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20 de jan. de 2017

O abandono da beleza no que ouvimos


Por Thomas Magnum


Eu descobri a arte, a música e a literatura quando era adolescente e fiquei intrigado com seu poder e seus significados. Por que elas têm um efeito tão profundo e transformador em nós e o que elas dizem sobre o mundo em que vivemos?

Roger Scruton - Filósofo*

Muitos acham que a definição clássica de música se resume em dizer que ela é a arte dos sons. Lembro-me de quando comecei meus estudos de harmonia, uma das primeiras definições que li foi: Música é a sucessão dos sons devidamente ordenados.

De fato muita coisa mudou no que corresponde ao que é a música nessa geração. Tanto a vida religiosa quanto a secular perderam a benesse do belo e o estético na harmonização dos sons. Evidentemente isso tem uma ligação absoluta com construções filosóficas do nosso tempo - resumindo a música como uma simples sucessão de sons devidamente desordenados e sem sentido. Influências tais como existencialismo, surrealismo, dadaísmo e uma inumerável quantidade de vertentes filosóficas tem granjeado novos padrões a música.

No que se refere a harmonia, podemos até pensar em uma emanação da irracionalidade e de uma espécie de niilismo autocrata absolutizado e idiotizante. Em nome do gosto individualizado que de fato tem haver com o tipo de formação cultural, intelectual e até religiosa, um amontoado de barulho tem sido chamado de música. O belo tem sido uma especie em extinção na vida comum. A contemplação do que tem beleza tornou-se desprezível e risível para uma geração que não sabe o que é a arte dos sons - quando antes era ligada ao sagrado de forma muito profunda. Achei interessante uma fala do filósofo Roger Scruton que diz, ao ser entrevistado, o seguinte:

O Sagrado e o Belo estão conectados em nossos sentimentos – ambos nos mandam ficar atrás, ser humildes e abandonar nosso desejo inato de poluir e destruir. Eu penso que vários artistas hoje, independentemente de terem ou não crenças religiosas, têm um senso de que o que há de melhor em sua arte é o ato de consagração. Você encontra esse tema nos quartetos de cordas de George Rochber, na arquitetura de Quinlan Terry, nas pinturas de Andrew Wyeth**.

O Belo faz parte da necessidade do viver humano. O Belo no entanto não se resume a arte quanto obra, mas, a vida como integral. O falar, o andar, o habitar, o comer, o partilhar, o ouvir, o sentir. No entanto a beleza quando subvertida dá lugar a barbárie, a inversão de valores. Filosoficamente a beleza é ligada aos valores. A axiologia é responsável por pensar o valor do Belo, e a vileza da barbárie e da feiura. Cultivemos o belo, o justo, a verdade e a justiça.

Música é sentimento expresso em sons e no universo emissível da grandeza das alturas, diferenciadas e complementadas por sucessões infinitas que estão contidas de forma diatônica ou não. Com tensões ou não, com modulações ou não, com passagem outside ou não, são as expressões humanas através de sons divinamente dados aos homens.

Saber o que de fato a música é e o grau de sua importância para a formação da pessoa quanto ser cultural, social, psicológico e afetivo nos foi furtado pela pós-modernidade. A bem feitoria deveria ser uma volta ao pensar música filosoficamente de forma a enaltecer as coisas permanentes. Permanentes não significa eivada de modernidade e sofisticação, mas, ligada e enraizada num sentido que proporciona um legado de significado que emana afeição nobre, justa, verdadeira e bela.

Não é só ouvir, é discernir e contemplar...

Não é difícil discernir o quanto nossa era tem colocado a música acima do bem e do mal. Não é difícil conversar com pessoas que não se importam se as músicas que elas ouvem e gostam tem mensagens imorais, ou defende uma filosofia existencialista, pragmática ou até mesmo niilista. Há em nossa era pós-cristã (como diria Schaeffer) uma assustadora secularização por parte dos cristãos. 

Para exemplificar temos em osso meio evangelical um cancioneiro que é utilizado nas igrejas que assustaria qualquer cristão do século XVI. Músicas que são compostas com o mercado fonográfico em vista e não a beleza, a verdade e a justiça. A hinódia está perdida e o que se quer são louvores contemporâneos (não sou contra louvores contemporâneos contanto, que sejam bíblicos). 

De fato a poesia empregada nas músicas sejam elas com fins religiosos ou não deve expressar beleza, contemplação, sentido de ser. Não prezar por tais exigências para beleza, nos leva a algo utilitário, destituído de sentido do belo. Nos leva a barbarizar o belo, a violentar o sentido, a desprezar o sublime e o divino. A feitura despreza a sublimidade, a sublimidade provém do Divino e não de outra gênese***.

