposições, um novo Senhor, uma nova direção e meta — ele é um novo homem; e essa novidade é expressa em seu pensamento e erudição, pois (como em todas as outras áreas) Cristo deve ter primazia no reino da apologética e do evangelismo (Cl 1.18b).

Se o evangelista quer que seu testemunho seja convincente, ele deve colocar-se em um firme fundamento de conhecimento. Deus nos diz que apliquemos nosso coração ao seu conhecimento para conhecermos a certeza das palavras da verdade (Pv 22.17-21). É característico dos filósofos atuais negarem a existência da verdade absoluta ou negar que alguém possa ter certeza sobre conhecer a verdade: ou ela não existe ou é inalcançável. No entanto, o que Deus escreveu para nós (ou seja, as Escrituras) pode mostrar-nos “a certeza das palavras da verdade” (vv. 20-21). A verdade é acessível! Contudo, para a compreendermos firmemente, devemos estar atentos à ordenança do versículo 17b: “aplica o coração ao meu conhecimento”. Conhecimento de Deus é primário, e o que quer que o homem deseje conhecer só pode ser baseado na recepção do que Deus tem conhecido desde a origem até ao fim. O homem deve pensar os pensamentos de Deus segundo Ele, pois “na tua luz, vemos a luz” (Sl 36.9).

O testemunho de Davi foi que “o Senhor meu Deus ilumina minha escuridão” (Sl 18.28). Na escuridão da ignorância humana, a ignorância que resulta da suposta auto-suficiência, surgem às palavras de Deus, trazendo luz e entendimento (Sl 119.130). Assim, Agostinho diz corretamente, “Creio para que possa entender”. Entendimento e conhecimento da verdade são os frutos prometidos quando o homem faz da palavra de Deus seu ponto de partida pressuposicional para todo pensamento. “Atende a minha sabedoria; à minha inteligência inclina os ouvidos para que conserves a discrição, e os teus lábios guardem o conhecimento” (Pv 5.1-2).

O neutralista se esquece da natureza graciosa de sua salvação Fazer da palavra de Deus sua pressuposição, sua norma, seu guia e instrutor, contudo, requer renunciar a auto-suficiência intelectual — a posição na qual você é autônomo, capaz de atingir conhecimento independentemente da direção e dos padrões de Deus. O homem que afirma ter (ou buscar) neutralidade em seu pensamento não reconhece sua completa dependência do Deus de todo o conhecimento para qualquer coisa que queira entender sobre o mundo. Tais homens (geralmente) dão a impressão de que são cristãos somente porque, como intelectos superiores, entenderam ou confirmaram (em quantidade grande ou significativa) os ensinos das Escrituras. Em vez de começar com a palavra certa de Deus por fundamento em seus estudos, querem que pensemos que começam com auto-suficiência intelectual e (usando isso como ponto de partida) chegam a uma aceitação “racional” das Escrituras. Embora cristãos possam cair em um espírito de autonomia ao seguir na busca por erudição, ainda assim, essa atitude não é consistente com a profissão e o caráter cristãos. “O temor do SENHOR é o princípio do saber” (Pv 1.7). Todo conhecimento começa em Deus e, assim, os que buscam conhecimento devem pressupor a palavra de Deus e renunciar a autonomia intelectual. “Não multipliqueis palavras de orgulho, nem saiam coisas arrogantes da vossa boca; porque o SENHOR é o Deus da sabedoria” (1Sm 2.3).

O SENHOR é aquele que aos homens dá conhecimento (Sl 94.10). Então, o quer que tenhamos, mesmo o conhecimento que temos sobre o mundo, isso nos foi dado por Deus. “E que tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). Por que, então, se orgulhariam os homens em auto-suficiência intelectual? “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor” (1Co 1.31). Humilde submissão à palavra de Deus deve preceder toda busca intelectual do homem.

