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7 de set. de 2016

Resenha do Livro A Imaginação Totalitária

Por Thomas Magnum

"Apenas humanos. E que por serem humanos precisam constantemente lembrar que a servidão do totalitarismo tem origem antes de tudo na força dessa tentação interior". (pg. 292)

Com essa frase genial, Francisco Razzo finaliza seu  livro - A ImaginaçãoTotalitária | Os Perigos da Política Como Esperança. Publicado em Junho desse ano pela editora Record. Gostaria de dizer algumas coisas sobre o livro escrito pelo professor e filósofo Francisco Razzo. 

Confesso que esse livro foi um dos que mais queria ler das publicações sobre política e filosofia política lançados esse ano no Brasil. E também confesso que o livro superou minhas expectativas desde a arte da capa que é cheia de significado condizente com o tema proposto, enchendo a imagem com a palavra "totalitária" dando uma elegante ideia do que é de fato o totalitarismo - um preenchimento quase "onipresente" ontologicamente falando - de forma elegante, criativa e imageticamente agradável. 

O livro possui algumas peculiaridades que gostaria de frisar, embora não fale de tantas quanto gostaria, por conta do espaço aqui. A primeira delas é o agradável diálogo que Razzo faz com Crime e Castigo, de Doistoiévski, especificamente com o personagem Raskólnikov que com sua mente evidentemente saturada de imaginação totalitária reduzia a realidade da vida a seu mundo de resoluções absurdas e estranhamente - podemos assim dizer - até insanas. 

O livro possui uma densidade interessante. Razzo trata do assunto a partir dele mesmo, da experiência que transborda para a vida do outro e segue um curso lógico de gradação ideológica dominadora e redutora da realidade. O homem redutível descrito por Razzo expressa isso de forma fantástica. 

O argumento inicial do autor sobre o homem redutível e o homem irredutível, mostrando que na adoção de ideias totalitárias o homem é reduzido a uma fragmentação da realidade e se autolimita num universo de esperança política redentiva, é de grande importância para um entendimento do que o autor está desenvolvendo: a imaginação totalitária é reducionista. O autor demonstra isso com um exemplo pessoal que vivenciou, sobre um casal de amigos que na adolescência tiveram um relacionamento e a garota engravidou e o conselho então que ele (o autor) deu ao amigo que seria pai em meio ao conflito da questão é que a garota abortasse a criança. Razzo vai mostrar isso de forma muito elegante e interessante, no maturar do seu argumento, de que o totalitarismo se inicia na mente do indivíduo. E no caso aqui citado, o sujeito totalitário foi ele mesmo, quando aconselha o aborto, reduzindo o feto a ser menos que um ser, e também sem importância ontológica para o tamanho do drama vivido pelo casal de amigos. A mente totalitária, mostra o autor, é reducionista, enquanto o homem irredutível tem uma gama maior de questões a considerar como importância para realidade. 

A segunda parte do livro que trata propriamente de uma filosofia totalitária, abrange de forma maravilhosa os alicerces e fundamentações da questão, o autor com muita propriedade e elegância na escrita, consegue manter o leitor fixado no que desenvolve. 

Algo que me chamou atenção na abordagem é que o livro é composto por três grandes partes que são subdivididas em si mesmas. No entanto, o argumento central está na segunda parte. Razzo simplesmente destrói a ideia de esperança política, apresentando o ceticismo político e a pluralidade como fatores importantes em sua análise. Como grandes filósofos que locavam seu principal argumento para o centro do livro, Razzo fez isso com muita competência e primor. 

O livro objetiva tratar da imagética totalitária e suas consequências em menores e maiores graus. A proposta do autor é palmilhar com os leitores os meandros e pântanos da imaginação politizante que visa reduzir o ser humano a meras questões políticas, denegrindo ou diminuindo o que é o humano em função do político. A exemplo disso é reduzir questões biológicas, psicológicas ou religiosas a mera idealização política como uma expressão de expiação universal através da ideologia.

