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17 de jan. de 2017

Não tomemos o nome de Deus em vão

Por Samuel Alves

“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” Êxodo 20:7. [i]

Eu sei que muitos cristãos se sentem constrangidos quando ouvem ou veem piadas que vão de encontro à fé que professam ou ao Deus que seguem. Neste texto nossa intenção é abordar a falta de observância de muitos cristãos que quebram constantemente o 3º mandamento sem observar a seriedade, severidade e exigência do mesmo. A observância e a obediência deste mandamento estão ligados estritamente ao nosso relacionamento correto com Deus, é o verdadeiro testemunho da santidade de Deus e, também, está relacionado ao nosso culto pessoal ao Deus triúno.

Neste 3º mandamento aprendemos sobre a santidade de Deus e que o mau uso do nome de Deus é irreverência. Todo cristão sério deve pensar e se expressar levando em consideração a devida sobriedade e reverência. Não se deve difamar o nome de Deus ou jurar falsamente em nome de Deus, nem muito menos usar piadas levianas levando o nome do Deus Santo. Somos instados pelas Escrituras a cultuar a Deus com a disposição de espirito que seja compatível com a dignidade e solenidade de tal exercício, levando em consideração a majestade de Deus com sinceridade, humildade e reverência. “Para temeres este nome glorioso e temível, o Senhor teu Deus” (Deuteronômio 28.58).

Precisamos entender que o nome de Deus diz muito a respeito de sua natureza e seus atributos. O nome de Deus é tomado em vão quando o usamos sem a devida consideração e reverência, quando lemos a Bíblia podemos observar que os serafins velam seus rostos diante da infinita majestade e glória de Deus. A.W Pink [ii] nos diz:

Existem apenas duas finalidades que podem autorizar o nosso uso de qualquer um de seus nomes, títulos e atributos: para a sua glória e para a nossa própria edificação e de outros. Qualquer coisa além disso é frívolo e perverso, não fornecendo base suficiente para fazermos menção de tão grande e santo nome, que é cheio de glória e majestade.

A citação acima aponta a seriedade e profundidade deste mandamento, precisamos afastar de nós toda hipocrisia. Precisamos destacar que é pecado seríssimo quando professamos hipocritamente em relação ao nome de Deus. O pecado do povo de Israel muitas vezes foi usar o nome de Deus e não obedecer à revelação contida neste nome, assim violava o mandamento.

O cristão deve levar em consideração a solenidade do nome santo de Deus, assim evitaríamos sermos chamados de levianos, irreverentes e praticantes do crime de perjúrio.  R. Alan Cole [iii] comentando a passagem de Exôdo 20.7, nos diz o seguinte:

Não tomarás... em vão. No judaísmo mais recente, esta proibição envolvia qualquer uso impensado e irreverente do nome YHWH. Este só era pronunciado uma vez por ano, pelo sumo-sacerdote, ao abençoar o povo no grande Dia da Expiação (Lv 23:27). Em sua forma original, o mandamento parece ter-se referido a jurar falsamente pelo nome de YHWH (Levítico 19:12). Este parece ser o verdadeiro sentido do texto hebraico.

Ao voltarmos para o texto bíblico somos exortados a pensar seriamente e solenemente sobre nosso Deus e como nos relacionamos com Ele e com as pessoas em nosso dia a dia. É quase impossível andar nas ruas e não ouvir o nome de Deus sendo tratado com desprezo blasfemo. As novelas, programas televisivos e redes sociais são terríveis detratores do nome de Deus. Cabe a nós como povo de Deus, eleitos em Cristo, honrar e cultuar o nome santo do nosso Deus. Cessem todas as piadas e brincadeiras inoportunas usando o nome santo de Deus.

Portanto, a finalidade do 3º mandamento é afirmar a santidade de Deus. Não devemos profana-lo nem trata-lo irreverentemente. Este mandamento proíbe qualquer uso do nome de Deus de forma leviana, blasfema e insincera. Devemos reverenciar o nome divino porque tal nome revela o próprio caráter de Deus.

Soli Deo Gloria

***
[ii] Pink, Artur Walkington, 1986-1952. Os Dez Mandamentos; Tradução Claudino Batista Marra e Felipe Sabino de Araújo Neto – Brasília, DF: Publicações Monergismo, 2009. p.36.
[iii] R. Alan Cole, Exôdo. Ed. Vida Nova, 1981, p. 151.

28 de dez. de 2016

Teologia e Piedade

Lyle D. Bierma*

Voltemos agora às duas maneiras sugeridas anteriormente nas quais a teologia de Calvino é relevante para a igreja mundial no século 21. Essas duas maneiras tem a ver não tanto com o conteúdo da teologia de Calvino, mas com toda a sua maneira de fazer teologia.

Em primeiro lugar, vejamos como Calvino relaciona teologia e piedade. A primeira edição das Institutas de Calvino, em 1536, tinha o seguinte título longo e interessante – “Institutas da Religião Cristã, contendo virtualmente toda a soma da piedade e tudo o que necessita ser conhecido sobre a doutrina da salvação: Uma obra que vale a pena ser lida por todos os cristãos que têm zelo pela piedade”. Para começar, trata-se de “institutas”. Institutio em latim significa algo como “instrução básica”, “compêndio” ou “manual de instruções”. Mas um manual de que – de teologia? Não, um manual “que contém virtualmente toda a soma da piedade”, um manual “que vale a pena ser lido por todos os cristãos que têm zelo pela piedade”. Não se trata de um livro primariamente sobre teologia, mas sobre piedade. Obviamente existe muita teologia no livro. Mas para Calvino a reflexão teológica nunca é um fim em si mesma. A teologia é sempre utilizada a serviço da piedade; ela deve conduzir à piedade. Assim, a teologia de Calvino algumas vezes tem sido chamada de theologia pietatis, uma “teologia da piedade”.

Mas o que Calvino quer dizer com piedade? Na mesma sentença de abertura das Institutas, nós lemos: “Quase toda a sabedoria que possuímos... consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos” (1.1.1). Na seção seguinte, Calvino passa a dizer que, quando se trata do conhecimento de Deus, “nós não diremos que... Deus seja conhecido onde não existe religião ou piedade. . . Eu denomino ‘piedade’ aquela reverência unida ao amor a Deus que o conhecimento dos seus benefícios induz” (1.2.1). Ou então: “Aqui certamente está a religião pura e verdadeira: a fé tão unida a um sincero temor a Deus que esse temor também inclui uma reverência voluntária e leva consigo o culto legítimo que está prescrito na lei” (1.2.2).  Portanto, para Calvino o verdadeiro conhecimento de Deus é um conhecimento sobre Deus que é aplicado na piedade ou devoção, isto é, em reverência, fé, amor, adoração, obediência e serviço a Deus. A teologia – o estudo de Deus, a busca de conhecimento acerca de Deus – deve evocar uma resposta de piedade em nós se queremos verdadeiramente conhecer a Deus. Pois, como diz Calvino:

"Como pode o pensamento de Deus penetrar em sua mente sem que você perceba imediatamente que, visto ser obra de suas mãos, você foi... vinculado a ele por direito de criação, você deve a sua vida a ele? – que qualquer coisa que você empreende, qualquer coisa que faz, deve ser atribuída a ele? (1.2.2)".