Apologética é evangelística por natureza. O apologeta lida com pessoas que têm mentes obscurecidas, fugindo da luz de Deus, se recusando a se submeter ao Senhor. O apologeta não deve demonstrar essa mesma mentalidade ao se esforçar por uma neutralidade que, no fim, o coloca no mesmo lamaçal. Ele deve ter como objetivo a conversão do descrente antagonista e, assim, deve desencorajar autonomia e encorajar fé submissa. O apologeta deve evidenciar, mesmo em seu método de argumentação, que ele é um novo homem em Cristo; ele usa pressuposições que estão em oposição às do mundo. Ele faz da palavra de Deus seu ponto de partida, sabendo que somente ela dá o conhecimento seguro que o descrente não pode ter enquanto rebelde a Cristo. O pensamento do não-cristão não tem fundamento firme, mas o cristão declara a confiável palavra de Deus. Se não o fizesse, não poderia de modo algum evangelizar: só compartilharia sua ignorância e especulação com o descrente. O cristão seria privado de todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento que estão depositados em Cristo somente. Além disso, o apologeta que tenta mostrar sua auto-suficiência intelectual movendo-se para uma posição de neutralidade para que possa “provar” certas verdades isoladas no sistema cristão se esquece de que somente a graça o fez o cristão que é; ele deveria, ao invés, continuar a pensar e se comportar da mesma maneira que recebeu Cristo (pela fé, submetendo-se ao Senhorio de Cristo).

Portanto, à luz do caráter do evangelismo, da natureza do descrente, da natureza do apologeta regenerado, da natureza da conversão, da natureza do pensamento e da salvação genuínos, convém que o apologeta cristão use uma abordagem pressuposicional em sua defesa da fé. O caráter evangelístico da apologética requer nada menos que santificarmos a Cristo, como Senhor, em nosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que nos pedir razão da esperança que há em nós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor (1Pe 3.15-16); “as armas da nossa milícia não são carnais, e sim poderosas em Deus, para destruir fortalezas, anulando nós sofismas e toda altivez que se levante contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Co 10.4-5).

***

Tradução: Sávio Ornelas Almeida
Fonte: Monergismo

8 de jun. de 2016

Resenha do Livro Super Ocupado

Por César Augusto

O título do livro é bem chamativo. Vivemos super-ocupados. O livro não é uma fórmula mágica que resolverá a sua vida. O autor deixa isso bem claro: "Não prometo uma transformação total". O propósito do autor é oferecer ideias práticas e conselhos bíblico-teológicos para "enfrentar nossos horários" e proporcionar "muito encorajamento para a nossa alma". A divisão do livro é simples, e ajuda na compreensão:

1) Três perigos a evitar (Cap 2)
2) Sete diagnósticos a considerar (Cap 3-9)
3) Uma coisa que você deve fazer

CAPÍTULO 1

No primeiro capítulo Kevin[1] diagnostica o problema dos tempos modernos, "Vivemos ocupados". Ele relata a história de uma mulher estrangeira que foi viver nos Estados Unidos, e se apresentava como Senhora Busy (ocupada), pois era a palavra que ela mais ouvia em solo americano. O ponto central do capítulo é que, todos nós vivemos ocupados, uns mais e outros menos.

No mundo globalizado, e principalmente nos países industrializados, o ritmo de vida é frenético. Vivemos super-ocupados, reclamamos da falta de tempo, por consequência, não planejamos bem nossos compromissos, desperdiçamos tempo com coisas triviais, e a sensação é de que a vida está nos devorando aos poucos. Sentimo-nos dentro da areia movediça, e, quanto mais tentamos escapar, mais afundamos. Tudo isso gera "stress, irritabilidade, mau humor, negligência", coisas que não são boas para a nossa convivência na família, na igreja, no trabalho e na sociedade.

CAPÍTUL O 2

No segundo capítulo, DeYoung trata de três perigos que devemos evitar: Estar ocupado demais pode roubar nossa alegria;  Ocupação desenfreada pode roubar nosso coração; E o ativismo pode encobrir nossa podridão.

1) Estar ocupado demais pode roubar nossa alegria, pois quem quer fazer tudo, acaba não fazendo nada. Quem tudo quer, nada consegue. Geralmente acordamos tentando "sobreviver, e não servir". O autor utiliza-se do termo, "doença da pressa"[2],  para descrever o quão mal estamos. A frase de Tyler Durden , do filme Clube da Luta, retrata bem a nossa época: "Trabalhamos em empregos que odiamos para comprar porcarias que não precisamos". Trabalhar demais, para comprar coisas demais, não significa que estamos felizes. O único que pode, e deve ser nossa fonte de alegria é Cristo. Lembremo-nos da advertência de Cristo: "Porque, onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração" (Mt 6:21.