Por que abandonamos a beleza? Nosso tempo é o tempo em que o feio é enaltecido, paisagens poluídas, uma urbanidade sem preocupação do o estético que enaltece o belo. Nossos templos agora são apenas caixas, nossos prédios são apenas um grande amontoado de andares sem beleza. O que houve? Um mundo que abandona o sagrado, logo abandonará o belo. Um mundo que se torna pós-cristão será feio e abandonará a beleza que deveria ser conservada e cultivada. 
_______
* http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/14314-entrevista-com-o-filosofo-roger-scruton.html
** Ibden
***  Sobre o tema Beleza indico o livro de Roger Scruton (Beleza) e seu documentário - Por que a Beleza importa? - https://www.youtube.com/watch?v=bHw4MMEnmpc&t=2066s.

13 de jan. de 2017

O Cristão e a fruição do Belo

Por Thiago Oliveira

No finzinho de 2016, a cantora Clarice Falcão lançou o clipe da música “Eu Escolhi Você”. Tratava-se de um vídeo-close nos órgãos genitais de homens e mulheres, portando neles alguns adereços baratos. O clipe foi removido do You Tube por conta da nudez explícita, e causou certo burburinho. Clarice, que até compõe com boa dose de perspicácia, disse (via rede social) que se não fosse para causar, seria melhor não lançar nada. Mas daí surge a indagação: A arte do artista se resume em “causar”? E que tipo de “causar” seria esse? Para lançar algo que “causa” não se leva em conta o belo? Pois, o tipo de arte que se advoga em nosso meio, onde a estética é trocada por panfletagem é, como diria Rookmaaker, a prostituição do conteúdo artístico. Até sei que mesmo a nudez foi retratada por pintores e escultores ao longo dos séculos, todavia, eles tinham preocupação estética e não limitavam a beleza da obra pelo retrato das genitálias. Por influência do pensamento platônico, era a beleza do corpo humano reverenciada pela contemplação e não para o desfrute (O que não significa que eu concorde com a nudez artisticamente retratada).

A forma como a nudez é explorada em nosso meio é apenas a banalização do corpo humano que instiga — previsivelmente — a luxúria das pessoas que consomem determinados produtos, não por apreciação da estética e do conteúdo, mas porque querem ver peitos, bundas e órgãos sexuais. Por que vocês acham que quando há nudez em algum filme, divulga-se que o ator/atriz ficaram nus, esquecendo–se do personagem? Seja a empresa que está por trás de arrecadação de dinheiro, seja o artista que deseja “causar” para ter muitos views e ser assunto do dia: É prostituição da arte. O resultado disso não é a fruição do belo, mas sim carne oferecida perante o altar da lascívia. O clipe da Clarisse Falcão é feio por objetivar o corpo humano, que focado nos órgãos genitais não capta o semblante, coisificando as pessoas, reduzindo-as a sua genitália, como disse o filósofo britânico Roger Scruton: “Luxúria traz a feiura, a feiura da relação humana onde a pessoa trata a outra como um objeto indispensável. Para alcançar a fonte de beleza devemos abandonar a luxúria”[1].

Mas como alcançar a beleza? Como podemos fruir de seus encantos sem profaná-la? Aqui se faz necessário a cosmovisão cristã. A beleza emana do Divino e por isso transcende a subjetividade estética. É um valor tal como a verdade, por isso é importante e não deve ser minimizada. Infelizmente o pós-modernismo faz troça do belo e propaga feiura, fazendo com que qualquer manifestação criativa, propagandista e “autêntica” seja chamada de arte e seja exposta em galerias do mundo todo. Desse jeito, se qualquer porcaria é tida por arte, nada é arte. É assim que matamos os verdadeiros talentos de nossa geração, que vão se misturar a uma classe de artistas que se tornou uma geleia geral, pois, sem distinção, o efêmero engole o que é artístico. Assim sendo, temos um problema que vai além do material, pois “através da beleza somos trazidos a presença do sagrado”[2]. O teólogo Francis Schaeffer já dizia que como cristãos, temos que nos apropriar da arte para glorificarmos a Deus. Ele afirma que “Uma obra de arte pode ser, em si, uma doxologia”[3].

