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27 de out. de 2016

Wiclif e Huss: A Reforma Pela Palavra

Por Leandro Lima

Introdução

Quando se pensa na Reforma Protestante, dois nomes logo vêm a mente: Lutero e Calvino. Em geral, as pessoas acham que somente esses dois homens foram responsáveis por todo o movimento que deu origem à Reforma. Sem querer diminuir a grande importância deles, precisa ser dito que outros, alguns contemporâneos a Martinho Lutero (1483-1546) e João Calvino (1509-1564), como Zwinglio, Melanchton, Bucer, Ecolampadio, Knox, também podem ser chamados reformadores, e que muito contribuíram para o retorno à fé evangélica. E, mesmo antes de todos esses, houve movimentos reformistas dentro da igreja que, por certo, contribuíram para a Reforma. Vimos em lição anterior, por exemplo, o movimento dos valdenses. Mas, há dois homens, em especial, que podem ser considerados precursores da Reforma Protestante. São eles John Wyclif[1] (1330-1384) e Jan Hus[2] (1374-1415).

I. Os precursores da Reforma

Hus pode ser considerado um discípulo de Wyclif, pelo menos no sentido teológico. Wyclif trabalhou na Inglaterra, foi teólogo de Oxford, reconhecido por sua erudição, bem visto pelo povo e apoiado pelos nobres.
Wyclif começou a entrar em atrito com a igreja quando passou a pregar:
– A “pobreza apostólica”
– A Escritura como única lei da igreja
– Os eleitos são a igreja, não o Papa e os cardeais
– Cristo como o cabeça da igreja, não o Papa
Embora não tenha rejeitado de todo o papado, entendia que um Papa que aspira poder humano e tem ânsias por impostos nem sequer poderia ser um eleito. Essa idéia de eleição, Wyclif a extraiu principalmente dos ensinos de Agostinho. Mas, com certeza a maior contribuição de Wyclif para a Reforma foi ter colocado a Bíblia na língua do povo. Convicto de que ela era a única lei da igreja, direcionou todos os seus esforços para traduzi-la do latim. Com a ajuda de Nicolau de Hereford, que traduziu o Antigo Testamento, a Bíblia foi traduzida para o inglês. A obra durou de 1382 a 1384. Wyclif e seus seguidores, os “lolardos” foram muito perseguidos pela igreja, que considerou heréticos os seus ensinos. Se Wyclif não foi martirizado, isso se deve, humanamente falando, à proteção que possuía dos nobres da Inglaterra. Mas muitos de seus seguidores foram mortos. A igreja esforçou-se para sufocar as idéias de Wyclif e tentou destruir as traduções da Bíblia, mas pelo menos 150 manuscritos sobreviveram. Curiosamente, a maior influência de Wyclif se fez sentir na Boêmia, onde alguns estudantes de Oxford difundiram suas idéias na Universidade de Praga.
Nessa escola estudou e dela mais tarde veio a ser reitor, um filho de camponeses, de Husinecz (donde veio o nome Hus), chamado Jan Hus. As mesmas doutrinas que Wyclif defendeu, foram também defendidas por Hus. Para ele o cabeça da igreja é Cristo, os membros são os predestinados e a lei é a Escritura. Tanto Wyclif quanto Hus tinham suas idéias fundamentadas na Bíblia, o que os tornava ainda mais ardentes na defesa do Cristianismo verdadeiro.
Como Wyclif, Hus também foi perseguido, mas embora fosse um verdadeiro herói nacional da Boêmia, foi traído pelo Imperador Sigismundo que lhe deu um salvo-conduto para se apresentar diante do Concílio de Constança, mas o revogou assim que ele chegou lá.[3] Indefeso diante do Concílio, heroicamente defendeu suas idéias e se recusou a voltar atrás em suas posições, salvo se fosse convencido de erro. Consciente de que suas conclusões eram bíblicas e, portanto, verdadeiras, enfrentou corajosamente a morte, sendo queimado em 6 de julho de 1415. Cem anos depois, Lutero retomaria o caminho de Hus e Wyclif em defesa da Palavra de Deus e da igreja verdadeira.[4]

II. A Descoberta da Palavra de Deus (2Rs 22.3-10)
A Reforma do século 16 foi uma volta à Bíblia. O mesmo pode ser dito também dos períodos de genuíno avivamento. Foi assim com Lutero que, ao estudar a carta de Paulo aos Romanos, descobriu que a salvação é pela graça mediante a fé. Calvino também reconduziu o retorno à Bíblia com as suas Institutas e seus comentários de quase todos os livros da Bíblia, enquanto aplicava a reforma da religião cristã na cidade de Genebra. O movimento de Wyclif e Hus também foi uma descoberta da Bíblia. Graças à tradução de Wyclif, que colocou a Bíblia na língua do povo, e ao zelo ardente de Hus pela Palavra de Deus, aquele obscuro período da história da igreja não ficou sem um testemunho fiel.