Interessante notar que a obra tem algumas questões estéticas que chamam atenção por sua condução da questão que está em pauta no livro. O livro é divido em três capítulos que se estruturam em subcapítulos dentro dessas partes maiores, mostrando a progressividade no raciocínio do autor e o agravamento do argumento, mas, que mantém a unidade do que está sendo defendido em cada abordagem em seus pontos subsequentes. Isso produz um efeito de capilarização do pensamento de Razzo na evolução do tema central do livro. 

Cada parte e subpartes vai se desenvolvendo dentro de uma estrutura concêntrica do que o autor começa chamando de homem redutível e homem irredutível. A amostra da imaginação totalitária como uma ideologização de um aspecto da realidade promovendo assim um reducionismo do humano e suas múltiplas relações com o mundo em sua volta, é uma polarização decrescente na ideia do que é o homem promovendo um desenlace com a maior compreensão da realidade. 

É necessário dizer que o livro é de vital relevância para o estudo da filosofia política por uma ótima conservadora/liberal e não somente isso, o livro clareia a questão da mentalidade totalitária, apontando fatores presentes em uma evolução que vai do singular ao plural - sociologicamente falando. A questão gira em torno de uma sólida antropologia filosófica apresentada por Razzo, demonstrando a experiência do autor com o tema que propõe e a impressão que se tem na leitura do livro é que além de uma vasta e sólida pesquisa acadêmica sobre o tema, o autor aprofunda questões existenciais tratando então antropologicamente, sociologicamente e psicologicamente ao que se refere ao pensamento totalitário.

Razzo trabalha com uma abordagem filosófica no que se refere a verdade objetiva na política de forma cética. Tratando inicialmente da verdade objetiva e da verdade subjetiva como parâmetro de analise para um discurso político totalitário. Discorrendo sobre o pluralismo objetivo contra um monismo de verdades intransigentes. Razzo então prepara o leitor com essa abordagem mais geral sobre a verdade, e a relativização política desta (no que se refere a filosofia política) em relação a dogmatização de uma verdade politizante que totalitarize o discurso reduzindo-o a um universo de realidade restrita. Com isso o autor dá prosseguimento ao argumento do capítulo anterior sobre a redutibilidade do pensamento totalitário. A ideia é que o correto posicionamento contra a totalitarização do pensamento está na pluralidade de considerações de verdades subjetivas. Dado esse pano de fundo, Razzo leva o leitor a um afunilamento da questão. Isso ocorre na segunda parte do capítulo dois quando trata das raízes filosóficas da imaginação totalitária. 

Minha impressão quanto leitor é que o livro se parece com um redemoinho, essa imagem ficou em minha mente. Pelo motivo de a primeira parte e a última convergirem para a segunda que seria o centro da questão filosófica. O livro possui uma dinâmica crescente e convergente ao centro do argumento do capítulo dois. O livro transita sobre antropologia filosófica, filosofia política e psicologia ao versar sobre a mentalidade totalitária. Imaginação totalitária é o centro da questão e Razzo mostra que isso não é exclusivo do pensamento de esquerda, mas, na verdade, quanto humanos, todos nós podemos alimentar imaginações totalitárias. 

Um livro que sem dúvida chegou em tempo bom para o público leitor brasileiro, e que ainda será lembrado como clássico da filosofia política no Brasil.Várias frases do autor marcam, como cravos bem fixados, sua abordagem nos capítulos do livro. Assim, finalizo com uma das frases que mais gostei: 

"Para a imaginação totalitária, essa seria a verdadeira vocação da política: salvar a todos e aniquilar a quem atrapalha". (pg. 202) 

3 de jun. de 2016

Bíblia, Estupro e Pena de Morte

Por Thiago Oliveira

Há uma semana que os noticiários estampam o caso bárbaro de uma jovem, de 16 anos, que teria sido estuprada por mais de 30 elementos, que sordidamente filmaram e publicaram as imagens. Algumas pessoas descobriram – posteriormente – que a jovem em questão exibia nas redes sociais um comportamento vulgar e postagens onde fazia apologia à “vida louca”, com direito até a ser fotografada com armas. O primeiro delegado que cuidou do caso, ao interrogar a garota quis saber se a mesma trabalhava para o tráfico e chegou a negar que ela tenha sido estuprada. O mesmo foi afastado e a nova pessoa que está à frente do caso diz não haver nenhuma dúvida de que o estupro, de fato, ocorreu. Alguns destes homens tiveram sua prisão decretada, um deles seria “namorado” da jovem.