Uma obra de arte glorifica a Deus por se tratar de uma manifestação da imago Dei. A arte manifesta a criatividade do homem, que tem capacidade criativa por ter sido feito a imagem e semelhança de Deus, que assim o criou de maneira secular. A diferença é que o homem cria uma obra mimética através da imaginação e do que visualiza, enquanto que a criação Divina não cria a representatividade do ente, mas o ente em si. Sobre isso, Kuyper discorre que “em todas as artes encontramos uma imitação da habilidade criadora de Deus”. [4]

Sendo o impulso artístico algo intrínseco as criaturas divinas portadoras de sua imagem, a beleza não é mero detalhe. “Não satisfeita com a beleza da natureza, a arte busca por uma beleza mais sublime, mais rica, uma beleza que há de vir somente com o reino da glória, mas que já no presente nos oferece lampejos proféticos”[5]. Para sermos consistentes com a cosmovisão cristã, não podemos subjetivar o belo e deixa-lo apenas no campo do gosto pessoal. Se Deus é o criador da beleza, ela possui princípios objetivos. Esse é um axioma que o mundo despreza, principalmente a nossa classe de artistas que quase sempre vivem numa vida de degradação moral em nome de uma liberdade boêmia. Mas, o mais incrível é que até mesmo estes sujeitos podem reproduzir algo que expresse beleza. Isso se deve ao que Kuyper e os neocalvinistas chamam de graça comum, o que em suma seria um recurso Divino que atenua os efeitos noéticos do pecado. É por isso que mesmo não estando mais no Éden, o homem encontra coisas absurdamente lindas neste mundo caído. E o senso de beleza que os homens carregam é — em certa medida — nostálgico, pois remete a beleza do paraíso quando não havia sido maculada pelo pecado.

À Guisa de conclusão, o cristão deve fruir do belo e se portar criticamente com relação a arte. Schaeffer estabelece um critério de avaliação partindo de um quadrinômio interessante para julgarmos uma obra: 1) Excelência técnica, um padrão de julgamento que independe de concordância com a mensagem do artista. 2) Validade, que seria o julgamento acerca da honestidade do artista com sua cosmovisão. 3) Conteúdo, que seria a manifestação da cosmovisão do artista. 4) Integração entre o conteúdo e veículo, que trata da adequação do meio utilizado pelo artista para comunicar sua mensagem ao mundo.[6] Acredito que estes quatro pilares são suficientemente adequados para que possamos consumir o grande leque de produções artísticas e assim glorificar a Deus mediante a contemplação do que é bonito, pois, tudo que emana formosura, é um vislumbre de Sua excelsa glória.

***

[1] Excerto do documentário produzido pela BBC Why Beauty Matters (Por que a beleza importa?), disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bHw4MMEnmpc.
[2] Ibdem.
[3] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG. Ultimato, 2010, p.19.
[4] Sabedoria e Prodígios: Graça Comum na Ciência e na Arte. Brasília-DF, Monergismo 2016, kindleversion posição 2188.
[5] Ibdem, posição 2217.

[6] A Arte e a Bíblia. Voçosa-MG. Ultimato, 2010, p.53.

15 de dez. de 2015

Música, Arte, Beleza e o Sagrado

 
Por Thomas Magnum*
“Toda arte que eu faço, todo som entoado, não é mais que uma grande vontade de Te conhecer”.

Marcos Almeida

Quando comecei meus estudos musicais, ainda adolescente, ficava impressionado com a seriedade que amigos não cristãos levavam seus estudos, e a disciplina e a rotina tanto nas tarefas de teoria musical, exercícios de leituras de partituras, como no estudo prático do instrumento. Lembro-me que tive uma professora de ética profissional no antigo Centro de Criatividade Musical do Recife, onde estudei guitarra, ela dizia que o músico deve valorizar seu trabalho, deve dedicar-se aos estudos com afinco e seriedade, deve ser um pesquisador, deve amar aquilo que faz. Essas palavras ficaram em minha mente durante muitos anos. Tive professores cristãos e não cristãos, mas, o que também me chamava atenção é que havia alguns que estudavam apenas para se sustentarem e outros que, além disso, tinham uma paixão perceptível naquilo que faziam.

4 de fev. de 2015

O Senhorio de Cristo e a Redenção das Artes

Por Rodolfo Amorim

Cristo veio nos redimir para nos tornar humanos, no sentido pleno da palavra. Ser novo homem significa que nós podemos começar a agir em nossa plena e livre capacidade humana, em todas as facetas da vida.

HANS ROOKMAAKER

Henderik Roelof Rookmaaker foi um cristão pioneiro no campo das artes e um trabalhador fiel e incansável a serviço do Deus criador e redentor de todas as  coisas. Hans, como era gentilmente chamado pelos familiares e amigos íntimos, expressou essa convicção a respeito de seu Senhor com aspiradora intensidade a partir de 1942, ano em que se converteu ao cristianismo em uma prisão nazista em Estanislaw, na atual Ucrânia. Tudo nesse pequeno holandês — personalidade, paixão, energia, talento e fé — transpirava uma forte convicção de chamado e missão: o chamado para viver plenamente como cooperador de Cristo em sua obra de redenção e na reforma das realidades afetadas pela distorção do pecado.