Em 2 Reis lemos sobre uma ocasião de reforma na vida do povo de Israel que começou com a descoberta da Palavra de Deus. Josias começou a reinar com 8 anos de idade e agradou ao Senhor, andando nos caminhos de Davi (2Rs 22.1,2). Mas ele recebeu um reino deteriorado. Seu pai Amom e seu avô Manassés haviam maus e idólatras. Manassés levantou altares a Baal, fez um poste-ídolo e se prostrou diante dele. Chegou mesmo a colocar ídolos dentro da área do templo do Senhor. Se não bastasse, ainda queimou um de seus filhos como sacrifício aos deuses pagãos (2Rs 21.1-7). Amom, filho de Manassés, andou nos mesmos caminhos de seu pai, serviu aos ídolos e os adorou (2Rs 21.21,22). Dá para imaginar a caótica situação em que se encontrava Judá depois desses dois reis, com a idolatria dominante e o templo abandonado, semidestruído. Josias assumiu o trono e queria mudanças, mas como fazê-las? No décimo oitavo ano de seu reinado ele decidiu reformar o templo. Foi então que, pela misericórdia de Deus, encontrou no próprio templo o livro da lei, provavelmente Deuteronômio. O livro foi achado pelo sacerdote Hilquias que o entregou a Safã, escrivão, que o leu diante de Josias (2Rs 22.8-10). Aquele achado mudou completamente a história da nação. Uma poderosa reforma se estabeleceu a partir daquela descoberta.
III. Quebrantamento pessoal (2Rs 22.11,19)
Muitas pessoas ouvem a Palavra de Deus, mas parece que nada acontece em sua vida. Nenhuma diferença, nenhuma transformação, nenhum quebrantamento. Esse não foi o caso de Josias. O texto diz que, quando o escrivão Safã leu o livro perante ele, “tendo o rei ouvido as palavras do livro da lei, rasgou as suas vestes” (2Rs 22.11). Mais tarde o próprio Senhor disse de Josias: “porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante o Senhor, quando ouviste o que falei contra este lugar, e contra os seus moradores, que seriam para assolação e para maldição, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz o Senhor” (2Rs 22.19). Foi grande o quebrantamento pessoal de Josias ao ouvir a Palavra de Deus. Ele entendeu naquela hora toda a situação em que se encontrava a nação e o castigo iminente de Deus. Ele sabia que suas próprias mãos, por mais que se esforçasse, não eram de todo limpas. Ele entendeu sua pecaminosidade e também a do povo, e entendeu que uma enorme reforma era necessária, não só no templo, mas na vida de toda a nação. É isso o que a Palavra de Deus produz na vida dos verdadeiros crentes. Foi isso que ela produziu na vida de Lutero, Calvino, Hus e Wyclif. O quebrantamento pessoal é o primeiro passo para uma reforma. Sem reconhecimento de culpa não há como o ser humano se aproximar de Deus. Deus não abençoa o soberbo, pois duas vezes a Escritura diz que Deus “resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a sua graça” (Tg 4.6; 1Pe 5.5). E a Escritura ainda afirma: “… assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos” (Is 57.15).
IV. Renovação da Aliança (2Rs 23.1-3)
O próximo passo de Josias foi renovar a aliança da nação com Deus. Ele convocou todo o povo, subiu até a casa do Senhor, e leu diante do povo todas as palavras do livro da aliança (2Rs 23.1,2). Em seguida, “o rei fez aliança ante o Senhor, para o seguirem, guardarem os seus mandamentos, os seus testemunhos e os seus estatutos, de todo coração e de toda a alma” (2Rs 23.3). Todo o povo concordou com aquela aliança.
Esse ato do rei de fazer aliança com Deus decorreu do entendimento que veio da Escritura de que, desde os dias de Manassés, o povo havia quebrado o pacto com o Senhor. O encontro com a Palavra produz essa reafirmação de compromisso que é a segunda etapa de uma reforma autêntica.
Renovar a aliança é necessário para que voltemos a experimentar as expressões divinas de misericórdia e graça e não as de juízo. Deus não se relaciona senão por meio de sua aliança. O povo experimentava as conseqüências de haver transgredido o pacto. Todas as maldições decorrentes dessa quebra já estavam começando a vir e outras bem piores aguardavam no futuro. Mas, quando a aliança é renovada, os pecados são perdoados e a bênção retorna. Foi o que Josias aprendeu no livro redescoberto (Dt 29.1 – 30.20).
V. Reforma no culto (2Rs 23.4-23)           
Depois de renovar a aliança, Josias se lançou a uma difícil, mas importante tarefa. Reformar o culto da nação. Já vimos um pouco sobre os atos de Amom e Manassés. De fato, era caótica a situação religiosa do povo. A primeira atitude de Josias foi tirar do templo de Deus todos os utensílios profanos e os queimar fora de Jerusalém (2Rs 23.4). Esses utensílios eram impróprios para o templo. Não deviam estar ali.
Uma reforma verdadeira purifica o templo das coisas que não são lícitas. Wyclif e Hus lutaram contra o misticismo e o sacramentalismo de sua época. Para esses homens e seus discípulos, somente o que a Bíblia autorizava podia ser usado no culto a Deus. O que a Bíblia proíbe não pode ser mantido na adoração do povo de Deus.
A próxima atitude de Josias foi destituir os sacerdotes que haviam sido instituídos para queimarem incenso aos deuses (2Rs 23.5). Também tirou o abominável poste-ídolo que estava dentro da casa do Senhor e o queimou no vale do Cedron (2Rs 23.6). Uma reforma tira todos os ídolos da casa de Deus e destitui do serviço sagrado aqueles que não são dignos de estarem aí. Em seguida, Josias derrubou as casas de prostituição-cultual, que haviam sido colocadas dentro da casa do Senhor. Essas prostitutas eram tidas como sagradas e moravam dentro do templo, mantendo relações sexuais com todos os que quisessem, sendo que isso era considerado não só uma diversão, mas um ato de culto aos deuses ou deusas da fertilidade. Depois Josias começou a reformar a nação fora do templo. Profanou altos, destruiu altares, arruinou homenagens que eram dadas aos deuses e não poupou qualquer tipo de idolatria ou perversão.
A reforma do culto realizada por Josias não consistiu apenas de retirar coisas impróprias. Ele também incluiu o que era certo e que havia sido abandonado. Josias havia lido no livro da lei sobre a importância de celebrar a Páscoa ao Senhor. Então convocou todo o povo para essa celebração. Foi a maior Páscoa celebrada em Jerusalém desde que a nação havia sido estabelecida (2Rs 23.21,22). Isso significa que o culto voltou a ser bíblico e fervoroso, de acordo com a vontade do Senhor.
Uma reforma produz esse tipo de mudança. Tudo o que não é próprio é retirado. É hora de ser radical. Mesmo que muitos gostem. Aliás, o objetivo máximo do culto não é agradar o povo, mas o Senhor. Mas, não basta retirar o que está errado. É preciso também acrescentar os elementos bíblicos ausentes. Uma das principais lutas de Jan Hus foi com relação à Ceia do Senhor. Hus e seus seguidores insistiam em administrar o cálice de vinho ao povo e não somente aos sacerdotes, como já era prática na igreja romana.
VI. Reforma na vida (2Rs 23.24,25)
Josias preocupou-se também em mudar a vida do povo. Tirou os ídolos do templo e também das casas (2Rs 23.24). Isso é fundamental numa reforma religiosa. Não adianta mudar apenas a instituição religiosa se a prática cotidiana permanece corrompida. Sabiamente, Josias aboliu os feiticeiros, os médiuns, e todos os ídolos que se viam na terra de Judá.
Mas, certamente o maior exemplo de mudança foi ele próprio, de quem se diz que “antes dele não houve rei que lhe fosse semelhante, que se convertesse ao Senhor de todo o seu coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças, segundo toda a lei de Moisés; e depois dele nunca se levantou outro igual” (2Rs 23.25). Todos os aspectos da vida foram afetados pela conversão e pela Palavra. Não foi um crente só de aparência. Verdadeiramente viveu a Palavra, mudou externa e internamente. Wyclif, Hus e Josias são exemplos do que o encontro com a Palavra de Deus produz. Hus teve coragem de até morrer por sua fé, pois sabia que não estava defendendo preceitos ou tradições dos homens, mas a pura e verdadeira Palavra de Deus. 
Conclusão
Toda Reforma verdadeira começa com a descoberta da Palavra de Deus e prossegue de acordo com a fidelidade a essa Palavra. Isso ficou bem claro no caso de Josias, e pode ser visto também na Reforma Protestaste, e como vimos, antes mesmo, nos chamados pré-reformadores John Wyclif e John Hus. O respeito desses homens à Escritura, bem como o desejo de que ela fosse acessível a todos os homens é uma das mais importantes marcas da obra deles. Precisamos de reforma hoje também, mas ela precisa começar pela Palavra de Deus, pois somente assim, teremos a garantia de que será bem sucedida.
Aplicação
Que efeitos a Palavra de Deus tem produzido na sua vida? Será que, o ouvir, domingo após domingo a Palavra tem feito de você um crente mais fiel? O que você pode fazer para que uma reforma também aconteça na sua vida e na vida da sua igreja?