Uma coisa precisa ser dita: nada no comportamento da jovem justifica o estupro. Absolutamente nada. Também não nos compete emitir opiniões precipitadas, como fazem alguns, alegando que o ato foi consentido. Isso quem vai apurar é a polícia, deixe que ela faça o seu trabalho de investigação. Como cristãos, devemos sentir tristeza por saber que o sexo é visto e praticado de uma maneira bestial por boa parte da sociedade. O movimento feminista pegou carona no caso para fazer panfletagem e lançou uma campanha nas redes sociais com os seguintes dizeres: “Eu luto contra a cultura do estupro”. O termo “cultura de estupro” é totalmente infeliz e não ajuda em nada as vítimas que já foram sexualmente violentadas. Em artigo publicado na revista Time (em 2014), sobre estupros nas universidades norte-americanas, a RAINN (Rape, Abuse & Incest National Network), principal organização que combate e luta na prevenção de estupros nos EUA, afirma que:

Nos anos recentes, tem havido uma tendência despropositada de culpar a "Cultura do Estupro" pelos extensos problemas de violência sexual nas universidades. Enquanto é útil apontar as barreiras sistêmicas para lidar com o problema, é importante não perder de vista um simples fato: o estupro não é causado por fatores culturais, mas pelas decisões conscientes de um pequeno percentual da comunidade de cometer um crime violento.[1]

Não existe cultura de estupro, não no sentido de que homens são estimulados a realizar ato tão espúrio. Até mesmo entre os criminosos o estupro é visto como algo condenável, e os estupradores ou ficam em celas separadas dos demais presos ou pagarão com a vida, sendo violentados e executados pelos próprios presidiários. O que existe é uma cultura que vulgariza o sexo e faz com que o corpo vire um objeto consumível e descartável. É inegável que a mulher sofre mais com esta “objetização”, mas não é a única. Dia desses, um “carinha fortão" tentou se promover postando uma foto usando um vestido curto, desafiando para ver se algum homem teria coragem de lhe estuprar por conta da roupa. Ele quis "surfar" na onda da campanha feminista que se alastrou nas redes sociais, mas daí várias MULHERES comentaram que ESTUPRARIAM ele. Ou seja: não é problema de machismo, mas sim uma questão que podemos chamar, endossando o termo da ortodoxia reformada, “depravação total”. Também podemos culpabilizar o feminismo por ver esse tipo de comportamento partindo das mulheres pós-modernas, pois, em seu discurso, o feminismo promoveu uma libertação sexual que serviu apenas para intensificar a objetização feminina e promover uma “cultura do sexo animalesco e irresponsável”.

Seguindo uma cosmovisão que esteja de acordo com a Escritura, umas das formas de se combater o estupro seria através da aplicação da pena capital, i.é., pena de morte.

Dizer isto é algo que choca muitos que professam ser cristãos, que acham incompatível o ensino do perdão e do amor com a execução penal. O choque é resultado de uma influência humanista (mesmo que inconsciente), além de ser uma confusão sobre o que pertence a esfera privada e o que seria cabível ao Estado. Segundo o apóstolo Paulo afirma, em Romanos 13, os governos são servos de Deus e portadores da espada para punir os malfeitores, não os deixando impunes. Obviamente que a espada aqui representa o poder coercitivo dos magistrados, que tem uma autoridade derivada do próprio Criador e Senhor para punir os criminosos. E nesta punição legal, a morte é o preço a ser pago em alguns casos.

Mais isso não fere o sexto mandamento que diz: “não matarás”? Muito pelo contrário, ele é um mecanismo para a preservação da vida, como diz um trecho do Catecismo de Heidelberg: “por isso as autoridades dispõem das armas para impedir homicídios” [2] .  Como dito anteriormente, é preciso distinguir o assassinato pessoal, por motivações escusas, o que proíbe o sexto mandamento, com uma atribuição governamental. O Catecismo Maior de Westminster (CMW) esclarece:

136. Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento?

Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (ênfase acrescentada)

Gn 9:6; Ex 1:14;20:9,10;21:18-36;22:2; Nm 35:16,31,33; Dt 20.1-20; Is 3:15; Pv 10:12;12:18;14:30;15:1;28:17; Mt 5:22;6:31,34;25:42,43; Lc 21:34; At 16:28; Rm 12:19; Gl 5:;15; Ef 4:31; Hb 11.32-34; I Pe 4:3,4; I Jo 3:15; Tg 2:5,16;4:1.

A única justificativa para o assassinato pessoal - conforme o CMW - seria em caso de legítima defesa, onde numa situação de extremo perigo um cristão mataria para se defender ou defender uma pessoa próxima. Nos casos de justiça pública e guerra legítima, as ações pessoais estão imbuídas da representação governamental, ou seja, não se referem a motivação pessoal.

Outra coisa importante que precisa ser dita a respeito da pena capital é que ela antecede a lei mosaica. Quando Deus ordenou que Noé recomeçasse a exercer o mandato cultural, que seria povoar a terra e exercer sobre ela domínio, deu-lhe a incumbência de executar homicidas (Gn 9.6). Deus fez isso por considerar a vida sagrada e não deixar impune aquele que a violar. É uma forma de inibição para que não se haja o intento de prejudicar o próximo, o que corrobora com a lei do amor, pois quem ama não intenta o mal contra o seu irmão. Os textos de Gn 9.6 e Rm 13.1-5 nos dão base para dizer que a pena capital é defensável em nossos dias[3] e que ela reflete o horror que a divindade possui diante do assassinato e da violência, coisas que em nossa atual conjuntura ficam impunes em muitos casos, pois, nossa legislação é frouxa. Até mesmo um serial killer pode voltar ao convívio social após passar algumas décadas encarcerado[4]. Sendo assim, há uma incoerência entre as nossas práticas jurídicas e a ordem divina.

Diante do que já foi exposto, segue mais uma dúvida: Mas a pena capital não seria restrita ao crime de homicídio? Leiamos Deuteronômio 22. 25-26: "Se, contudo, um homem encontrar no campo uma jovem prometida em casamento e a forçar, somente o homem morrerá. Não façam nada, pois ela não cometeu pecado algum que mereça a morte. Este caso é semelhante ao daquele que ataca e mata o seu próximo, pois o homem encontrou a moça virgem no campo, e, ainda que a jovem prometida em casamento gritasse, ninguém poderia socorrê-la" (ênfase acrescentada).

Vemos que para Deus a violência sexual é equivalente ao assassinato. O Catecismo de Heidelberg ao interpretar o sexto mandamento (na questão 105) diz que tal mandamento exige que “Eu não devo desonrar, odiar, ofender ou matar meu próximo”.  E na resposta a pergunta 136 do CMW, estão entre as proibições contidas no sexto mandamento “a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém”. Quando pensamos no estupro ou temos a oportunidade de ouvir um depoimento de quem o sofreu, podemos identificar as palavras “desonra, ferimento e destruição da vida”. Mulheres que passam por tal trauma, muitas vezes, não conseguem mais ter uma vida normal, tendo sonhos e projeções destruídas por conta da violência que sofreram.

À guisa de conclusão, punir estupradores com a pena capital está de acordo com a cosmovisão cristã pautada nos preceitos escriturísticos. Acabará com os estupros? Não. Mas não se trata de acabar, a questão é punir. Nenhuma lei é capaz de acabar com a infração, todavia, esse não é motivo suficiente para que as leis deixem de penitenciar – com justiça – quem as infringe. Além do mais, toda lei possui um caráter didático, que visa refrear aquele que maquina executar o que é expressamente proibido por temer a represália. Assim sendo, lutar para que haja maior severidade na punição dos estupradores é uma maneira legítima e sensata de combater essa prática horrenda. Falar em “cultura de estupro” pode até dar visibilidade a uma pauta ideológica, mas é só. O termo cunhado em nada contribui - eficazmente - para minorar o crime, exercer a justiça e apoiar as vitimas. 