Diferente de outros heróis da fé, Rookmaaker não partiu para terras distantes com a missão de lutar contra as forças do mal e levar o evangelho para os povos não alcançados. Sua missão era direcionada ao coração da cultura europeia do pós-guerra, mais especificamente ao terreno inexplorado do campo das artes. Após vivenciar os horrores da guerra, Rookmaaker sabia que a batalha contra a “cidade dos homens” não se dava apenas em domínios geograficamente distantes. Uma batalha estava sendo travada dentro de seu próprio país, no interior de sua própria casa, e atingia as pessoas próximas e queridas à sua volta. Esse confronto espiritual podia ser visto nas diferentes manifestações artísticas e culturais — música, pintura, teatro, arquitetura e outras expressões do espírito humano — produzidas e consumidas diariamente não apenas por seus concidadãos holandeses, como também pelos europeus e por todo o Ocidente.

Ao iniciar sua missão no inexplorado terreno da relação entre as artes e a fé cristã no mundo moderno, Rookmaaker seguiu a direção apontada por alguns de seus conterrâneos, que já haviam percebido a importância de uma ação integral da igreja no mundo. Entre os defensores da proposta de uma ação cristã integral, estavam alguns luminares espirituais como Groen Van Prinsterer, Abraham Kuyper, Herman Bavinck, e os contemporâneos Herman Dooyeweerd, Dirk Vollenhoven e Johan Meekes.

Pouco tempo depois de sua conversão, Rookmaaker já era reconhecido como uma das vozes mais atuantes no campo da integração entre fé e artes no Ocidente. Seu importante legado é uma prova incontestável da influência exercida por ele sobre os cristãos de todas as partes do mundo. Seu tempo de vida como cristão foi relativamente curto (25 anos, aproximadamente), porém sua contribuição para o reino de Cristo foi expressiva. Ele deixou dezenas de livros publicados, abordando o tema das intrincadas relações entre arte, cultura e cristianismo, e centenas de artigos publicados em revistas especializadas na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. Deixou também vários departamentos de arte estruturados ou em vias de estruturação na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra; associações de artistas cristãos criadas diretamente por ele ou sob sua influência; um centro internacional de estudos formado e estabelecido na Holanda (L’Abri) e estações de rádio criadas e fortalecidas neste país. Holanda. Porém, seu maior legado foi o impacto provocado por ele na vida de outras pessoas. Contribuiu para que centenas de artistas e acadêmicos desenvolvessem suas vocações sob sua influência e acompanhamento. Indivíduos, famílias e comunidades foram enriquecidos e alcançados pela influência da graciosa manifestação do reino de Cristo nas artes. Sua intenção não era “informar as pessoas sobre arte”, mas sim “compartilhar com outros, por meio da arte, sobre a plenitude da vida e a riqueza da realidade criada por Deus, em seu amor”.

Seu estilo geralmente polêmico e exagerado levou-o a desafiar ideias pré-concebidas sobre o papel do cristão no mundo e quebrou barreiras que impediam a manifestação da plenitude do evangelho de Cristo na realidade criada. Certa ocasião, já no fim de sua vida, em Oxford, alguém lhe perguntou, em tom desafiador, se havia alguma relação entre evangelismo e sua palestra intitulada  Rock, Beat e Protesto. Rookmaaker foi direto: “Por que deveríamos passar a vida toda evangelizando? Passei 25 anos da minha vida meditando sobre esse assunto, procurando relacionar princípios bíblicos e arte. Por que você não faz o mesmo em sua área de atividade?”.

Na resposta de Rookmaaker há uma clara noção de que a vida diante de Deus deve ser vivida de forma integral, não só em situações ou atividades religiosas específicas. O espírito intencionalmente polêmico e a valorização do trabalho integral da fé na luta contra as forças desumanas presentes na arte e na cultura de seu tempo são os traços marcantes da vida de Rookmaaker.

Pouco conhecido no Brasil — nenhuma de suas obras foi ainda traduzida para o português* —, Rookmaaker é uma vida a ser explorada e um mestre a ser estudado, mas, acima de tudo, um exemplo a ser seguido. Vivemos numa época em que a comunidade evangélica nacional parece ter perdido o rumo. Para superar essa fase, precisamos buscar fundamentos sólidos nos depósitos de sabedoria cristã. É tempo de parar para “ouvir” e “ler” a vida daqueles que, no passado, percorreram um caminho excelente e deixaram um exemplo aprovado de vida cristã, em vez de sair em busca de inovações e experimentos teológicos que mais confundem do que edificam o Corpo de Cristo.