***

[3] Nos dias de Hus ocorreu uma crise de autoridade na Igreja Católica. Em 1305, sob pressão do rei da França, a sede do papado foi transferida de Roma para Avignon, na França, onde permaneceu por 70 anos (Esse período é chamado de Cativeiro Babilônico do papado.). Em 1376 o papa retornou para Roma. Mas logo depois ele morreu e os cardeais, franceses na maioria, estavam dispostos a eleger um papa francês. O povo de Roma se opôs, temendo que um papa francês reconduzisse a sede do papado para a França. Os cardeais, então, elegeram um papa italiano, mas os delegados da França reuniram-se em outro lugar e elegeram um papa francês, alegando que a primeira eleição fora inválida. Assim passou a haver dois (depois três) papas. O Concílio de Constança foi convocado para resolver o impasse. Um dos papas reconheceu os poderes do Concílio e abdicou. O Concílio proclamou que sempre tinha havido um só papa verdadeiro, depôs os outros dois e elegeu um novo para, encerrando assim o que passou à História como “O Grande Cisma”. Como Hus ensinava que o papado não provinha de Deus, sua posição não podia ser nem de longe tolerada. Acusado de heresia, foi queimado em julho de 1415.

[4] Os seguidores de Hus tornaram-se conhecidos como Irmandade Tchecae mais tarde como Os Moravianos. A Igreja Morávia sobrevive até hoje. No século 16 exerceu considerável influência sobre o movimento luterano. Após Lutero haver afixado as suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, cartoons e graffti passaram a sugerir que ele era herdeiro espiritual de Hus.

Fonte: Ultimato

21 de out. de 2016

Cronologia de Martinho Lutero

Por Alderi Souza de Matos


1483 – Nasce em Eisleben, na Alemanha oriental.

1484 – Seus pais, Hans e Margaretha Luder, mudam-se para Mansfeld, onde Hans trabalha em minas de cobre.

1492 – Lutero estuda em Mansfeld.

1497 – Estuda em Magdeburgo e no ano seguinte em Eisenach.

1501 – Ingressa na Universidade de Erfurt e no ano seguinte recebe o grau de bacharel.

1505 – Conclui o mestrado em Erfurt e começa a estudar direito. Em 02-07, durante uma tempestade, jura tornar-se monge; ingressa na Ordem dos Eremitas Agostinianos, em Erfurt.

1507 – É ordenado e celebra a primeira missa. No ano seguinte, leciona filosofia moral em Wittenberg.

1510 – Visita Roma e no ano seguinte é transferido para a casa agostiniana de Wittenberg.

1512 – Torna-se doutor em teologia e no ano seguinte começa a lecionar sobre os Salmos na Universidade de Wittenberg.

1515 –
Leciona sobre Romanos e é nomeado vigário distrital sobre dez mosteiros; no ano seguinte, começa a lecionar sobre Gálatas.

1517 – Começa a lecionar sobre Hebreus; em 31 de outubro, afixa as Noventa e Cinco Teses sobre as indulgências. Contexto: eleição do sacro imperador e venda de indulgências.

1518 – Defende a sua teologia em uma reunião dos agostinianos em Heidelberg. Em outubro, comparece diante do cardeal Cajetano em Augsburgo, mas recusa retratar-se; em dezembro, Frederico, o Sábio, impede que Lutero seja levado a Roma.

1519 – Entende a “justiça de Deus” como uma “justiça passiva com a qual Deus nos justifica pela fé.” Em julho, tem um debate com o professor dominicano João Eck em Leipzig; defende João Hus e nega a autoridade suprema de papas e concílios. Carlos V é eleito sacro imperador.

1520 – A bula papal Exsurge Domine dá-lhe 60 dias para retratar-se ou ser excomungado. Queima a bula papal e um exemplar da lei canônica. Escreve três documentos fundamentais: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. A Reforma alastra-se na Alemanha e na Europa.

1521 –
É excomungado pela bula Decet Romanum Pontificem, de Leão X. Em abril, naDieta de Worms, recusa renegar os seus escritos e no mês seguinte um edito o condena como herético e proscrito. É seqüestrado e ocultado no Castelo de Wartburg, onde começa a traduzir o Novo Testamento. Protegido pelo príncipe eleito.

1522 – Em março, deixa o seu esconderijo e retorna a Wittenberg. No ano seguinte, escreve Sobre a Autoridade Temporal. É publicado o Novo Testamento em alemão.

1524 – Tem um debate com Andreas Bodenstein Karlstadt sobre a Ceia do Senhor. Explode a Revolta dos Camponeses.

1525 – Escreve Contra os Profetas Celestiais; escreve Contra as Hordas, criticando a Revolta dos Camponeses. Casa-se com Catarina von Bora. Escreve O Cativeiro da Vontade, contra Erasmo. Morte de Frederico, o Sábio.