2) A ocupação desenfreada pode roubar nosso coração. Segundo Kevin, a ocupação mata os cristãos espiritualmente. Não temos limites em nossas vidas. Temos mais oportunidades do que qualquer outra época na história da humanidade. Não havia eletricidade na época de Lutero e Calvino. Jesus não tinha carro para ir de uma cidade para outra.  Nas palavras de Kevin, a ocupação desenfreada é como o pecado: "Mate-o ou ele vai matar você".

3) O ativismo, aliado a moralidade pode esconder a podridão do nosso coração. O moralismo é o pai da falsa santidade. O ativismo pode nos levar a ter reputação, porém, nas palavras do grande pregador Moody, "Caráter é o que você é na escuridão". Enganamo-nos a nós mesmos, se nos esconder atrás do ativismo, principalmente o "ativismo religioso". Deus conhece os nossos corações (Sl 139:23-24).  Ocupação, segundo Kevin, não significa que você "seja um cristão fiel e frutífero". Devemos buscar ser fiéis nas pequenas coisas. Se não somos fiéis nas pequenas coisas, como esperamos fazer grandes coisas? E mesmo que fossemos pastores, pregadores, seminaristas, obreiros ocupados na obra de Deus, é importante a advertência da Escritura: "Somos servos inúteis, pois fazemos apenas aquilo que o Senhor manda" (Lc 17:10). A verdade é que, muitos de nós, nem de inúteis podemos ser chamados, portanto, examinar nosso coração é crucial para não cairmos na armadilha do ativismo.

CAPÍTULO 3

No terceiro capítulo, Kevin trata das várias manifestações de orgulho (1º Diagnóstico) dos nossos corações: querer agradar os outros, a necessidade de aprovação, provar nossa capacidade,perfeccionismo, louvor dos homens entre outras coisas. Como Calvino afirmou, o coração humano "é uma floresta de espinhos". O orgulho é como um "vilão de mil caras". Temos que clamar pela graça de Deus, a fim de que o orgulho seja extirpado dos nossos corações. Segundo o autor, o orgulho se manifesta nos nossos corações, porque "estamos mais preocupados em parecer bem do que fazer o bem". A Escritura é bem enfática: "Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes". (Tg 4:6)

CAPÍTULO 4

Queremos fazer a diferença no mundo, às vezes, temos a síndrome do "super-crente" (2º Diagnóstico). Entretanto, Deus não te chamou para ser um super-crente, como foram Spurgeon, Edwards, entre outros. Deus te chamou para ser fiel, seja nas pequenas ou nas grandes coisas. Kevin diz que o "terror da obrigação total" pode trazer frustrações, decepções e angústia. Como remédio para este terror, ele mostra o exemplo de Jesus.  Nossa missão é servir a Deus servindo as pessoas, valorizando e servindo na Igreja. Orare e Labutare - orar e labutar; Deus dará os resultados conforme lhe aprouver, porém, temos de labutar, trabalhar, não ficar estagnados. Grande é a seara? Sim! Poucos são os obreiros? Sim! Contudo, você não pode fazer tudo. Temos diferentes dons e chamados. Deus usa cada um conforme seus dons, e nisto vemos a "multiforme sabedoria de Deus" (Ef 3:10).

CAPÍTULO 5

Para servir as pessoas, você precisa estabelecer prioridades, este é o terceiro diagnóstico. Kevin dá um conselho prático:

Você tem que estabelecer prioridades. Você não é o Superman. Você não pode ajudar todas as pessoas ao mesmo tempo. Você não pode fazer tudo nem conseguirá fazer tudo. Estabeleça prioridades, prefira as coisas excelentes às coisas boas. Entre servir sua família, ou algum irmão devemos escolher a família. Como disse Paul Washer: "Que proveito tem ao homem, ganhar o mundo, e perder sua família. Se estabelecermos prioridades, poderemos servir melhor- seja nossa família, igreja, amigos, etc.

CAPÍTULO 6

No sexto capítulo, DeYoung trata da puerigarquia, isto é, a noção de que os pais tem que dar tudo para seus filhos, como se o futuro dos filhos dependesse dos pais. O autor cita estudos de autores não cristãos que evidenciam que nos tempos modernos, a vida gira em torno dos filhos, e isto leva os pais a trabalharem demais, e viverem estressados. O futuro dos nossos filhos depende da providência divina. Kevin mostra que, segundo a Bíblia, nossa missão é ensinar nossos filhos sobre Deus (Dt 6:7; Pv 1-9) e discipliná-los (Pv 23:13; Hb 12:7-11).  Não existem pais perfeitos nem tampouco filhos perfeitos. O legalismo pode levar os pais provocar ira em seus filhos (Ef 6:4). O argumento de Kevin neste capítulo é que, o futuro dos nossos filhos depende de Deus. Falharemos, erraremos, pecaremos, porém, Deus é misericordioso e gracioso, tanto para nos dar graça na criação dos pequeninos, como para guiar a vida deles.