A teologia deve levar à piedade.

É exatamente assim que Calvino realiza a sua própria reflexão teológica ao longo das Institutas; as Institutas são na realidade um manual de instruções sobre a piedade. Por exemplo, ao tratar acerca de Deus, o Criador, Calvino não somente explica os detalhes da doutrina da criação, mas também exorta o leitor a “comprazer-se piedosamente nas obras de Deus” (1.14.20). O que significa confessar que Deus é o Criador dos céus e da terra? Primeiramente, diz ele, significa refletir sobre a grandeza do divino Artista mediante a contemplação de suas maravilhosas obras de arte. A criação reflete “essas imensas riquezas de sua sabedoria, justiça, bondade e poder... [e] nós devemos meditar sobre elas longamente, considerá-las em nossas mentes com seriedade e fidelidade, e evocá-las repetidamente” (1.14.21). Mas a nossa resposta deve ir além disso. Nós também devemos compreender, diz Calvino, que Deus criou todas as coisas para o bem da humanidade; devemos “sentir o seu poder e graça em nós mesmos e nos grandes benefícios que ele nos concedeu, e assim sermos levados a confiar, invocar, louvar e amá-lo” (1.14.22). Isso é piedade. Essa é uma teologia que conduz à piedade. Para Calvino, estudar a doutrina da criação não é mero exercício intelectual; envolve a pessoa inteira – coração, alma, mente e força. Como ele disse no final dessa seção acerca da criação: “Convidados pela grande doçura da beneficência e bondade [de Deus], dediquemo-nos a amá-lo e servi-lo de todo o nosso coração” (ibid.).

O mesmo se aplica à maneira como Calvino trata da predestinação, uma questão doutrinária sobre a qual ele tem sido freqüentemente mal-compreendido e violentamente atacado. O historiador americano Will Durant certa vez escreveu: “Nós sempre acharemos difícil amar o homem [Calvino] que obscureceu a alma humana com a mais absurda e blasfema concepção acerca de Deus de toda a longa e honrada história das tolices”. E o tele-evangelista americano Jimmy Swaggart certa vez afirmou: “Creio que Calvino fez com que incontáveis milhões de almas fossem para a perdição”. Todavia, a predestinação é um conceito bíblico, um conceito com o qual os teólogos ocidentais tinham se debatido por mil anos antes de Calvino. O que Calvino faz com essa doutrina é o que ele faz com toda a sua teologia – ele a relaciona com a piedade do crente. A doutrina da eleição, diz ele, em primeiro lugar acentua para nós que a salvação é sola gratia: é totalmente e inteiramente pela graça de Deus. Portanto, a doutrina da eleição deve nos humilhar, porque ela nos defronta com o fato de que não temos nenhuma contribuição a dar para a nossa salvação; ela é unicamente uma obra de Deus. Deus nos escolheu antes que nós o escolhêssemos. Em segundo lugar, essa doutrina devia levar-nos a glorificar a Deus por essa grande dádiva que ele graciosamente nos concedeu (3.21.1). Por fim, ela pode assegurar-nos do caráter definitivo da nossa salvação, pois Deus prometeu em Romanos 8 que aqueles a quem ele predestinou para a salvação nunca irão separar-se do seu amor. Como Calvino disse: “Cristo nos libertou da ansiedade nessa questão... Quando somos dele, somos salvos para sempre” (3.24.6). Calvino não pretendeu que a predestinação fosse uma doutrina aterrorizante para o crente, mas uma doutrina consoladora.

Essa teologia da piedade foi assimilada por muitas confissões reformadas na própria época de Calvino e nos anos posteriores à sua morte. A denominação à qual eu e o professor Bosma pertencemos, a Igreja Cristã Reformada da América do Norte, subscreve três dessas antigas confissões reformadas – a Confissão Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort – e em todas as três está presente essa aplicação pessoal, prática e experimental das doutrinas. Por exemplo, a Confissão Belga de 1561 explica com alguns detalhes a doutrina da providência de Deus, mas também dá atenção a qual deve ser a nossa resposta a esse ensino (Art. 13). Nós não devemos ser excessivamente curiosos quanto às obras de Deus que ultrapassam a compreensão humana. Devemos adorar as decisões de Deus com humildade e reverência. Devemos reconhecer “o conforto indizível” que essa doutrina nos dá em seu ensino de que nada nos pode acontecer por acaso. E podemos repousar no pensamento de que “Deus controla os demônios e todos os nossos inimigos, os quais não podem nos ferir sem a sua permissão e vontade”. Essas são respostas de piedade!

Uma teologia de piedade é ainda mais pronunciada no Catecismo de Heidelberg, de 1563. Como um catecismo, obviamente ele foi concebido como um guia para ensinar, pregar e aprender doutrinas. Mas ele sempre apresenta as doutrinas com um propósito em mente: aplicar essas doutrinas à vida e experiência cristãs; instilar no crente um senso de consolo ou certeza da salvação; evocar no crente uma resposta de gratidão por sua libertação do pecado e da miséria espiritual. Ouça algumas das perguntas: “Como a ressurreição de Cristo nos beneficia?” (P. 45); “Como a volta de Cristo para julgar os vivos e os mortos consola você?” (P. 52); “Que bem lhe faz, todavia, crer em tudo isto?” (P. 59); “Por que ainda precisamos praticar boas obras?” (P. 86); “Por que os cristãos precisam orar?” (P. 116). A reflexão teológica no Catecismo de Heidelberg não é um exercício abstrato. Ela é relevante para a vida e a experiência do crente.

O que Calvino e as confissões fazem aqui não é de fato uma coisa nova. Essa teologia da piedade já estava evidente na tradição humanista cristã na qual Calvino foi formado. Porém, o que é mais importante, ela tem o seu fundamento nas Escrituras, o recurso básico de Calvino na elaboração da sua teologia. Quando Calvino descreve o conhecimento de Deus como um conhecimento sobre Deus que evoca uma resposta de confiança, obediência e amor por Deus, ele está simplesmente ecoando o ensino da própria Escritura. Encontramos já no Antigo Testamento que o conhecimento de Deus não é mera posse de informações sobre Deus. É o reconhecimento dos direitos de Deus sobre nós. É o reconhecimento respeitoso e obediente do poder de Deus, da graça de Deus, das exigências de Deus. Conhecer a Deus é honrá-lo e fazer o que é justo e íntegro. Como Deus diz através do profeta Jeremias:

"Não se glorie o sábio na sua sabedoria... mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, e faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor". (9.23-24)

A implicação é que o Senhor se compraz no amor e na justiça não somente quando ele os pratica, mas também quando nós os praticamos. Então poderemos afirmar que realmente compreendemos e conhecemos a Deus.