1526 – Escreve a Missa Alemã; nasce o seu filho Hans. Na Dieta de Spira, os príncipes recusam-se a aplicar o Edito de Worms. No ano seguinte, luta contra enfermidades e intensa depressão; escreve “Castelo Forte”. Nasce a sua filha Elizabete. Escreve contra as idéias de Zuínglio acerca da Ceia do Senhor.

1528 – Escreve a Grande Confissão Acerca da Ceia de Cristo; chora a morte de Elizabete; visita igrejas.

1529 – Dieta de Spira: intolerância contra os luteranos. Surge o nome “protestantes.” Lutero comparece com Zuínglio ao Colóquio de Marburg, mas não alcançam acordo sobre a Ceia do Senhor. Publica o Grande Catecismo e o Pequeno Catecismo. Nasce sua filha Madalena.

1530 – Morre seu pai. Lutero, sendo um proscrito, não pode comparecer à Dieta de Augsburgo, realizada na tentativa de pôr fim à divisão religiosa do império. Filipe Melanchton apresenta a Confissão de Augsburgo, uma declaração das convicções luteranas.

1531 – Começa a lecionar sobre Gálatas. Nasce o seu filho Martin e morre a sua mãe, Margaretha.

1532 – Escreve Sobre os Pregadores Infiltradores e Clandestinos. Recebe o mosteiro agostiniano de Wittenberg como sua residência.

1533 – Nasce o seu filho Paulo. No ano seguinte, publica a Bíblia Alemã completa e nasce sua filha Margarete.

1536 – Aceita a Concórdia de Wittenberg sobre a Ceia do Senhor, na tentativa de sanar as diferenças com outros reformadores, mas os zuinglianos a rejeitam.

1537 – Redige os Artigos de Schmalkald como seu “testamento teológico.” No ano seguinte, escreve contra os judeus em Contra os Sabatarianos.

1539 – Escreve Sobre os Concílios e a Igreja. Em 1541, escreve Exortação à Oração contra os Turcos.

1542 – Redige o seu testamento; morre sua filha Madalena. No ano seguinte, escreveSobre os Judeus e suas Mentiras.

1544 – Escreve contra a interpretação de Caspar Schwenckfeld sobre a Santa Ceia.

1545 – Escreve Contra o Papado de Roma, uma Instituição do Diabo. Morre o arcebispo Alberto de Mogúncia e tem início o Concílio de Trento.

1546 – Lutero morre no dia 18 de fevereiro em Eisleben. Sua esposa morre em 1552.

***

14 de out. de 2016

A Reforma e a educação: Calvino, Knox e Comênio

Por Hermisten Maia P. da Costa

Introdução

Uma das grandes ênfases das Escrituras diz respeito à educação do povo de Deus. O Senhor diz insistentemente ao povo que preserve a sua Palavra, guardando-a (praticando) e ensinando-a aos seus descendentes. O método estabelecido por Deus que perpassa a todos os outros é o da “repetição” (Shãnâ) (Dt 6.6ss). Não deixa de ser elucidativo, que o Shemá (“ouve”), o “credo judeu” – que consistia na leitura de Deuteronômio 6.4-9; 11.13-21 e Números 15.37-41 –, fosse repetido três vezes ao dia.

Por isso, nada mais natural que um movimento de reforma da igreja, um retorno à Escritura, tenha sido tão enfático na valorização da educação. Nenhuma surpresa será constatar-se que os países que abraçaram a Reforma do século 16 se destacaram pelo ensino e pelo conseqüente desenvolvimento, enquanto os outros perpetuavam as trevas da ignorância medieval.
I. O ensino sistemático da lei

Um princípio importante prescrito na Palavra é que a revelação de Deus foi-nos confiada para que a conheçamos e a pratiquemos (Dt 29.29). Deus provê os princípios, os meios e os fins. Ele mesmo que se dignou dar-nos sua Palavra e tem propósitos definidos e meios estabelecidos para que a sua vontade se cumpra. No Antigo Testamento vemos a educação sendo amplamente praticada dentro do lar, sendo os mestres os próprios pais.
No âmbito nacional, vemos que Deus confiou em especial aos sacerdotes a responsabilidade de ensinar a lei – lendo-a periodicamente diante de todo o povo –, aplicando-a às necessidades de seus ouvintes (Lv 10.11; Dt 17.8-11; 31.9-13/2Rs 12.2). Eles eram conhecidos como “os que tratavam da lei” (Jr 2.8). A fidelidade dos sacerdotes no cumprimento de sua missão servia em geral como “termômetro” para medir a situação espiritual do povo. Quando os sacerdotes se desviavam desse propósito, as conseqüências eram fatais. No 8º século a.C., temos um grave e desolador problema na vida espiritual de Israel (reino do norte): Os sacerdotes não ensinavam mais a lei e o povo, ao longo dos anos, prosseguia em seu caminho de desobediência. Deus demonstra por meio de Oséias (c. 750-723) que o povo era a expressão viva do sacerdote, ainda que, ironicamente, por vezes o povo o acusasse: “O teu povo é como os sacerdotes aos quais acusa…. como é o povo, assim é o sacerdote” (Os 4.4,9). Por outro lado, também é verdade que o povo tornara-se surdo ao apelo divino (Os 8.12; 12.10,13; 2Rs 17.13).

II. A praticidade da Palavra para o ensino e a educação

O escritor da epístola aos Hebreus declara que “A Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4.12). A Palavra de Deus é uma verdade tão viva agora quanto o era quando foi revelada por Deus aos seus servos, que a registraram inspirados pelo Espírito Santo. Ela continua com a mesma eficácia para os questionamentos existenciais do homem moderno. Nosso problema no século 21 – e até mesmo muitos de nós cristãos – é que, com freqüência, sem percebermos, trocamos os preceitos da Bíblia por conselhos de revistas e livros, por modismos veiculados pelos meios de comunicação; substituímos a Bíblia pela psicologia, filosofia, sociologia, antropologia e até mesmo, astrologia, colocando-as como o nosso parâmetro de comportamento, em detrimento da inerrante, infalível Palavra de Deus, que é a verdade viva e eficaz de Deus para nós. Isso tudo nós fazemos alegando estar sendo práticos, esquecendo-nos de que toda e cada parte do ensino bíblico é urgente e necessariamente prático, relevante para nós.