CAPÍTULO 7

No sétimo capítulo, Kevin trata dos perigos da internet. Ele diz que estamos deixando a tela estrangular nossa alma. Corremos o perigo de estar viciados, de maneira que a internet controla nossas vidas, e isto pode nos levar a acédia (indolência e esfriamento espiritual). Kevin aconselha que temos de utilizar a internet para nosso benefício, estabelecer limites. Não podemos viver em função da internet.  Ele nos encoraja a utilizar as "tecnologias antigas", isto é, existe vida fora da internet, e temos que viver. Ele encerra o capítulo mostrando que a internet trouxe-nos a falsa sensação de que "somos onicompetentes, oni-informados e onipresentes", porém, isto é uma grande ilusão.

CAPÍTULO 8

No oitavo capítulo, Kevin alerta algo que, muitas vezes, nos esquecemos, precisamos descansar. Deus estabeleceu um dia de descanso na criação. Ele brevemente trata a questão do sábado, dizendo que "a parte mais importante quanto ao mandamento do sábado é que devemos descansar somente em Cristo como nossa salvação". Não entrarei aqui no debate em relação à guarda do Dia do Senhor, uma vez que este assunto é profundo e um livro não seria suficiente para tratar sobre o mandamento. Pontuo aqui que é a tradição da igreja, desde os tempos dos pais da Igreja à guarda do Dia do Senhor. Para aqueles que querem se aprofundar no assunto, podem estudar o período da Patrística, a Reforma Protestante, o puritanismo, as grandes confissões e os catecismos reformados. Kevin diz que "se quisermos continuar correndo, temos de aprender a parar", pois, muitas vezes, "o descanso é o antídoto de que realmente necessitamos". Não podemos misturar trabalho e lazer, levar trabalho para casa. Precisamos relaxar, pois Deus nos deu o sono (Sl 127:2). Kevin cita um sermão de Don Carson: "Ás vezes, a coisa mais piedosa que você poderá fazer é conseguir dormir bem por uma noite - não é orar a noite toda, mas dormir".

CAPÍTULO 9

O nono capítulo é um chamado para abraçarmos o sofrimento. Tal capítulo é um antídoto contra à teologia da prosperidade, que leva as pessoas a pensarem que servir a Jesus é ter uma vida sem problemas, sem doenças, sem provações, sem frustrações entre outras coisas. A vida não é um conto de fadas, se quisermos servir a Jesus precisamos estar dispostos a tomar a nossa cruz  (Mt 10:38 ), ter bom ânimo ( Jo 16:33 ) para vencer o mundo. Se Jesus vestiu uma coroa de espinhos, por que você espera uma vida fácil na terra? Se Paulo e os apóstolos sofreram, por que esperamos uma vida de comodismo?  Como diz Lewis: "o sofrimento é o megafone de Deus". Deus fala por meio do sofrimento". A vida não é fácil para ninguém, passaremos por muitas tribulações e angústias, porém, nenhuma delas se compara ao peso da eternidade que nos aguarda.

CAPÍTULO 10

No último capítulo, Kevin fala da única coisa que precisamos, e temos que fazer. Temos que ter uma vida devocional. Orar e ler a Bíblia diariamente. Kevin diz que "não podemos ficar lendo livros ou escutar sermões o dia todo". E isto é verdade, além da nossa vida espiritual, temos uma vida nessa terra. Temos que trabalhar, levar o lixo para a fora, cuidar dos filhos, ir para a faculdade, entre outras coisas. Todos nós vivemos semanas de loucura, frenéticas, porém, lendo a Bíblia e orando diariamente, Deus cuidará de nós. A coisa mais importante da nossa vida é, segundo Jesus, que "nem só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor" (Mt 4:4). Precisamos desesperadamente correr para Jesus, pois num mundo onde todos vivem ocupados, cansados e fatigados, Ele é o único que pode nos dar descanso (Mt 11:28). Encerro esta resenha com as palavras de Agostinho:

"Já li, Sócrates, Platão e Aristóteles, mas em nenhum deles li: Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei".