O livro de 1 João no Novo Testamento dá ênfase ao mesmo ponto: “Ora, sabemos que o temos conhecido por isto: se guardamos os seus mandamentos. Aquele que diz: Eu o conheço, e não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e nele não está a verdade” (2.3-4). Portanto, a teologia da piedade de Calvino ressoa com a mensagem da própria Escritura. Pode-se realmente dizer que essa maneira pela qual ele procurou mostrar o valor das Escrituras na sua época não tem relevância em nossos próprios dias?
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* É professor de Teologia Sistemática no Calvin Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan. Esse texto é um excerto de uma palestra proferida no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper no dia 28 de agosto de 2003, traduzida pelo Rev. Alderi S. Matos, disponível na íntegra aqui

23 de dez. de 2016

O Exemplo de Amor e Humildade vistos na Encarnação de Cristo

Por Thiago Oliveira*

Introdução

Mesmo em decorrência da celebração do Natal, gostaria de continuar com a exposição de Filipenses que começamos em nossa igreja, dando início ao segundo capítulo, que não por acaso fala sobre a encarnação de Cristo, ou seja, do seu nascimento. Fiquemos atentos à palavra que o Senhor nos entregou e que toda meditação seja orientada pelo Santo Espírito, para que esta palavra se aplique em nossos corações.

A Deus toda glória!

Exposição (Filipenses 2.1-11)

1-4 Se por estarmos em Cristo, nós temos alguma motivação, alguma exortação de amor, alguma comunhão no Espírito, alguma profunda afeição e compaixão, completem a minha alegria, tendo o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, um só espírito e uma só atitude. Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos interesses dos outros.

O começo do capítulo 2 dá continuidade ao que foi dito anteriormente, no final no capítulo 1. O apóstolo Paulo continua exortando a igreja em Filipos a permanecer unida. A união fraternal em Cristo é um indicativo de que aquela igreja goza de saúde espiritual, pois, existe uma impossibilidade de se estar em Cristo e viver em desunião com nossos irmãos de fé. A motivação e a exortação em amor para que vivamos em unidade são procedentes do próprio Senhor. Ele encoraja cada crente a viverem as benesses da vida em comunidade, exercitando conjuntamente a fé que temos nele. E o Espírito Santo, que habita dentro de todo aquele que por Deus foi salvo em Cristo Jesus é o condutor da comunhão entre os membros da igreja.

Notem que a Trindade é responsável para que o amor fraterno seja vivenciado. O encorajamento que Cristo oferece para vivermos juntos, somado ao agir do Espírito na Igreja, é o que torna possível a comunhão, isto é, o amor de uns para com os outros. Paulo ainda menciona que este amor deve ser experimentado em profunda afeição e misericórdia. O termo profundo remete as entranhas, algo que os filipenses, por terem uma cultura helênica, conheciam. Nós costumamos dizer que amamos do fundo do coração, os gregos diziam amar do fundo de suas entranhas. Já o termo misericórdia (ou compaixão - como traduz a NVI) remete a nos colocarmos no lugar de outrem e sentir as suas dores e aflições como se fossem nossas dores e nossas aflições.

Então, se estamos em Cristo, como raciocina o apóstolo, devemos ter uma unidade de pensamento e atitude. Pois, estamos ligados no mesmo amor e no mesmo Espírito. Na prática, isso deveria extirpar todo egoísmo e vaidade do meio do povo de Deus. Paulo afirma que o correto é considerar os outros acima de nós mesmos e assim, pautar a nossa vida para não focar apenas na busca das realizações pessoais. Uma vida cristã genuína e saudável é altruísta. O cuidado com o próximo e o interesse do seu bem estar devem ser uma prioridade.

Mas aí vêm os queixumes: “é difícil proceder dessa maneira. Como faremos isso?”. O modelo a quem Paulo vai apelar é o de Cristo, e aqui veremos como que o Senhor dos Senhores se humilhou, e o fez por amar a sua Igreja e zelar por sua unidade.

5-8 Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!

Paulo sempre apela para figura de Cristo ao nos exortar sobre o que devemos fazer. E aqui ele insta para que a nossa atitude seja a mesma do nosso Redentor. Devemos imitá-lo, não na sua tarefa redentiva e vicária, apenas o Cristo foi imbuído com esta missão salvadora. Todavia, devemos imitar o espírito de humildade e abnegação que levaram o Filho de Deus a abrir mão de seu estado de glória para se fazer o servo sofredor que pagaria pelos nossos pecados.

Cristo, nesse maravilhoso texto doutrinário, é apresentado como Deus. Antes de sua encarnação ele já era divino, igual ao Pai, desde a eternidade. A sua forma, isto é, a sua essência, é de um ser não-criado. Na verdade, ele é o Criador de todas as coisas e por meio dele e para ele, tudo subsistindo nele (Cl 1.16-17). Mas, Cristo não se valeu desta condição de uma maneira egoísta. Ele não se apega ao fato de que por ser Deus tinha muitos privilégios para gozar, satisfazendo a si mesmo. O esvaziamento do Filho de Deus, termo usado por Paulo para deixar claro o grande referencial de humildade significa que Cristo abdicou, não de sua essência, mas da glória e dos privilégios correspondentes à sua divindade. Ele se fez servo e assumiu uma forma humana. Não trocou a divindade pela humanidade, mas aderiu a sua natureza divina, uma natureza humana e dentro de um útero se desenvolveu como qualquer criança. Isto é assombrosamente lindo!

Outro fator importante é que Jesus não veio ao mundo como alguém que pertenceu à elite de sua época. Não foi um homem que viveu em palácios e se valeu de poder temporal. Cristo foi pobre, sem ter onde reclinar a cabeça. Nasceu num estábulo que não era dele e nem de sua família terrena. E assim foi até seu sepultamento, quando o túmulo que recebeu seu corpo também era emprestado. Ele veio a este mundo para morrer na cruz, e foi obediente a este plano.

Logo, notemos que tendo todo o direito de desfrutar da sua majestade celestial, servido e venerado pelos anjos, Cristo abre mão desta condição, pois não é egoísta. Para salvar os seus eleitos, Cristo não podia salvar a si mesmo e não experimentar do cálice da ira divina. Ele foi para cruz e se entregou sacrificialmente num ato de amor. Este deve ser o nosso parâmetro ético. Ao invés de nos inflamarmos vaidosamente, devemos nos despojar de tudo que nos torna orgulhosos. Devemos nos esvaziar de nós mesmos, sacrificando o nosso ego. Viver só para si não é a vida que Cristo viveu e nem é a que ele quer que vivamos.

9-11 Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, no céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.

Após ter se humilhado, Cristo não ficou relegado a uma posição de pobre coitado. Sua breve vida terrena e sua morte considerada vexatória na cruz não consistiram num fim trágico de um homem bom. Cristo não foi derrotado na cruz e o sepulcro não o segurou. O que se seguiu após ter sido crucificado foi a demonstração da maior de todas as vitórias e conquistas. Cristo venceu sobre os principados e potestades e foi exaltado por Deus Pai, colocado acima de tudo e de todos. Seu nome ganha proeminência e toda a humanidade, até mesmo os governantes desta terra, são seus súditos, estando debaixo de seu poderio.