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[1] O artigo foi postado por Rodolfo Amorim em seu perfil pessoal no Facebook, e pode ser lido na íntegra aqui:

[2] Parte da resposta dada a pergunta 105 e que usa os seguintes versículos para respaldar a resposta: Gn 9:6; Êx 21:14; Rm 13:4.

[3] O que não seria defensável é a aplicação da pena capital com base na legislação civil de Israel, que foi uma teocracia temporal. Exemplo: não poderíamos executar aqueles que violam o sábado.  

[4] Caso de Pedrinho, o matador e João Acácio, o Bandido da Luz Vermelha, ambos soltos após cumprir 30 anos previstos na legislação penal. 

25 de jan. de 2016

Graça Numa Sociedade Corrompida

Por Thomas Magnum*

Ao declinarmo-nos sobre a literatura do Antigo Testamento veremos que suas lições são preciosas para a vida comum e que não somente a lei foi importante para a religião judaica, mas, para o desenvolvimento da cultura ocidental que foi muito influenciada pela cosmovisão judaico-cristã. Ao partirmos do primeiro livro de Moisés – o Gênesis – notamos a magnífica construção teológica, literária e histórica desse livro que encabeça o grande tomo da revelação de Deus para os homens.

O valor dos ensinos bíblicos para o desenvolvimento da humanidade tanto nos âmbitos sociais, culturais; no que concerne ao estabelecimento de leis cívicas, sociais e políticas, também em outras esferas como a adoração do povo de Deus e a instituição da família como célula mater da sociedade nos fornecem um espectro que serve como compêndio instrutivo para entendermos o que Deus disse em sua revelação e qual é a sua vontade para a sociedade. Ao lermos Gênesis 1.26-31 temos então o que chamamos em teologia de mandatos da criação, são eles – cultural, social e espiritual.  Com base nesses mandatos dados ao primeiro casal no paraíso e compreendendo a grande linha interpretativa da Bíblia que podemos dizer que transcorre partindo da criação, depois a queda, redenção e consumação de todas as coisas.

Ao lermos que o pecado entrou no mundo e com isso a degeneração moral e espiritual do primeiro casal como representantes da raça servem como o ponto inicial para compreendermos o que o livro procura mostrar: que Deus criou o homem, que o homem pecou e foi destituído da glória de Deus, que Deus providenciou a redenção do homem e que Deus é quem guia a história com seu plano da promessa até culminar em Cristo no Novo Testamento, é importante saber que, em Gênesis 3.15 temos o proto-evangelho, a promessa da semente da mulher que seria a salvação prometida por Deus – Cristo Jesus.

Então ao lermos a narrativa bíblica nos capítulos seguintes, temos a descendência de Adão e Eva em seus filhos Caim e Sete (Pois Abel foi morto por seu irmão), vemos que o pecado continuou a multiplicar-se na semente de Caim. Ao chegarmos ao sexto capítulo do Gênesis lemos que [...] viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente[i]. E aqui propriamente chegaremos ao ponto de nossa reflexão, lemos neste capítulo a história de Noé e sua família obedecendo à ordem de Deus em construírem uma arca porque viria um grande dilúvio. Evidentemente meu ponto aqui caro leitor não é discutir sobre as possibilidades cientificas do dilúvio ou se ele foi territorial ou mundial, tomo por linha interpretativa que o dilúvio de fato aconteceu, é um fato. Com isso partimos para as manifestações da graça divina nesse capítulo da história humana. Comumente somos levados a acreditar que a graça de Deus só foi demonstrada no Novo Testamento, isso não procede, a graça é demonstrada ativamente desde a queda do primeiro casal. Ao chegarmos à história de Noé lemos que Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor [ii]Noé achou graça não só a despeito do pecado, mas também por causa de sua integridade (v.9) [iii]. Bruce K. Waltke nos diz que