***

Notas

[1] Kevin DeYoung é o pastor da University Reformed Church em East Lansing, Michigan. Obteve sua graduação pelo Hope College e seu mestrado em Teologia pelo Gordon-Conwell Theological Seminary. É preletor em conferências teológicas e mantém um blog na página do ministério The Gospel Coalition. Ele é autor de vários livros, incluindo Qual a Missão da Igreja, Faça Alguma Coisa, Não quero um Pastor Bacana, Por que Amamos a Igreja e Brecha em nossa Santidade.

[2] "doença da pressa": Terminologia usada por Tim Chester, autor do livro The Busy Christian's Guide to Busyness, [Guia de ocupação do cristãos ocupado]. O autor é citado por Kevin, no segundo capítulo do seu livro, na página 21.

6 de jun. de 2016

O Apóstolo Paulo encontra Mário Sérgio Cortella

Por Alan Rennê Alexandrino

Certo dia o apóstolo Paulo, numa visita ao Brasil, resolveu participar de um congresso sobre Liderança promovido por uma igreja evangélica. Na propaganda do congresso constava a informação de que o principal palestrante seria o filósofo e educador brasileiro, Mário Sérgio Cortella. Paulo percebeu que dentre as qualificações de Cortella se destacava o seu doutorado em Educação, obtido em 1997, na PUC-SP, sob a orientação do patrono da educação brasileira, Paulo Freire. O apóstolo Paulo deveras ficou curioso e decidiu participar da programação.

Chegado o grande momento, Paulo ocupava um assento na primeira fileira, regalia obtida por ser um membro do verdadeiro colegiado apostólico. O palestrante, Mário Sérgio Cortella, abordava o tema A ARTE DE LIDERAR. A palestra caminhava para o seu final e, no geral, o apóstolo Paulo considerou a palestra interessante e com insights perspicazes. É verdade que muito do que Cortella afirmou era fundamentado no marxismo esposado por ele, mas, ainda assim, algumas colocações foram bastante úteis. No entanto, na conclusão da palestra, Cortella fez uma afirmação que, imediatamente, despertou sentimentos variados na mente do apóstolo Paulo. Cortella repetiu uma frase sua já bem conhecida: “Elogie em público e corrija em particular. Um líder corrige sem ofender e orienta sem humilhar”.

Imediatamente o público irrompeu em efusivos aplausos e ovacionou a sabedoria de Mário Sérgio Cortella. Ao testemunhar a aceitação irrestrita do ensinamento de Cortella, bem como a maneira acrítica como seminaristas e futuros pastores presentes receberam a frase sobre correção, Paulo não pôde fazer outra coisa senão se entristecer diante do estado da igreja evangélica. Ele percebeu que aquelas pessoas apoiavam a ideia do “Elogie em público e corrija em particular” como sendo verdadeira.

Foi aí que, discretamente, ele subiu ao palco do auditório e tomou em suas mãos o microfone. Ao ver a cena, o público, atônito, calou-se e ficou a observar. Paulo disse as seguintes palavras: “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado?” (Gálatas 3.1). Ele continou: “Não recordais? Não lembrais, de quando Cefas foi a Antioquia e foi necessário que eu lhe resistisse face a face porque se tornara repreensível? De como ele se envergonhou de comer com gentios como vocês e, quando os judeus chegaram, ele fez de conta que não tinha nenhuma relação com aqueles gentios? Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se tu, sendo judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gálatas 2.14).

Ouvindo isto, o público começou a se retirar do auditório. Alguns até vaiaram o apóstolo. A única reação de Paulo foi dar um suspiro de tristeza e dizer ao Pai: “Tende misericórdia, Senhor!”


Kyrie eleison!

3 de jun. de 2016

Bíblia, Estupro e Pena de Morte

Por Thiago Oliveira

Há uma semana que os noticiários estampam o caso bárbaro de uma jovem, de 16 anos, que teria sido estuprada por mais de 30 elementos, que sordidamente filmaram e publicaram as imagens. Algumas pessoas descobriram – posteriormente – que a jovem em questão exibia nas redes sociais um comportamento vulgar e postagens onde fazia apologia à “vida louca”, com direito até a ser fotografada com armas. O primeiro delegado que cuidou do caso, ao interrogar a garota quis saber se a mesma trabalhava para o tráfico e chegou a negar que ela tenha sido estuprada. O mesmo foi afastado e a nova pessoa que está à frente do caso diz não haver nenhuma dúvida de que o estupro, de fato, ocorreu. Alguns destes homens tiveram sua prisão decretada, um deles seria “namorado” da jovem.