Quando Cristo for visto entre as nuvens, no advento de sua vinda definitiva, todos verão um ser distintamente glorioso. Seu aspecto será inigualavelmente majestoso e diante de toda demonstração visível de seu estado de glória, toda a humanidade se curvará reconhecendo que ele é o soberano Senhor. Alguns farão este reconhecimento para sua própria condenação, pois não creram em sua mensagem e zombaram do Evangelho. Outros - os que foram remidos - professarão com alegria o que já diziam antes pela fé, pois, não apenas falavam, mas viviam como servos do Senhor dos Senhores. Quem tem ouvidos ouça: em Cristo está a salvação para vossas almas! É preciso crer e confessar que ele detém o senhorio de todas as coisas. Se esta confissão não for feita antes de sua vinda, depois dela será feita de todo jeito, mas a aplicação da confissão não será para a vida, será (de maneira justa) para a morte.

Conclusão/Aplicação

Gostaria de concluir, e ao mesmo tempo, aplicar esta mensagem elencando alguns pontos:

1. Em meio a um estilo de vida materialista, buscamos satisfazer os apelos midiáticos e consumistas. E nisso, a vaidade e o orgulho são fisgados pelas propagandas que estimulam a competitividade. Mas será que esta vida esta é conformidade com o que Cristo nos ensinou? O que você tem feito com seus dias? Tem corrido atrás de realizar seus sonhos materiais e esqueceu de que importar-se com o próximo é seu dever como cristão? Cuidado com a ganância, os que ambicionam riquezas caem em muitas tentações e podem se desviar da fé (1 Tm 6.9-10).

2. Ter a atitude de Cristo e ser humilde é algo que precisa ser demonstrado na prática. Quando Paulo afirma que devemos considerar os outros superiores a nós mesmos, isso remete a honrarmos essas pessoas. Ora, você não pode honrar a ninguém de um modo secreto. Você tem demonstrado amor na prática? Tem buscado a auto-glorificação ou busca honrar os outros? Aproveite esse tempo de festas de fim de ano para honrar alguém fazendo-lhe uma visita especial, convidando para cear em sua casa, dando-lhe algum singelo presente ou até mesmo um cartão, externando o quanto essa pessoa é importante para você.

3. Considerando que Jesus Cristo é o Senhor, que possamos conduzir as nossas vidas debaixo de seu senhorio. Como isso pode ser feito? Buscando viver em conformidade com a sua Palavra. E como dito pelo apóstolo Paulo, buscando a unidade fraternal da igreja. Invista seu tempo em estudar a Bíblia, doutrina é importante e toda ela tem sua aplicação prática. Hoje mesmo vimos que Paulo através de um tratado teológico sobre a divindade e a encarnação de Cristo aplicou estas verdades para exortar a igreja a viver em plena união.


4. Agora me direciono aqueles que não professaram a fé em Cristo. Gostaria de dizer que a mensagem foi clara o suficiente para que vocês saibam que quem não crê no Filho de Deus está condenado (Jo 3.18). Dobrem agora, não apenas os vossos joelhos, mas também os vossos corações para que Cristo reine e os salvem da ira vindoura. Se hoje ele nascer dentro de vocês, confessem isso publicamente. Saibam que “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo”. (Ro10.13). Um novo nascimento é uma bela forma de se celebrar o natal. 

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* Esse texto foi base do sermão pregado por Thiago Oliveira na igreja em que pastoreia: Ig. Evangélica Livre em Itapuama -PE. 

21 de nov. de 2016

Cinco Razões Para Abraçar a Eleição Incondicional

Por John Piper

Eu uso o termo abraçar porque a eleição incondicional não é apenas verdadeira, mas também preciosa. Obviamente, ela não pode ser preciosa se não for verdadeira. Portanto, este é o motivo principal pelo qual a abraçamos. Mas vamos começar com uma definição:

Eleição incondicional é a livre escolha de Deus antes da criação, não baseada em conhecimento prévio da fé, pela qual ele concederá fé e arrependimento a traidores, perdoando-os e adotando-os em sua eterna família de alegria.
1. NÓS ABRAÇAMOS A ELEIÇÃO INCONDICIONAL PORQUE ELA É VERDADEIRA.
Todas as minhas objeções à eleição incondicional vieram abaixo quando eu não conseguia mais sustentar minha argumentação sobre Romanos 9. O capítulo começa com a disposição de Paulo em ser amaldiçoado e separado de Cristo por amor aos seus compatriotas judeus incrédulos (verso 3). Isto implica que alguns judeus estão perecendo. E faz surgir a questão da promessa de Deus aos judeus. Falhou a promessa? Paulo responde: "não pensemos que a palavra de Deus haja falhado" (verso 6). Por que não?
Porque "nem todos os de Israel são, de fato, israelitas" (verso 6). Em outras palavras, o propósito de Deus não era inocentar cada pessoa de Israel individualmente. Era, ao invés disso, um propósito de eleição.
Então, para ilustrar a ideia da eleição incondicional de Deus, Paulo usa a analogia de Jacó e Esaú: "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela [Rebeca]: O mais velho será servo do mais moço" (versos 11 e 12).

Em outras palavras, o propósito original de Deus em escolher para si indivíduos dentre Israel (e todas as nações! Apocalipse 5:9) não estava baseado em nenhuma condição que eles pudessem satisfazer. Foi uma eleição incondicional. E, portanto, ele diz: "Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão" (verso 15; veja os versos 16-18 e Romanos 11:5-7).
Jesus confirma este ensinamento: "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora" (João 6:37). Achegar-se a Jesus não é uma condição que satisfazemos para nos qualificar à eleição. É o resultado da eleição. O Pai escolheu suas ovelhas. Elas lhe pertencem. E ele as dá ao seu Filho. É por este motivo que elas vêm. "Ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido" (João 6:65). "Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros" (João 15:16; veja também João 17:2, 6, 9 e Gálatas 1:15).
No livro de Atos, por que alguns creram e outros não? A resposta de Lucas é a eleição: "e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna" (Atos 13:48). Esta "destinação" — esta eleição — não foi baseada numa fé prevista, mas foi a causa da fé.