Quando adotamos essa “prática” contemporânea que destoa das Escrituras, cometemos uma total inversão de valores: assimilamos os conceitos humanos que, quando corretos, nada acrescentam à Palavra mas que, na realidade, na maioria das vezes, estão totalmente equivocados, porque desconhecem a dimensão do eterno, os valores celestiais para a nossa vida aqui e agora e, por isso mesmo, apresentam ensinamentos mundanos, frutos de uma geração corrompida. Tais conceitos assumem na vida da igreja um papel orientador. A igreja, ao contrário disso, é chamada a ser uma antítese ativa contra os valores deste século; ela é convocada a viver a Palavra, a considerá-la como de fato é, a Palavra infalivelmente viva e eficaz para a nossa vida, a Palavra final de Deus para a nossa existência terrena.
A lei de Deus continua sendo o princípio norteador de toda a vida cristã. Deus continua ordenando que nós não adulteremos, não roubemos, não matemos, que honremos os nossos pais, que o adoremos com exclusividade…  O que pode fazer uma igreja que preza a Palavra de Deus senão promover o seu ensino e, mais amplamente, promover uma educação calcada nos preceitos do Senhor?
III. A Reforma e a Educação[1]

A. Calvino e John Knox

Calvino[2] criou uma Academia em Genebra (1559), atingindo alunos estrangeiros vindos de vários países da Europa. A Academia tornou-se grandemente respeitada em toda a Europa; o grau concedido aos seus alunos era amplamente aceito e considerado em universidades de países protestantes como a Holanda.

John Knox[3] (1515-1572), após estudar em Genebra, desenvolveu para a Escócia um plano educacional que contribuiria para o progresso do país nas áreas material e espiritual,[4] tendo a Bíblia como tema principal de estudo. A igreja pagaria as despesas dos alunos. A partir desse plano o Parlamento escocês aprovou em 1646 a criação de uma escola para cada região, seguindo indicação do presbitério, votando-se verba para salário dos professores. Aqui houve uma cooperação entre a Igreja e o Estado, estando a supervisão das escolas e professores entregue à Igreja. Este sistema, tão bem sucedido na Escócia, só viria sofrer alterações significativas no século 19.

B. João Amós Comênio

João Amós Comênio (Comenius)[5] (1592-1670), foi batizado com esse nome em homenagem ao pré-reformador João Hus[6] (lição 8) e iniciador da Igreja Morávia (Irmãos Unidos).[7] Aquele que seria conhecido como “Pai da Didática Moderna”, teve uma vida difícil: órfão aos 12 anos (1604), foi acolhido por uma tia paterna. Nesse período pôde estudar na escola dos Irmãos Unidos (1604-1605). Somente aos 16 anos (1608) é que entrou para a escola latina de Prerau. Em 1611 ingressou na Universidade de Herborn e em 1613 foi admitido na Universidade de Heidelberg (Alemanha), onde estudou teologia. Em 26 de abril de 1616 é ordenado pastor. Desde 1618 exerce o pastorado na cidade de Fulnek, na Morávia. No entanto, com a invasão da Boêmia e de sua cidade, que é saqueada e queimada, Comênio é proscrito em 1621, perde sua biblioteca e manuscritos e, o pior: sua mulher, grávida, e seus dois filhos, morrem vitimados pela peste. Ele passou a ter uma vida errante pela Europa. No entanto, apesar de suas tribulações, Comênio pôde produzir uma obra vastíssima ligada especialmente à educação (mais de 140 tratados), sendo o seu principal trabalho – que resume bem a sua obra –, a Didática Magna(escrita em 1632 e publicada em latim em 1657). O método audiovisual encontrou a sua origem em Comênio, também chamado de o “evangelista da moderna pedagogia”.[8] Ele foi o último bispo da Igreja dos Irmãos Boêmios (1632).

Comênio foi o filósofo da educação e o educador mais notável do século 17 e um dos mais importantes de toda a História, tendo a sua obra exercido grande influência durante a sua vida e especialmente nos séculos posteriores, sendo um dos incentivadores da Escola Pública. Há evidências de que ele teria sido convidado por John Winthrop Jr. (1606-1676) a presidir o Harvard College (1642), cargo que de fato nunca ocupou. Na realidade, Comênio recebeu ao longo da vida diversos convites, os quais não pôde atender, como o do Cardeal Richelieu da França, da cidade de Hamburgo e de alguns nobres poloneses. Em 1641 Comênio atendeu o convite de Luís de Gerr que, em nome do rei Gustavo Adolfo da Suécia, solicitou-lhe ajuda para reformar o sistema de escola nacional sueco. Em 1656 ele foi, à convite, viver na Holanda, onde passou o resto de seus dias. Morreu em 15 de novembro de 1670. O filósofo luterano G.W. Leibniz (1646-1716), então com 24 anos, dedicou-lhe os seguintes versos: “Tempo virá em que a multidão dos homens de bem te honrará e honrará não somente tuas obras, mas também tuas esperanças e teus votos”.

Conclusão

A forte ênfase que as Escrituras dão ao seu ensino e o lugar de destaque que essa empreitada deveria receber nos lares de Israel, bem como na própria vida nacional do povo escolhido, acompanharão toda a história da igreja, lembrando o povo de Deus de que os termos da Aliança não podem ser esquecidos, ao contrário, devem ser ensinados aos pequeninos e lembrados a todos de todas as idades.
Então, como povo de Deus e, particularmente, como herdeiros da Reforma, carecemos dessa ênfase. E, num país com as raízes que tem o nosso, onde a educação não foi privilegiada desde o começo por não haver uma preocupação com o estudo da Palavra de Deus, essa ênfase haverá de gerar – e é preciso que assim seja – uma preocupação em promover ainda mais a educação. Não basta que sejamos menos iletrados do que o restante da população – como de fato somos. É preciso lutar, como fizeram Calvino, Knox, Comênio, e tantos outros, para promover a educação de todos com base na verdade.
Será a nossa contribuição para reformar não apenas o Cristianismo no Brasil, mas o próprio país e, acima de tudo, será a nossa contribuição para que Deus seja glorificado.
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[1] Ver: Revista Expressão, tema do trimestre: Cidadania Cristã: uma perspectiva reformada, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1º tri. 2002, lição nº 3.