Esta afirmação aparece em forma de clímax no final do relato dos descendentes de Adão. Noé representa um novo começo, uma inversão que foi antecipada em 5.29. Noé acha graça diante de Deus, não a despeito do seu pecado, mas em virtude da sua retidão (ver 6.9). O narrador deixa o seu auditório compreender que a retidão de Noé não é propriamente sua, mas um dom da graça de Deus, justamente como foi o dom da soberana graça que no coração de Eva foi posta a inimizade contra a serpente. Deus opera em Noé, como faz em todos os santos, tanto o querer quanto o realizar, segundo o seu beneplácito (Fp 2.13) [iv]

Notemos que a causa do juízo de Deus enviando o dilúvio era o pecado dos homem como vimos descrito no capítulo 6 e versículo 5 de Gênesis, no entanto encontramos em meio a essa manifestação da ira santa de Deus para com o pecado e consequentemente com pecadores a graça sendo manifestada através de Noé. Por Noé ter achado graça diante de Deus, agora foi alcançado por esse favor divino sua família seria preservada do juízo de Deus sobre a terra. Deus agraciou a família de Noé, não porque eram dignos, mas, porque a misericórdia divina assim o quis.

Ao lermos com atenção toda a narrativa de Gênesis veremos que há um contraste entre a queda do homem, sua degradação moral que desemboca nas instituições que ele está envolvido, na sociedade, na família, em seus negócios, e a graça de Deus que o beneficia, que o restaura, que o levanta para cumprir a promessa descrita no início do livro como vimos acima. Noé era um tipo de Cristo, a tipologia aqui é clara, como sua família foi salva por meio dele, os homens são salvos por meio de Cristo. Cristo é o cabeça da família, do seu povo que salvou dos seus pecados (Mt 1.21; Ef 5.25).

Ao lermos Gênesis, o texto nos diz com clareza a situação do mundo – A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência.

E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra [v]. Temos um caos moral devastador instalado, será que nos lembra algo? Será que nosso tempo é totalmente distante dessa realidade de pecado? Será que somos diferentes daqueles que viviam no tempo de Noé? Nos diz o apóstolo Pedro

Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água; Que também, como uma verdadeira figura, agora vos salva, o batismo, não do despojamento da imundícia da carne, mas da indagação de uma boa consciência para com Deus, pela ressurreição de Jesus Cristo[vi].

O anúncio da graça ainda é ouvido, através de Cristo e somente dele o homem pode sair do caos espiritual, a ressurreição de Jesus nos proporciona esse batismo com água, nos dá graça, vida, paz e misericórdia. Em Noé temos a figura, em Cristo temos a manifestação perfeita e cabal da graça, Cristo é a pura manifestação da graça, o verbo feito carne, a porta. Cristo é a arca de Deus. Sua vida nos é comunicada na cruz e na ressurreição. Por isso a igreja é a comunidade da cruz, porque na cruz e no túmulo vazio recebemos redenção e justificação. Graça para uma sociedade corrompida somente em Cristo, a proclamação continua vindo agora da igreja semelhante a Noé que pregou a justiça de Deus, proclamamos a salvação e o juízo vindouro sobre toda carne que se volta contra o altíssimo:

E não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, a oitava pessoa, o pregoeiro da justiça, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios[vii].
            
Diante da emergente situação de nosso país, diante da imensa problemática em vários setores da sociedade, diante da crise econômica, educacional, na saúde e até na religião a mensagem ainda é proclamada aos ouvidos do mundo caído, nos disse o Senhor no Santo Evangelho de Mateus:

O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar. Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, mas unicamente meu Pai. E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem.

Porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, E não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do homem [viii].

Nos vale a advertência das Escrituras Sagradas, Cristo é nossa arca, há graça, há vida, há ressurreição.
______
[i] Bíblia Sagrada Corrigida Fiel, Gênesis 6.5.
[ii] Ibd. 6.8.
[iii] Bíblia de Genebra, cit. Comentário. Ed. Cultura Cristã, p.21.
[iv] Waltke, Bruce K. Gênesis. Ed. Cultura Cristã, 2010, p.143.
[v] Gênesis 6.11,12.
[vi] 1 Pedro 3.20,21.
[vii] 2 Pedro 2.5
[viii]  Mateus 24.35-39



* Publicado Originalmente na Revista Olhar Cristão.