Em Efésios 1 Paulo diz: "[Deus] nos escolheu nele [Cristo] antes da fundação do mundo... nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade" (Efésios 1:4, 11). É o "conselho da vontade de Deus" que é eternamente decisivo nesta questão.
O que você dirá para Deus no julgamento final se ele te perguntar: "Porque você creu no meu Filho enquanto outros não creram?" Você não responderá: "Porque eu sou mais inteligente." Não. Certamente você dirá: "Por causa da tua graça. Se não tivesses me escolhido, eu teria sido deixado espiritualmente morto, indiferente e culpado."
2. NÓS ABRAÇAMOS A ELEIÇÃO INCONDICIONAL PORQUE DEUS DESIGNOU-A PARA NOS FAZER DESTEMIDOS NA PROCLAMAÇÃO DE SUA GRAÇA NUM MUNDO HOSTIL.
"Se Deus é por nós, quem será contra nós? . . . Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?" (Romanos 8:31, 33).
3. NÓS ABRAÇAMOS A ELEIÇÃO INCONDICIONAL PORQUE DEUS DESIGNOU-A PARA NOS TORNAR HUMILDES.
"Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios . . . a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus . . . Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor" (1 Coríntios 1:27, 29, 31).
4. NÓS ABRAÇAMOS A ELEIÇÃO INCONDICIONAL PORQUE DEUS A FEZ COMO UM PODEROSO IMPULSO MORAL À COMPAIXÃO, BONDADE E PERDÃO.
"Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade . . . perdoai-vos mutuamente" (Colossenses 3:12-13). Ninguém que já tenha visto ou provado verdadeiramente sua eleição não é movido por ela para se tornar bondoso, paciente e tolerante.
5. NÓS ABRAÇAMOS A ELEIÇÃO INCONDICIONAL PORQUE ELA É UM PODEROSO INCENTIVO EM NOSSO EVANGELISMO PARA AJUDAR OS INCRÉDULOS QUE SÃO GRANDES PECADORES A NÃO SE DESESPERAREM.
Quando você oferece Cristo livremente a todos os incrédulos, suponha que alguém lhe diga: "eu tenho pecado terrivelmente. Deus jamais escolheria me salvar." A coisa mais consoladora que você pode dizer é: Você percebe que Deus escolheu antes da fundação do mundo aqueles a quem ele irá salvar? E ele o fez sem basear-se em absolutamente nada em você. Antes que você nascesse ou tivesse feito qualquer coisa boa ou má, Deus escolheu te salvar ou não.
Portanto, não ouse encarar a Deus e dizer-lhe das qualificações que você não tem para ser escolhido. Não houve qualificações para ser escolhido. "O que, então, eu devo fazer?", ele pergunta. "Crê no Senhor Jesus e serás salvo" (Atos 16:31). É assim que você começa a "confirmar a vossa vocação e eleição" (2 Pedro 1:10). Se você abraçar o Salvador, você confirmará ser um eleito, e você será salvo. 
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Fonte: Desiring God 

5 de out. de 2016

Doutrina, Igreja e Vitalidade

Por Thomas Magnum

A visão puritana da vida cristã era uma teologia solidamente reformada que resultava na prática da piedade. Sem doutrina não há vitalidade na comunhão. Mas, de fato devemos reconhecer que existem muitas congregações que possuem até instrução teológica, mas, são apáticas, mornas e indiferentes em relação a prática da doutrina. Também temos congregações que são extremamente calorosas nos relacionamentos, mas, divorciadas da boa doutrina, da pura doutrina.

Temos então dois problemas comuns, que ocorrem com considerável “normalidade”. Ao ler os puritanos, percebemos que há uma preocupação em seus sermões e livros quanto a doutrina na prática da igreja. A ideia de que a teologia reformada deve ser apática acentuadamente racionalista (racionalista não é racional), eivada de paixão, amor a Deus, experiências afetivas com o Deus que é amor é no minimo estranho ao que lemos na história e na prática puritana da fé.

Estudantes de teologia tendem muitas vezes a associar a igreja a uma faculdade ou seminário, obviamente, a igreja deve ser ensinada doutrinariamente, mas, ali não é um centro acadêmico, onde o que mais interessa é a intelectualidade e submerge a vitalidade, a comunhão, o afeto, o culto, a fraternidade etc.

Na igreja os crentes devem ser instruídos na doutrina e essa instrução deve culminar na prática, na vida diária dos cristãos, na família, no trabalho, nos estudos e/ou em qualquer atividade exercida por cristãos regenerados.

Os dois casos que mencionei acima precisam ser pontuados.

1Igrejas que são doutrinadas não devem esquecer a comunhão, teologia e prática não são um hiato. Toda teologia ensinada na igreja deve resultar na transformação e amadurecimento dos cristãos e não o contrário.

2Igrejas fervorosas, fraternas, que gostam de proximidade entre os crentes, não devem ignorar o estudo das Escrituras, o conhecimento doutrinário. Esse fato é muito importante para uma igreja saudável: doutrina, adoração e comunhão, são basilares para a comunidade de fé.

Aqui chegamos então a um ponto importante na questão, o pastor. Se o pastor não for esse canal de ensino e exemplo na teologia e na prática cristã, como teremos uma capilarização dessa práxis na igreja?

É sem dúvida necessário que o pastor seja um homem que tenha a capacidade intelectual para guiar o rebanho nas Escrituras. De fato, um teólogo, no sentido nato do termo. Um conhecedor da doutrina, um homem temente a Deus e que não negocia a teologia saudável, que sabe que o alimento do rebanho será fundamental para o crescimento do mesmo. Obviamente, cada cristão tem sua responsabilidade individual para com sua própria vida espiritual, mas, o pastor é o responsável em alimentar esse rebanho. De fato em muitos lugares e denominações o pastor também administra a congregação local em vários aspectos, mas, devemos sempre lembrar que a sua principal tarefa é dedicar-se a oração e ao ministério da palavra (Atos 6).

Essa vitalidade almejada por crentes sinceros, deve ser cultivada. O sólido ensino teológico deve ser dado as igrejas. Não por imposição implacável, mas, com amor e graça. Instruindo o rebanho no que está sendo feito. Por exemplo, pregar expositivamente é fundamental para o desenvolvimento da igreja em crescimento bíblico, mas, antes de “forçar” uma igreja a aceitar a pregação expositiva (visto que em muitos lugares há real resistência a esse tipo de pregação), ensine primeiro a igreja o que é a pregação. Como meio de graça, como ele se desenvolve nas Escrituras, o que as Escrituras dizem sobre pregar expositivamente.

Não acabamos aqui. Muitas igrejas tem teologia boa, mas, não são tão boas na comunhão, no envolvimento, no serviço. Sabemos que não há como o pastor transformar pessoas, e as vezes esse fato é muito duro para o pastor, quando não há cooperação e falta de comunhão, mas, o pastor também é exemplo para isso. Seu relacionamento com os membros e congregados, o acompanhamento pastoral, o ensino, as pregações são meios divinos para instrução na justiça.

Minha reflexão aqui se dá pela necessidade de termos igrejas que sejam bíblicas, com sólida educação cristã, pregação doutrinária e expositiva e também, comunhão, calor, amor, graça e misericórdia. A prática cristã comunitária, regida pela doutrina nos levam ao que nosso Senhor ensinou:

Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade. João 17.17

30 de set. de 2016

A Graça Comum

 Por Wayne Grudem

Introdução e definição

Quando Adão e Eva pecaram, tornaram-se réus da punição eterna e da separação de Deus (Gênesis 2:17). Do mesmo modo, hoje, quando os seres humanos pecam, eles se tornam sujeito à ira de Deus e à punição eterna: “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6:23). Isso significa que, uma vez que as pessoas pecam, a justiça de Deus requer somente uma coisa — que elas sejam eternamente separadas de Deus, alienadas da possibilidade de experimentar qualquer bem da parte dEle, e que elas existam para sempre no inferno, recebendo eternamente apenas a Sua ira. De fato, isso foi o que aconteceu aos anjos que pecaram e poderia ter acontecido exatamente conosco também: “Pois Deus não poupou aos anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo” (2 Pedro 2:4).