[4] Planejamento da Educação: Um Levantamento Mundial de Problemas e Prospectivas, Conferências Promovidas pela Unesco, Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1975, p. 4.


[6]Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2000, p. 192; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo, Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 39.

[7] Cito como curiosidade, que mais tarde, o Regente Feijó tentará trazer os Irmãos Morávios ao Brasil (1836), com o objetivo de trabalhar na catequese dos índios. Contudo, lamentavelmente eles estavam “impossibilitados de atender” o convite. (Ver: Daniel P. Kidder,Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo), São Paulo, Martins Fontes, (1951), Vol. I, p. 41).

[8] Título da obra de Will S. Monroe, publicada em Boston (1892):Comenius, the evangelist of modern pedagogy.
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Fonte: Ultimato

22 de jan. de 2016

Calvino e as Relações de Trabalho

Por André Biéler

A ética calvinista do trabalho.

Como toda ética do reformador, a ética do trabalho baseira-se, portanto, na visão bíblica das realidades sociais. É uma ética teológica, que pode confirmar, mas não necessariamente, a ética natural, de uma humanidade atualmente desnaturada. A ética evangélica destina-se a servir de referência aos seres humanos para ajudá-los a discernir o bem do mal, porque bem e mal lhes são igualmente naturais, um como o outro.

A dignidade do trabalho humano, quando em conformidade com o desígnio de Deus, atém-se ao fato de que é, de certa forma, o prolongamento do trabalho que o próprio Deus empreende para a manutenção de suas criaturas. É a resposta à vocação que este Deus lhes dirige para que elas se utilizem das riquezas da criação, postas por ele, gratuitamente, à disposição delas. A despeito dessa eminente dignidade, a obra humana permanece, porém, obra profana. Não poderia aspirar à sua sagração. Quem a executa assume toda a responsabilidade perante Deus e perante os homens.

Todavia, por causa de sua natureza desnaturada, o homem despreocupa-se da glória de Deus e, por conseguinte, do bem de seu próximo. Crê poder dispor de seu trabalho como bem lhe parece, de forma autônoma e egoísta. Pode mesmo fazer dele seu Deus. E pensa, naturalmente, que pode dispor igualmente, como bem lhe apraz, do trabalho alheio e, particularmente, dos frutos do trabalho daqueles que por ele são remunerados. Assim, desligado da ordem de Deus que lhe confere seu sentido e sua dignidade, esse trabalho pode transformar-se em servidão, maldição, e tornar-se, para si mesmo e para os outros, fonte de sofrimentos e lágrimas. Degrada-se o ponto de não ser considerado mais que simples mercadoria, como o destacarão os economistas do século XIX.

O que se faz mister, portanto, para que o trabalho recupere seu sentido original? Urge que seja novamente considerado como serviço e reconhecido como tal, com sua dignidade. E para tanto, faz-se preciso que o homem restaure sua situação perante Deus. Faz-se necessário que se associe de novo, pessoalmente, à obra espiritual que Deus persegue incansavelmente no mundo, para o bem de todas as suas criaturas. E é preciso que associe igualmente a essa obra divina seu próprio trabalho e o dos outros.

Paradoxalmente, para isso acontecer, o homem deve parar momentaneamente de trabalhar, a fim de readquirir nova comunhão com Deus. É necessário que silencie diante dele, para escutá-lo. Esse é o significado do Deus (Gênesis, c. 20). É o dia da santificação, a saber, da marcha espiritual, pela qual cada indivíduo é convidado a reencontrar sua verdadeira identidade de criatura de Deus, motivada e estimulada por seu amor.

Assim, o repouso humano não possui valor em si mesmo. Se proporciona ao trabalhador um descanso físico e psicológico desejado, necessário, isso é uma feliz consequência, mas um efeito secundário. Não é o reencontrar-se com Deus, com a comunidade dos crentes, retornar às fontes e reencontrar, assim, o sentido da sua vida inteira, e particularmente de seu trabalho. “Os fiéis”, escreve Calvino, “devem repousar de seus próprios trabalhos, a fim de permitir que Deus opere neles.” E “agir é, pois, aderir em todas as coisas à ação de Deus”.

Ora, essa tomada de posição do homem diante de Deus só é possível pela mediação de Cristo. Para que reconquiste o justo sentido de sua existência e de seu trabalho, o homem deve entrar na comunhão com Deus pelo caminho que lhe abre Cristo. É necessário, pois, passar pelo arrependimento e deixar-se santificar, restaurar, pelo espírito de Deus. E essa santificação opera-se na comunidade dos fiéis, na comunhão com aqueles que buscam em conjunto a renovação da sua existência. Assim, somente dessa forma o trabalho cotidiano pode readquirir seu significado e reencontrar sua qualificação. Só desse modo pode tornar a ser uma obra em conformidade com o desígnio de Deus e restabelecer entre os homens relações sociais justas. Eis porque o mandamento bíblico da santificação do dia do repouso faz menção às relações do trabalho, ao relacionamento entre senhores e súditos, isto é, em termos modernos, entre patrões e operários, entre empregadores e empregados, entre os que fornecem o capital da empresa e os que executam o trabalho. A espiritualidade cristã, quando autêntica, não é, pois, fuga da interioridade. É contemplação do agir de Deus, que quer ser, claramente, o árbitro das relações humanas no trabalho, na cidade e, também, nas trocas comerciais e financeiras. Aliás, como também em todos os demais domínios da vida. (Mas estes não constituem objetos das reflexões desta obra.)

Pode-se, por isso, dizer, com toda justiça, que Calvino conferiu ao trabalho sua dignidade. Mas, é um equívoco censurá-lo por haver instituído a religião do trabalho. Se protestantes, ou mesmo sociedades de origem calvinista, vieram a ceder a essa extravagância, como se pode constatar por vezes (examinar-se-á esse assunto), é porque adotaram ideologias profanas que, como o liberalismo integral ou o marxismo, consideram o trabalho sem levar em conta o sentido que Deus lhe empresta. Fazem dele um valor em si, autônomo, apartado de suas raízes espirituais e da ética que delas deriva, detentoras de seu verdadeiro significado. Acrescentamos que esse sentido do trabalho não é estático, mas dinâmico. A vocação de Deus não enclausura o cristão em atividade imutável. Ao contrário, é apelo para enfrentar, de maneira flexível, as situações novas. Porque Deus, que convoca o homem ao trabalho, age sempre no contexto de uma história concreta e evolutiva, que obriga cada indivíduo a adaptar-se às circunstâncias.