7 de dez. de 2015

A perseguição aos não-marxistas na universidade

Por Isla Andrade

Hoje eu vejo que procrastinei muito para expor minha opinião sobre esse assunto, mas chega uma hora que realmente não dá para se omitir ou deixar para depois um acontecimento que tem um impacto tão forte na vida de alunos não marxistas e que precisam ser expostos e levados em consideração.

9 de nov. de 2015

Feminismo, Marxismo e outros Abismos

Por Thiago Oliveira

O movimento feminista tem crescido e ganhado força até mesmo dentro das igrejas. Desde reivindicações a ordenação de mulheres até uma revisão terminológica que nega a descrição paternal de Deus, preferindo chamá-lo de “Mãe Celestial”, o feminismo tem feito muitos estragos dentro da comunidade da fé. Tenho observado nas redes sociais um leque de compartilhamentos com conteúdos oriundos de coletivos feministas que gritam pela emancipação da mulher e defendem a plena igualdade de gênero (ou a inexistência do mesmo). Mas, se queremos ser chamados de cristãos, precisamos ter uma opinião solidificada na Escritura para tratar desta questão. Diferente dos outros escritos para a série sobre “marxismo cultural”, evitarei citações de outros livros para focar naquilo que nos diz a Bíblia, partindo do pressuposto ortodoxo de que ela é inspirada e isenta de erros, sendo o seu ensino infalível e autoritativo para todo e qualquer cristão.

6 de nov. de 2015

Entendendo a Ideologia de Gênero

Por Augustus Nicodemus

O tema ganhou um espaço enorme nas mídias sociais depois da prova do ENEM onde foi feita uma citação da feminista Simone de Beauvoir, “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino (O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980)". Em outras palavras, uma mulher é definida, não pelo sexo biológico com que nasce, mas pela construção social da civilização.

29 de out. de 2015

O jovem cristão e o desafio de fazer a prova do ENEM

Por Isla Andrade

Neste último final de semana tivemos o Exame Nacional do Ensino Médio 2015 (ENEM). A prova dispensa apresentações, mas ainda assim é importante ressaltar que desde 2009 passou a ser usada como mecanismo de seleção para acesso as universidades federais e estaduais, até mesmo algumas universidades privadas. Resumindo, não há escapatória. Quem deseja entrar nas universidades tem que passar por ela.

28 de out. de 2015

A Reforma situada na História

Por Thiago Oliveira

Não tenho dúvidas de que a Reforma Protestante foi o maior acontecimento da chamada Idade Moderna. Quando Lutero fixou as suas 95 teses na Catedral de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517, ele não tinha sequer a dimensão do que tal ato ocasionaria. Foi com a Reforma que as bases do período medieval começaram a ruir. Antes dele, alguns homens já haviam tentado mostrar a igreja romana que ela deveria voltar-se para a autoridade da Escritura. Podemos destacar aqui nomes como o de John Wycliffe (1320-84) e John Huss (1369-1415). Foram as ideias destes dois homens as responsáveis por formar a perspectiva dos reformadores do século 16. O que Lutero fez foi dar o passo que eles não puderam dar.

12 de out. de 2015

O Socialismo é Diabólico e o Capitalismo é Divino?

Por Thiago Oliveira

Quando os cristãos são alertados dos males do regime socialista - na concepção marxista-leninista, logo podem cair no erro de achar que o capitalismo é um sistema totalmente compatível com a ética cristã. Certa feita, li numa rede social que o capitalismo era divino e contrapunha o diabólico socialismo. Isto é um equívoco gritante. Existem muitas demandas do capitalismo que também se chocam com os princípios morais que estão na Bíblia. Sabemos que há também muita injustiça do lado “não vermelho” da força. O capitalismo, por ser um sistema que pertence a este mundo corrompido, afetado pelo pecado, causa deturpações até mesmo dentro da Igreja. A famigerada Teologia da Prosperidade é fruto de uma mentalidade que coisifica e vende tudo, até mesmo os princípios religiosos.