Mas, de fato, Adão e Eva não morreram imediatamente (embora a sentença de morte começasse a ser aplicada na vida deles no dia em que pecaram). A execução plena da sentença de morte foi retardada por muitos anos. Além disso, milhões de seus descendentes até o dia de hoje não morrem nem vão para o inferno tão logo pecam, mas continuam a viver por muitos anos, desfrutando bênçãos incontáveis nesta vida. Como pode ser isso? Como Deus pode continuar a conferir bênçãos a pecadores que merecem somente a morte — não somente aos que finalmente serão salvos, mas também a milhões que nunca serão salvos, cujos pecados nunca serão perdoados?

A respostas a essas perguntas é que Deus concede-lhes graça comum. Podemos definir graça comum da seguinte maneira: Graça comum é a graça de Deus pela qual Ele dá às pessoas bênçãos inumeráveis que não são parte da salvação. A palavra comum aqui significa algo que é dado a todos os homens e não é restrito aos crentes ou aos eleitos somente.

Diferentemente da graça comum, a graça de Deus que leva pessoas à salvação é muitas vezes chamada “graça salvadora”. Naturalmente, quando falamos a respeito da “graça comum” e da “graça salvadora”, não estamos sugerindo que há duas diferentes espécies de graça no próprio Deus, mas apenas estamos dizendo que a graça de Deus se manifesta no mundo de duas maneiras diferentes. A graça comum é diferente da graça salvadora quanto aos resultados (ela não traz salvação), seus destinatários (é dada aos crentes e descrentes igualmente) e sua fonte (ela não flui diretamente da obra expiatória de Cristo, visto que a morte dEle não obtém nenhuma medida de perdão para os descrentes e, portanto, nem os crentes nem os descrentes fazem jus às suas bênçãos). Contudo, sobre o último ponto, deve ser dito que a graça comum flui indiretamente da obra redentora de Cristo, porque o fato de Deus não julgar o mundo assim que o pecado entrou nele talvez seja apenas porque Ele planejou finalmente salvar alguns pecadores por meio da morte de Seu Filho.

Exemplos de graça comum

Se olhamos para o mundo ao nosso redor e o contrastamos com o fogo do inferno que ele merece, podemos ver imediatamente a abundante evidência da graça comum de Deus em milhares de exemplos na vida diária. Podemos distinguir diversas categorias específicas nas quais essa graça comum pode ser vista.

1. A esfera física. Os descrentes continuam a viver neste mundo somente por causa da graça comum de Deus — cada vez que as pessoas respiram é pela graça, pois o salário do pecado é a morte, não a vida. Além disso, a terra não produz somente espinhos e ervas daninhas (Gênesis 3:18), nem permanece um deserto ressequido, mas a graça comum de Deus provê comida e material para roupa e abrigo, muitas vezes em grande abundância e diversidade. Jesus disse: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque Ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:44,45). Aqui Jesus apela para a abundante graça comum de Deus como encorajamento aos seus discípulos, para que eles também concedam amor e orem para que os descrentes sejam abençoados (cf. Lucas 6:35,36). Semelhantemente, Paulo disse ao povo de Listra: “No passado [Deus] permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo. Deus não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e um coração cheio de alegria” (Atos 14:16,17).

O Antigo Testamento também fala da graça comum de Deus que vem aos descrentes tanto quanto aos crentes. Um exemplo específico é o de Potifar, o capitão da guarda do Egito que comprou José como escravo: “o Senhor abençoou a casa do egípcio por causa de José. A bênção do Senhor estava sobre tudo o que Potifar possuía, tanto em casa como no campo” (Gênesis 39:5). Davi fala de modo muito mais geral a respeito das criaturas que o Senhor fez:

“O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas. [...] Os olhos de todos estão voltados para ti, e tu lhes dás o alimento no devido tempo. Abres a tua mão e satisfazes os desejos de todos os seres vivos” (Salmos 145:9,15,16).

Estes versículos são outro lembrete de que a bondade que é encontrada em toda a criação não acontece automaticamente — ela se deve à bondade de Deus e Sua compaixão.

2. A esfera intelectual. Satanás é “mentiroso e pai da mentira” e “não há verdade nele” (João 8:44), porque lhe foi dado ter domínio sobre o mal e sobre a irracionalidade e comprometimento com a falsidade que acompanha o mal radical. Mas os seres humanos no mundo de hoje, mesmo os descrentes, não estão totalmente entregues à mentira, irracionalidade e ignorância. Todas as pessoas são capazes de ter um pouco de compreensão da verdade; de fato, algumas possuem grande inteligência e entendimento. Isso também deve ser visto como resultado da graça comum de Deus. João fala de Jesus como “a verdadeira luz, que ilumina todos os homens” (João 1:9), pois, em seu papel como criador e sustentador do universo (não particularmente em seu papel como redentor), o Filho de Deus concede iluminação e entendimento que vêm a todas as pessoas no mundo.

A graça comum de Deus na esfera intelectual é vista no fato de que todas as pessoas têm certo conhecimento de Deus: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças” (Romanos 1:21). Isso significa que há um senso da existência de Deus e muitas vezes a fome de conhecer Deus que Ele permite que permaneça no coração das pessoas, embora isso resulte muitas vezes em muitos religiões diferentes criadas pelos homens. Portanto, mesmo quando falando a pessoas que sustentavam religiões falsas, Paulo pôde encontrar um ponto de contato com respeito ao conhecimento da existência de Deus, exatamente como fez quando falou aos filósofos atenienses: “Atenienses! Vejo que em todos os aspectos vocês são muito religiosos [...] o que vocês adoram, apesar de não conhecerem, eu lhes anuncio” (Atos 17:22,23).

A graça comum de Deus na esfera intelectual também resulta na capacidade de captar a verdade e distingui-la do erro e de experimentar crescimento em conhecimento que pode ser usado na investigação do universo e na tarefa de dominar a terra. Isso significa que toda ciência e tecnologia desenvolvida pelos não-cristãos é resultado da graça comum, permitindo-lhes fazer descobertas e invenções incríveis, para desenvolver os recursos do planeta na criação de muitos bens materiais, para produção e distribuição desses recursos e para alcançar habilidades na obra produtiva. Em sentido prático, isso significa que, cada vez que entramos em uma mercearia, andamos em um automóvel ou entramos em uma casa, devemos lembrar que estamos experimentando os resultados da abundante graça comum de Deus derramada tão ricamente sobre toda a raça.