Uma coisa precisa ser dita: nada no comportamento da jovem justifica o estupro. Absolutamente nada. Também não nos compete emitir opiniões precipitadas, como fazem alguns, alegando que o ato foi consentido. Isso quem vai apurar é a polícia, deixe que ela faça o seu trabalho de investigação. Como cristãos, devemos sentir tristeza por saber que o sexo é visto e praticado de uma maneira bestial por boa parte da sociedade. O movimento feminista pegou carona no caso para fazer panfletagem e lançou uma campanha nas redes sociais com os seguintes dizeres: “Eu luto contra a cultura do estupro”. O termo “cultura de estupro” é totalmente infeliz e não ajuda em nada as vítimas que já foram sexualmente violentadas. Em artigo publicado na revista Time (em 2014), sobre estupros nas universidades norte-americanas, a RAINN (Rape, Abuse & Incest National Network), principal organização que combate e luta na prevenção de estupros nos EUA, afirma que:

Nos anos recentes, tem havido uma tendência despropositada de culpar a "Cultura do Estupro" pelos extensos problemas de violência sexual nas universidades. Enquanto é útil apontar as barreiras sistêmicas para lidar com o problema, é importante não perder de vista um simples fato: o estupro não é causado por fatores culturais, mas pelas decisões conscientes de um pequeno percentual da comunidade de cometer um crime violento.[1]

Não existe cultura de estupro, não no sentido de que homens são estimulados a realizar ato tão espúrio. Até mesmo entre os criminosos o estupro é visto como algo condenável, e os estupradores ou ficam em celas separadas dos demais presos ou pagarão com a vida, sendo violentados e executados pelos próprios presidiários. O que existe é uma cultura que vulgariza o sexo e faz com que o corpo vire um objeto consumível e descartável. É inegável que a mulher sofre mais com esta “objetização”, mas não é a única. Dia desses, um “carinha fortão" tentou se promover postando uma foto usando um vestido curto, desafiando para ver se algum homem teria coragem de lhe estuprar por conta da roupa. Ele quis "surfar" na onda da campanha feminista que se alastrou nas redes sociais, mas daí várias MULHERES comentaram que ESTUPRARIAM ele. Ou seja: não é problema de machismo, mas sim uma questão que podemos chamar, endossando o termo da ortodoxia reformada, “depravação total”. Também podemos culpabilizar o feminismo por ver esse tipo de comportamento partindo das mulheres pós-modernas, pois, em seu discurso, o feminismo promoveu uma libertação sexual que serviu apenas para intensificar a objetização feminina e promover uma “cultura do sexo animalesco e irresponsável”.

Seguindo uma cosmovisão que esteja de acordo com a Escritura, umas das formas de se combater o estupro seria através da aplicação da pena capital, i.é., pena de morte.

Dizer isto é algo que choca muitos que professam ser cristãos, que acham incompatível o ensino do perdão e do amor com a execução penal. O choque é resultado de uma influência humanista (mesmo que inconsciente), além de ser uma confusão sobre o que pertence a esfera privada e o que seria cabível ao Estado. Segundo o apóstolo Paulo afirma, em Romanos 13, os governos são servos de Deus e portadores da espada para punir os malfeitores, não os deixando impunes. Obviamente que a espada aqui representa o poder coercitivo dos magistrados, que tem uma autoridade derivada do próprio Criador e Senhor para punir os criminosos. E nesta punição legal, a morte é o preço a ser pago em alguns casos.

Mais isso não fere o sexto mandamento que diz: “não matarás”? Muito pelo contrário, ele é um mecanismo para a preservação da vida, como diz um trecho do Catecismo de Heidelberg: “por isso as autoridades dispõem das armas para impedir homicídios” [2] .  Como dito anteriormente, é preciso distinguir o assassinato pessoal, por motivações escusas, o que proíbe o sexto mandamento, com uma atribuição governamental. O Catecismo Maior de Westminster (CMW) esclarece:

136. Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento?

Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (ênfase acrescentada)

Gn 9:6; Ex 1:14;20:9,10;21:18-36;22:2; Nm 35:16,31,33; Dt 20.1-20; Is 3:15; Pv 10:12;12:18;14:30;15:1;28:17; Mt 5:22;6:31,34;25:42,43; Lc 21:34; At 16:28; Rm 12:19; Gl 5:;15; Ef 4:31; Hb 11.32-34; I Pe 4:3,4; I Jo 3:15; Tg 2:5,16;4:1.