A ociosidade, o desemprego e os lucros abusivos.

Já que o trabalho, sob a ótica calvinista, é obra pela qual o homem se realiza correspondendo à vocação que Deus lhe dirige, a ociosidade é vício que corrompe a humanidade. O repúdio ao trabalho, assim como a preguiça, significa para o homem a negativa de corresponder à expectativa de Deus, uma forma de ruptura com ele. “A bênção do Senhor”, escreve Calvino, “está nas mãos daquele que trabalha. É certo que a preguiça e a ociosidade são malditas por Deus.”

É por isso que Calvino denuncia a culpa dos que obtêm suas posses do trabalho alheio, sem proporcionar à comunidade trabalho pessoal, serviço real (remunerado ou não). Descreve esses “ociosos e inúteis que vivem do suor alheio e, portanto, não prestam contribuição alguma para ajudar o gênero humano”.

Eis nos novamente bem distantes tanto dos usos da sociedade feudal anterior à Reforma quanto dos que prevaleceram em seguida nas sociedades onde floresceu o capitalismo primitivo ou selvagem. Que nessas sociedades alguns trabalham demasiadamente, enquanto outros são conduzidos ao repouso forçado, eis um indício grave do esquecimento da ética cristã ou do desprezo por ela. É por isso que, pelas mesmas razões teológicas relacionadas com o valor do trabalho, o desemprego não pode ser tolerado, nem admitido, como uma fatalidade do ponto de vista desta ética. Já que o trabalho é essa obra indispensável, pela qual o homem se realiza na obediência a Deus, o desemprego é uma calamidade social que deve ser combatida com o máximo vigor. Privar o homem do seu trabalho é verdadeiro crime. É, de certa forma, subtrair-lhe um pouco a vida. “Se bem que recebamos nosso alimento da mão de Deus”, escreve Calvino, “ele nos ordenou trabalhar, O trabalho é eliminado? Então a vida humana é aviltada.” “Sabemos que toda a renda de todos os artesãos e operários decorre de poder ganhar a vida…”. “Então, já que Deus lhes depositou assim a vida em suas mãos, isto é, no seu trabalho, privá-los dos bens necessários é como degolá-los.”

A ética reformada do trabalho ordena, portanto, ação social eficaz para prevenir o desemprego e intervir em benefícios de suas vítimas.

Tal ética estava na origem das múltiplas intervenções de Calvino e de seus colegas na luta contra esse flagelo. Para eles não estava em discussão abandonar-se à filosofia do “laisser-faire”, que prevaleceu mais tarde na ideologia profana do liberalismo integral e dos economistas sem imaginação. Preconizavam a intervenção moderadora do legislador para melhor distribuição de bens em função da conjuntura. Não imaginavam, tampouco, que o Estado devesse assumir a função econômica: isso equivaleria a subtrair aos indivíduos suas responsabilidades e iniciativas, inerentes à sua vocação, preocupada com o próprio trabalho e com o alheio. E a ociosidade, que a ética cristã combate, não pode ser encorajada, também, por uma lassidão social tolerante demais para com os preguiçosos.

Sempre em função de seu significado espiritual e ético, o trabalho de cada indivíduo deve ser respeitado e não é lícito dele retirar lucro abusivo. “Deus nos ensina”, escreve ainda Calvino, “que nos cabe tratar com tal humanidade os que cultivam a terra para nós, que eles não sejam onerados imoderadamente, mas possam prosseguir no seu trabalho e nele tenham oportunidade de dar graças a Deus.” Deus quer “corrigir a crueldade que existe nos ricos, os quais empregam pessoas pobres, mas não as recompensam pelo seu trabalho”.

Então, se a liberdade é indispensável ao exercício da vocação para o trabalho, que Deus dirige a toda pessoa humana, essa liberdade não pode ser considerada isoladamente, independente da busca de justa solidariedade entre os parceiros sociais, todos os atores da economia.

Sabe-se com que vigor Calvino se esforçou para pôr em prática o ensino espiritual e ético que ele ministrava cotidianamente. Interveio constantemente junto às autoridades, tanto para eliminar a ociosidade quanto para combater o desemprego, que se tornava ameaçador quando os refugiados estrangeiros afluíram para a cidade de Genebra. Foi em razão de suas insistências que o Pequeno Conselho, um dos conselhos da cidade, estimulou a criação de novas indústrias, como a tecelagem, depois as manufaturas de tecidos de seda para criar assim novos postos de trabalho e absorver o desemprego.

O conceito reformado do salário.

É sempre a partir de considerações teológicas particulares que Calvino define uma ética concreta. E assim é, mais notadamente ainda, a propósito do salário.
    
O salário humano retira seu significado de uma analogia com a recompensa que Deus concede ao homem por suas obras. De fato, ela depende unicamente de seu amor. Tudo o que recebe um ser humano é devido à graça de Deus. É ele que provê gratuitamente a sustentação da vida, por pura misericórdia. “Falando com propriedade”, escreve Calvino, “Deus nada deve a ninguém.” “Qualquer obrigação de que nos desincubamos, Deus não está absolutamente obrigado a pagar-nos salário algum.”

Na sua bondade, porém, Deus não abandona suas criaturas sem lhes dar o que lhes é necessário para viver. Remunera suas obras, não por obrigação, mas por amor. “Por sua bondade gratuita, oferece-nos salário”, escreve ainda o reformador, “aluga nosso trabalho, o qual lhe é devido mesmo sem a remuneração.”
    
O salário humano concedido a todo o trabalhador é, portanto, a expressão tangível do salário gratuito e imerecido com que Deus privilegia a obra de cada indivíduo. Assim, por mais profano que seja, o salário se reporta à obra de Deus. Expressa de forma visível a intervenção de Deus em favor da frágil existência humana. Além disso, porque esse salário é o sinal da graça de Deus, não pode ser considerado como favor, que o dono do trabalho possa dispor como bem lhe aprouver. Dando ao trabalhador a remuneração de seu trabalho, o dono nada mais faz que transferir ao próximo aquilo a que este tem direito da parte de Deus.