3. A esfera moral. Pela graça comum Deus também refreia as pessoas de serem tão más quanto poderiam. Novamente o reino demoníaco, totalmente dedicado ao mal e à destruição, proporciona um contraste claro com a sociedade humana, na qual o mal é claramente refreado. Se as pessoas persistem dura e repetidamente em seguir o pecado durante o curso de sua vida, Deus finalmente as entregará ao maior de todos os pecados (cf. Salmos 81:12; Romanos 1:24,26,28), mas no caso da maioria dos seres humanos eles não caem nas profundezas às quais seus pecados normalmente os levariam, porque Deus intervém e coloca freio na sua conduta. Um refreamento muito eficaz é a força da consciência. Paulo diz: “De fato, quando os gentios, que não têm a Lei, praticam naturalmente o que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a Lei; pois mostram que as exigências da Lei estão gravadas em seu coração. Disso dão testemunho também a sua consciência e os pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (Romanos 1:32). E em muitos outros casos, essa sensação interior da consciência leva os indivíduos a estabelecer leis e costumes na sociedade que são, em termos da conduta exterior que eles aprovam ou proíbem, totalmente iguais às leis morais da Escritura. As pessoas muitas vezes estabelecem leis ou têm costumes que respeitam a santidade do casamento e da família, protegem a vida humana e proíbem o roubo e a falsidade no falar. Por causa disso, elas muitas vezes seguem caminhos moralmente retos e exteriormente andam conforme os padrões morais encontrados na Escritura. Embora a conduta moral delas não possa ganhar méritos com Deus, visto que a Escritura claramente diz que “diante de Deus ninguém é justificado pela Lei” (Gálatas 3:11) e “Todos se desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:12), contudo, em algum sentido menor que ganhar a aprovação ou o mérito eterno de Deus, os descrentes realmente fazem “o bem”. Jesus sugere isso quando diz: “E que mérito terão, se fizerem o bem àqueles que são bons para com vocês? Até os 'pecadores' agem assim” (Lucas 6:33).

4. A esfera da criatividade. Deus distribuiu medidas significativas de capacidade em áreas artísticas e musicais, assim como em outras esferas nas quais a criatividade e a habilidade podem expressar-se, como praticar esportes, cozinhar, escrever, e assim por diante. Além disso, Deus nos dá a capacidade de apreciar a beleza em muitas áreas da vida. E nessa área, assim como na esfera física e intelectual, as bênçãos da graça comum são às vezes derramadas sobre os descrentes até mais abundantemente que sobre os crentes. Todavia, em todos os casos, ela é resultado da graça de Deus.

5. A esfera da sociedade. A graça de Deus também é evidente na existência de várias organizações e estruturas na raça humana. Vemos isso primeiramente na família humana, ressaltado pelo fato de que Adão e Eva permaneceram marido e mulher após a queda e então tiveram filhos, homens e mulheres (Gênesis 5:4). Os filhos de Adão e Eva casaram-se e formaram famílias para si mesmos (Gênesis 4:17,19,26). A família humana permanece ainda hoje, não simplesmente como instituição para os crentes, mas para todas as pessoas.

O governo humano é também resultado da graça comum. Ele foi instituído no princípio por Deus após o dilúvio (ver Gênesis 9:6) e, segundo Romanos 13 claramente afirma, foi estabelecido por Deus: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas”. Está claro que o governo é dom de Deus para a raça em geral, pois Paulo diz que a autoridade “é serva de Deus para o seu bem” e que ela é “serva de Deus, agente de justiça para punir quem pratica o mal” (Romanos 13:4). Um dos principais meios que Deus usa para refrear o mal no mundo é o governo humano. As leis humanas, as forças policiais e os sistemas judiciais proporcionam poderosa repressão às más ações, e esses são freios necessários, pois há muito mal no mundo que é irracional e pode ser restringido somente pela força, já que ele não será impedido pela razão ou pela educação. Obviamente a pecaminosidade das pessoas pode também afetar os governos em si mesmos, de forma que o governo humano, igual a todas as outras bênçãos da graça comum que Deus dá, pode ser usado tanto para o propósito do bem como do mal.

6. A esfera religiosa. Mesmo na esfera da religião humana, a graça comum de Deus traz algumas bênçãos para as pessoas incrédulas. Jesus nos diz: “Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem” (Mateus 5:44), e desde que não há qualquer restrição no contexto para que se ore simplesmente pela salvação deles e como a ordem de orar pelos que nos perseguem é combinada com a ordem de amá-los, parece razoável concluir que Deus pretende responder a nossas orações pelos que nos perseguem em muitas áreas de suas vidas. De fato, Paulo especificamente ordena que oremos “pelos reis e por todos os que exercem autoridade” (1 Timóteo 2:2). Quando procuramos o bem dos descrentes, isso é coerente com a própria prática divina de conceder sol e chuva a “maus e bons” (Mateus 5:45) e também está de acordo com a prática de Jesus durante o Seu ministério terreno, quando Ele curou cada pessoa que lhe era trazida (Lucas 4:40). Não há indicação alguma de que ele tenha exigido que todos cressem nele ou concordassem que ele era o Messias antes de lhes conceder cura física.

Deus responde às orações dos descrentes? Embora Deus não tenha prometido responder às orações dos descrentes como prometeu responder às orações dos que vêm a Ele em nome de Jesus, e embora Ele não tenha obrigação de responder às orações dos descrentes, mesmo assim Deus pode por Sua graça comum ouvir e responder positivamente às orações deles, demonstrando dessa forma Sua misericórdia e bondade de outro modo ainda (cf. Salmos 145:9,15; Mateus 7:22; Lucas 6:35,36). Esse é provavelmente o sentido de 1 Timóteo 4:10, que diz que Deus é o “Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem”. Aqui “Salvador” não significa restritamente “quem perdoa pecados e dá vida eterna”, porque tais coisas não são dadas aos que não crêem. “Salvador” deve ter aqui um sentido mais geral — a saber, “quem resgata da miséria, quem liberta”. Em caso de pobreza e miséria, Deus muitas vezes ouve as orações dos descrentes e os livra graciosamente de seus problemas. Além disso, mesmo os descrentes muitas vezes possuem um senso de gratidão para com Deus pela bondade da criação, pela libertação em meio ao perigo e pelas bênçãos da família, do lar, das amizades e do país.

7. A graça comum não salva pessoas. A despeito de tudo isso, devemos perceber que a graça comum é diferente da graça salvadora. A graça comum não muda o coração humano nem traz pessoas ao genuíno arrependimento ou à fé — ela não pode salvar e não salva pessoas (embora na esfera intelectual e moral ela possa preparar as pessoas para torná-las mais dispostas a aceitar o evangelho). A graça comum refreia o pecado, mas não muda a disposição fundamental de pecar nem purifica a natureza humana decaída.

Devemos também reconhecer que as ações que os descrentes realizam por causa da graça comum não merecem a aprovação ou o favor de Deus. Essas ações não procedem da fé (“tudo o que não provém da fé é pecado”, Romanos 14:23) nem são motivadas pelo amor a Deus (Mateus 22:37), e sim pelo amor ao ego sob uma ou outra forma. Portanto, embora possamos prontamente dizer que as obras dos descrentes que se conformam externamente às leis de Deus são “boas” em algum sentido, contudo elas não são boas em termos de merecer a aprovação de Deus nem de tornar Deus endividado para com o pecador em sentido algum.