A única justificativa para o assassinato pessoal - conforme o CMW - seria em caso de legítima defesa, onde numa situação de extremo perigo um cristão mataria para se defender ou defender uma pessoa próxima. Nos casos de justiça pública e guerra legítima, as ações pessoais estão imbuídas da representação governamental, ou seja, não se referem a motivação pessoal.

Outra coisa importante que precisa ser dita a respeito da pena capital é que ela antecede a lei mosaica. Quando Deus ordenou que Noé recomeçasse a exercer o mandato cultural, que seria povoar a terra e exercer sobre ela domínio, deu-lhe a incumbência de executar homicidas (Gn 9.6). Deus fez isso por considerar a vida sagrada e não deixar impune aquele que a violar. É uma forma de inibição para que não se haja o intento de prejudicar o próximo, o que corrobora com a lei do amor, pois quem ama não intenta o mal contra o seu irmão. Os textos de Gn 9.6 e Rm 13.1-5 nos dão base para dizer que a pena capital é defensável em nossos dias[3] e que ela reflete o horror que a divindade possui diante do assassinato e da violência, coisas que em nossa atual conjuntura ficam impunes em muitos casos, pois, nossa legislação é frouxa. Até mesmo um serial killer pode voltar ao convívio social após passar algumas décadas encarcerado[4]. Sendo assim, há uma incoerência entre as nossas práticas jurídicas e a ordem divina.

Diante do que já foi exposto, segue mais uma dúvida: Mas a pena capital não seria restrita ao crime de homicídio? Leiamos Deuteronômio 22. 25-26: "Se, contudo, um homem encontrar no campo uma jovem prometida em casamento e a forçar, somente o homem morrerá. Não façam nada, pois ela não cometeu pecado algum que mereça a morte. Este caso é semelhante ao daquele que ataca e mata o seu próximo, pois o homem encontrou a moça virgem no campo, e, ainda que a jovem prometida em casamento gritasse, ninguém poderia socorrê-la" (ênfase acrescentada).

Vemos que para Deus a violência sexual é equivalente ao assassinato. O Catecismo de Heidelberg ao interpretar o sexto mandamento (na questão 105) diz que tal mandamento exige que “Eu não devo desonrar, odiar, ofender ou matar meu próximo”.  E na resposta a pergunta 136 do CMW, estão entre as proibições contidas no sexto mandamento “a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém”. Quando pensamos no estupro ou temos a oportunidade de ouvir um depoimento de quem o sofreu, podemos identificar as palavras “desonra, ferimento e destruição da vida”. Mulheres que passam por tal trauma, muitas vezes, não conseguem mais ter uma vida normal, tendo sonhos e projeções destruídas por conta da violência que sofreram.

À guisa de conclusão, punir estupradores com a pena capital está de acordo com a cosmovisão cristã pautada nos preceitos escriturísticos. Acabará com os estupros? Não. Mas não se trata de acabar, a questão é punir. Nenhuma lei é capaz de acabar com a infração, todavia, esse não é motivo suficiente para que as leis deixem de penitenciar – com justiça – quem as infringe. Além do mais, toda lei possui um caráter didático, que visa refrear aquele que maquina executar o que é expressamente proibido por temer a represália. Assim sendo, lutar para que haja maior severidade na punição dos estupradores é uma maneira legítima e sensata de combater essa prática horrenda. Falar em “cultura de estupro” pode até dar visibilidade a uma pauta ideológica, mas é só. O termo cunhado em nada contribui - eficazmente - para minorar o crime, exercer a justiça e apoiar as vitimas. 

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[1] O artigo foi postado por Rodolfo Amorim em seu perfil pessoal no Facebook, e pode ser lido na íntegra aqui:

[2] Parte da resposta dada a pergunta 105 e que usa os seguintes versículos para respaldar a resposta: Gn 9:6; Êx 21:14; Rm 13:4.

[3] O que não seria defensável é a aplicação da pena capital com base na legislação civil de Israel, que foi uma teocracia temporal. Exemplo: não poderíamos executar aqueles que violam o sábado.  

[4] Caso de Pedrinho, o matador e João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha, ambos soltos após cumprir 30 anos previstos na legislação penal.