Por causa desse significado espiritual e ético conferido ao salário, o produto do trabalho não pertence, portanto, mais ao patrão que ao operário, ambos sócios na atividade comum. Em conjunto, recebem o produto como a recompensa providencial de seu esforço. Patrões e empregados são, em conjunto e igualmente, devedores de Deus segundo os dons que receberam e puseram em atividade, sem mérito maior para uns ou outros. Devem, portanto, repartir esses frutos de comum acordo, livremente, mas levando em conta a contribuição inicial a responsabilidade de cada um. Disso decorre que não se trata simplesmente de regular-se pela lei da oferta e da procura, sem qualquer outra consideração ética. E mesmo que tal ética jamais haja sido aplicada à letra, é sua orientação espiritual que importa observar. A negociação, aqui como em qualquer lugar, deve ocorrer. A negociação é um princípio social superior, que deriva diretamente do fato de que nenhum ator econômico é, sozinho, dono do que produz em conjunto com os outros. O produto permanece sinal concreto da graça de Deus, um dom a partilhar.

Contra a exploração dos trabalhadores.

Por certo Calvino não ignora as regras do mercado. Mas, precisamente estas, não podem ser as únicas que devem ser levadas em conta. Devem ser complementadas e corrigidas de acordo com essas referências espirituais e éticas. Impõe-se especialmente levar em consideração as necessidades e a dignidade de todos os parceiros. É que a avidez ameaça sempre perverter as relações sociais, particularmente quando a conjuntura é adversa para os trabalhadores mais fracos.
    
“Eis como muitas vezes procedem os ricos”, escreve Calvino. “Espreitam as ocasiões favoráveis para reduzir à metade os salários dos pobres, quando estes não têm onde empregar-se. Estes estão desprovidos de tudo, dirá o rico, tê-los-ei por um pedaço de pão, porque precisam, embora contra a vontade, se renderem a mim. Dar-lhes-ei meio salário e têm de contentar-se. Quando, pois, usamos de tal maldade, conquanto não tenhamos negado salário, há sempre crueldade, e lesamos um pobre.”
   
Destarte, em matéria de remuneração, o que é justo sob o aspecto da ética está, muitas vezes distante do que é a norma no mundo econômico.
   
Sem que, nem por isso, recomende a revolução dos assalariados explorados, o reformador constata que Deus está atento às reclamações dos trabalhadores espoliados: ele não se esquece dos empregadores que abusam deles. De fato, “com que maior violência se pode deparar”, escreve, “do que fazer morrer de fome e de miséria os que nos fornecem o pão com o seu trabalho? E, apesar disso, essa maldade tão absurda é muito comum. É que existem muitas pessoas que possuem temperamento tirânico e pensam que a humanidade foi feita somente para eles. São Tiago afirma que o salário grita, porque tudo o que os homens retêm em seu poder, ou por fraude, ou por violência ou força, clama vingança aos gritos. Faz-se imperioso observar o que acrescenta: o grito dos pobres chega até os ouvidos de Deus, a fim de que saibamos que as maldades, que lhes são feitas, não ficarão impunes”.

Ainda nessa matéria, Calvino interveio junto aos seus colegas para que a ética da justa remuneração fosse aplicada na sua cidade. Àquela época, como na maioria dos países vizinhos, a população atravessava período difícil, caracterizado por alta generalizada do custo de vida. Os salários não acompanhavam essa elevação. Os assalariados menos aquinhoados, o proletariado, entraram em agitação. Em 1559, o Conselho, para prevenir qualquer rebelião, proibiu a reunião de trabalhadores, suprimindo seu direito a associação. Advieram perturbações sociais, entre os gráficos principalmente. Sob a iniciativa dos pastores, o Conselho, de comum acordo com os representantes da profissão, tomou medidas para regulamentar a atividade gráfica. Graças a essa intervenção e à ponderação dos interessados, Genebra evitou as greves que perturbaram Lion e Paris naqueles tempos. Essa paz social, obtida mediante a negociação entre todas as partes, contribuiu para a recuperação da economia de Genebra e para seu desenvolvimento rápido em comparação com as economias vizinhas.

Legitimidade do comércio, das trocas e da divisão do trabalho.

Enquanto a sociedade medieval menosprezava o comércio, o Cristianismo reformado o reabilitou inspirando-se, uma vez mais, no ensinamento bíblico. Já que Deus convocava cada indivíduo para uma missão particular, explica Calvino, torna-o dessa forma dependente do trabalho e dos serviços alheios. Assim, pois, cada indivíduo tem necessidade de usufruir das outras atividades humanas. Certa divisão do trabalho está, portanto, em conformidade com o desígnio de Deus. Ela manifesta a interdependência de suas criaturas e acentua a utilidade dos vínculos que a atividade econômica tece na sociedade. Cada indivíduo é dependente dos outros. Desse modo expressa-se a solidariedade que liga os homens entre si. E tal solidariedade implica troca permanente entre os indivíduos, reciprocidade de serviços. O comércio, por consequência, é o corolário da vocação individual para um trabalho particular. As trocas são por conseguinte indispensáveis para que se realize a ordem social harmoniosa que Deus quer ver reinar entre os homens. Nenhum deles pode bastar-se.

É pouco provável, porém, que Calvino tenha aplicado essas observações, tais quais foram feitas, à divisão industrial do trabalho que não conheceu, levada ao exagero, como o foi, a partir do século XIX. É que tal divisão, que reduziu o homem a simples máquina, destruiu a própria natureza do trabalho criador, individual, resposta a uma vocação personalizada.

Como todas as outras atividades humanas, as trocas somente são úteis se estão em conformidade com a vontade de Deus, à ética cristã. Mas o homem desnaturado inclina-se a falsear esse tipo de relações econômicas. A fraude e a desonestidade insinuam-se nas trocas e desnaturam-nas. “Quando não mais se pode comprar nem vender”, diz Calvino, “a companhia dos homens é como que destruída.”

Ora, os autores de tal subversão são acima de tudo os especuladores e os açambarcadores, já numerosos no século XVI, que, por todos meios artificiais, entravam a circulação dos bens e dos produtos, causando-lhes a raridade e aumentando destarte os lucros.
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Fonte: A Força Oculta dos Protestantes. Ed. Cultura Cristã. P. 124-131.