Finalmente, devemos reconhecer que os descrentes muitas vezes recebem mais graça comum que os crentes — eles podem ser mais habilidosos, trabalhar com mais esforço, ser mais inteligentes, mais criativos ou ter mais dos benefícios materiais desta vida para desfrutar. Isso não indica de forma alguma que eles são mais favorecidos por Deus no sentido absoluto ou que eles vão ganhar qualquer coisa relativa à salvação eterna, mas significa somente que Deus distribui as bênçãos da graça comum de vários modos, muitas vezes concedendo bênçãos bastante significativas a descrentes. Em tudo isso, obviamente, eles devem tomar consciência da bondade de Deus (Ateus 14:17) e reconhecer que a vontade revelada de Deus é que essa “bondade de Deus” finalmente os conduza “ao arrependimento” (Romanos 2:4).

Razões para a graça comum

Por que Deus concede graça comum a pessoas imerecedoras que nunca virão à salvação? Podemos sugerir ao menos quatro razões.

1. Para redimir os que serão salvos. Pedro diz que o dia do juízo e da execução final de punição está sendo retardado porque há ainda mais pessoas que serão salvas. “O Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento.” (2 Pedro 3:9,10). De fato, essa razão foi verdadeira desde o princípio da história humana, pois, se Deus quisesse salvar qualquer pessoa entre todos que compõem a humanidade pecaminosa, Ele não poderia destruir todos os pecadores imediatamente (nesse caso não sobraria ninguém da raça humana). Ao contrário, Ele resolveu permitir que seres humanos pecaminosos vivessem algum tempo de modo a ter uma oportunidade de arrependimento e também para que pudessem gerar filhos, capacitando gerações subseqüentes a viver, a ouvir o evangelho e se arrepender.

2. Para demonstrar a bondade e a misericórdia de Deus. A bondade e a misericórdia de Deus não são vistas somente na salvação dos crentes, mas também nas bênçãos que Deus dá aos pecadores que não as merecem. Quando Deus “é bondoso para com os ingratos e maus” (Lucas 6:35), essa bondade é revelada no universo, para a Sua glória. Davi diz: “O Senhor é bom para todos; a sua compaixão alcança todas as suas criaturas” (Salmos 145:9). Na história de Jesus conversando com o moço rico, lemos: “Jesus olhou para ele e o amou” (Marcos 10:21), embora o homem fosse um descrente que no mesmo instante afastou-se de Jesus porque possuía muitas riquezas. Berkhof diz que Deus “derrama incontáveis bênçãos sobre todos os homens e também indica claramente que elas são expressões de uma disposição favorável de Deus que, contudo, fica muito aquém da volição positiva exercida para lhes perdoar, suspender a sentença a eles imposta e assegurar-lhes a salvação”.

Não é injusto Deus retratar a execução da punição do pecado e dar temporariamente bênçãos aos seres humanos, porque a punição não é esquecida, mas apenas retardada. Retardando a punição, Deus mostra claramente que não tem prazer em executar o juízo final, mas, ao contrário, Ele se deleita na salvação de homens e mulheres. “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam” (Ezequiel 33:11). Deus “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2:4). Em tudo isso o tempo de espera da punição dá uma evidência clara da misericórdia, bondade e amor de Deus.

3. Para demonstrar a justiça de Deus. Quando repetidamente Deus convida os pecadores a virem à fé e repetidamente eles recusam os Seus convites, a justiça de Deus em condená-los é vista muito mais claramente. Paulo adverte que quem persiste na incredulidade está simplesmente acumulando a ira para si mesmo: “Contudo, por causa da teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” (Romanos 2:5). No dia do juízo todas as bocas serão silenciadas (Romanos 3:19), e ninguém será capaz de contrapor que Deus foi injusto.

4. Para demonstrar a glória de Deus. Finalmente, a glória de Deus é mostrada de muitas formas pelas atividades dos seres humanos em todas as áreas nas quais a graça comum está em operação. No desenvolvimento e no exercício do domínio sobre a terra, homens e mulheres demonstram e refletem a sabedoria do seu Criador, comprovam as qualidades dadas por Deus, as virtudes morais e a autoridade sobre o universo, e coisas semelhantes. Embora todas essas atividades sejam contaminadas por motivos pecaminosos, elas apesar disso refletem a excelência de nosso Criador e, portanto, trazem a glória a Ele, não de forma plena e perfeita, mas ainda assim significativa.

Nossa resposta à doutrina da graça comum

Pensando sobre as várias espécies de bondades vistas na vida dos descrentes por causa da graça comum que Deus dá abundantemente, devemos ter em mente três pontos.

1. Graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Mesmo uma porção excepcional de graça comum não significa que quem a recebe será salvo. Até as pessoas mais habilidosas, mas inteligentes, mais ricas e poderosas no mundo ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão condenadas eternamente! Os nossos vizinhos mais bondosos e de moral mais elevada ainda carecem do evangelho de Jesus Cristo ou serão condenados eternamente! Exteriormente pode parecer que eles não têm necessidade algumas, mas a Escritura ainda diz que os descrentes são “inimigos de Deus” (Romanos 5:10; cf. Colossenses. 1:21; Tiago 4:4) e são “contra” Cristo (Mateus 12:30). Eles são “inimigos da cruz de Cristo” e “só pensam nas coisas terrenas” (Filipenses 3:18,19), sendo “por natureza merecedores da ira” (Efésios 2:3).

2. Devemos ser cuidados em não rejeitar as coisas boas que os descrentes fazem, considerando-as totalmente más. Pela graça comum os descrentes fazem algumas coisas boas, e devemos ver a mão de Deus nelas, sendo agradecidos por elas, como por exemplo nas amizades, em cada ato de bondade, no que elas trazem de bênçãos para outras pessoas. Tudo isso — embora o descrente não o saiba — procede em última análise de Deus, e Deus merece a glória por tudo.

3. A doutrina da graça comum deveria estimular nosso coração à gratidão muito maior a Deus. Quando descemos uma rua e vemos casas, jardins e famílias vivendo em segurança, ou quando negociamos no mercado e vemos os resultados abundantes do progresso tecnológico, ou quando andamos pelos bosques e vemos a beleza da natureza, ou quando somos protegidos pelas autoridades, ou quando somos educados no vasto conhecimento humano, devemos perceber não somente que Deus, em Sua soberania, é o responsável último por todas essas bênçãos, mas também que Deus as tem concedido aos descrentes, embora eles não tenham absolutamente nenhum mérito com relação a elas! Essas bênçãos no mundo não são apenas evidências do poder e sabedoria de Deus, mas a manifestação contínua da Sua graça abundante. A percepção deste fato deveria fazer nosso coração se encher de gratidão a Deus em cada atividade de nossa vida.

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Fonte: Teologia Sistemática, Wayne Grudem, Editora Vida, págs. 297-304.