6 de out. de 2015

Trabalhar Para Deus Vai Além da Santidade

Por Pedro Pamplona

Nesse último domingo o quadro “Chefe Secreto” do Fantástico mostrou um bom testemunho cristão por parte de um funcionário. A ideia do quadro é inserir o diretor da empresa disfarçado entre seus funcionários. A proposta é realmente excelente, ajudando a diretoria a perceber como seus funcionários trabalham e podem ser melhor ouvidos. Assista ao vídeo nesse link. Em meio ao disfarce o patrão ouviu um conselho sincero de um colega de profissão:Quando vocês forem fazer alguma coisa procura fazer como vocês tivessem fazendo pra Deus. Você vai fazer sempre o seu melhor”. (tempo do vídeo 11:12)

9 de set. de 2015

Ashley Madison: Infidelidade

Por Mark Jones

Sabei que o vosso pecado vos há de achar. (Números 32:23)

Ashley. Madison.

Duas palavras que não serão esquecidas por milhões de pessoas enquanto elas viverem. Em algumas cidades, advogados de divórcio não estão sequer respondendo seus telefones. Hackers estão sendo celebrados e vindicados. Milhões de homens e mulheres estão em estado de pânico. Pessoas estão sendo chantageadas. O ativista e personalidade cristã Josh Duggar admite que é um hipócrita. E esposas e filhos de casais casados estão prestes a ter suas vidas arruinadas. Por quê?

4 de set. de 2015

O Cristão deve participar de greves?

Por Pedro Pamplona

Numa situação econômica e moral como a que o nosso país se encontra, as greves parecem brotar do chão por todos os lados. São inúmeras as reclamações e paralisações por motivos diversos. E claro, nós cristãos estamos inseridos nesse contexto. Seria relevante pararmos para pensar em como o cristão deve se relacionar com tais greves? Muitos diriam que não. Creio que muitos achem um assunto tão “normal” que não possui implicações religiosas.

25 de ago. de 2015

Da Redução da Menoridade Penal e a Fé Cristã (2/2)

Por Alan Rennê Alexandrino

Da Aplicação de Punições nas Sagradas Escrituras

Discutir a aplicação de punições a adolescentes por crimes praticados só faz sentido quando aceitamos, de início, a existência do conceito de autoridade e sua relação com a punição. Como salienta o Dr. John Frame: “O castigo dá validade prática ao conceito de autoridade. Uma autoridade não pode funcionar bem se não houver consequências para aqueles que a desobedecem”.[1] O conceito de autoridade está intrinsecamente embutido na ordem criacional. Ao criar o homem segundo a sua imagem, conforme a sua semelhança, Deus concedeu-lhe o exercício da autoridade para subjugar e dominar a criação (Gênesis 1.26-28), além de ordenar o funcionamento da vida em sociedade. Uma vez compreendido isso, não há como escapar da conclusão de que a aplicação de punições a todo transgressor das leis estabelecidas por aqueles que exercitam legitimamente a autoridade é algo sem o qual a sociedade não poderá funcionar de maneira ordeira. É preciso afirmar que os contrários à redução da menoridade penal não são contrários à aplicação de punições aos “menores infratores”. De acordo com eles, o que deve ser posto em prática é o que já está estabelecido no famigerado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O grande problema está no fato do ECA propor apenas aquilo que é denominado de medidas socioeducativas. Tais medidas partem do pressuposto de que o propósito primário da punição deve ser a recuperação/educação dos “menores infratores”.

24 de ago. de 2015

Da Redução da Menoridade Penal e a Fé Cristã (1/2)

Por Alan Rennê Alexandrino
Introdução

Há cerca de um mês um debate acirrado tem movimentado a mídia e, principalmente, as redes sociais. Trata-se da polêmica aprovação da menoridade penal[i] pela Câmara dos Deputados, uma das casas legislativas do nosso país. A vasta maioria da população brasileira se mostra favorável à redução da menoridade penal. No entanto, a minoria contrária tem se empenhado numa cruzada tentando mostrar por que, na sua visão, é um absurdo pleitear tal causa. Interessantemente, são muitos os cristãos protestantes, inclusive de confissão reformada, que têm tomado parte nas manifestações contrárias à redução.