Nossas doutrinas e nossos princípios de prática cristã, assim como os modelos apresentados como exemplo e inspiração para o número cada vez maior de cristãos evangélicos no Brasil, precisam de reforma.

Assim, abordamos neste capítulo os principais aspectos relacionados à vida, pensamento e obra de Hans Rookmaaker e suas possíveis implicações para o contexto brasileiro. Buscamos uma apropriação crítica de seu trabalho e sinalizamos desafios atuais e contextualizados para a construção de uma ação informada no seio da igreja evangélica brasileira e na vida pessoal de cada cristão.
_________________

*Na época que foi escrito este artigo não havia nenhuma obra dele traduzida para o português. Hoje temos. 

Fonte: L'abrarte

2 de dez. de 2014

Uma Perspectiva Reformada da Arte

Por Thomas Magnum

Ao discorrermos sobre arte no campo da cosmovisão cristã reformada, devemos inicialmente compreender a importância de um correto posicionamento teológico sobre o assunto. Segundo o conhecido historiador da arte Hans Rookmaaker a arte deve ser feita não por amor a arte nem por amor a entronização do artista, mas, para glória de Deus [1].

Partindo desse principio que é sem sombra de dúvida evidente desde a era dos reformadores, onde podemos ler nos antigos escritos tanto de Lutero como de Calvino o entendimento correto sobre a arte como dom de Deus e que deve ser devolvida a ele. No entanto ao voltarmos nosso olhar tanto para o período renascentista como o iluminista, a concepção dada à arte desde suas escolas mais famosas como o Impressionismo, Pontilhismo, Art Nouveaux, Simbolismo, Primitivismo, Expressionismo, Cubismo, Abstracionismo e Construtivismo, todas estas decorrentes dos séculos IXX e XX e também o Dadaísmo, Surrealismo e Expressionismo Abstrato só para citar algumas são as bases para o atual desenvolvimento artístico. Trabalhando nesse período da historia contemporânea após a revolução francesa observamos que tais insigths são resultado de um clamor da alma do homem em se encontrar, e se achar, em se realizar. No entanto essa procura nas artes não pode ser o ponto final dessa busca, porque a busca pelo belo em si não promove o devido resultado de satisfação, por isso o artista sempre continua fazendo arte, essa satisfação plena não existe.

Tomando como exemplo o surrealismo que inspirado nos escritos de Freud, materializou através da arte o mundo surreal residente no homem, trouxe as ânsias humanas certas doses de desespero também que diametralmente o conduziu a uma inválida jornada por resultados insatisfatórios e inconclusos no que se refere a nobreza de sua capacidade e a satisfação plena em si mesmo, essa satisfação plena só pode ser alcançada em Deus, a arte conduz o homem ao supremo criador, no entanto, fora da esfera da glória ela é condenatória ao homem.

 Nas institutas da religião cristã do reformador João Calvino observamos:

... E assim na consciência da nossa ignorância, fatuidade, penúria, fraqueza, enfim, de nossa própria depravação e corrupção, reconhecemos que em nenhuma outra parte, senão no Senhor, se situam a verdadeira luz e sabedoria, a sólida virtude a plena abundância de tudo que é bom, a pureza da justiça, e daí somos por nossos próprios males instigados à consideração das excelências de Deus. Nem podemos aspirar a ele com seriedade antes que tenhamos começado a descontentarmos de nós mesmos. [2]

Calvino versa no livro I sobre a semente da religião, que só é possível o homem conhecer a si mesmo se conhecer a Deus:

... O Verdadeiro e sólido conhecimento consta de duas partes: o conhecimento de Deus e o conhecimento de nós mesmos...

Essa compreensão é muito importante para que estabeleçamos uma sólida teologia sobre a arte. A expressão artística deve ser voltada para glorificação do soberano Deus e não a arte pela arte ou por amor a arte [3].

Ao chegarmos ao período cibercultural que é nossa pauta, percebemos como a arte popularizou-se com mais força, inclusive, mais do que a revolução industrial, que levou a arte a um contexto mercantil e a popularizado. A internet nos deu a possiblidade de irmos ao museu do louvre sem sairmos de casa, temos a possiblidade de assistirmos congressos sobre conjunturas artísticas em Madri ou Viena da sala de nossa casa. O mundo artístico está em nossa sala, em nossa tela. Verdade é que os protestantes são desconhecedores das grandes contribuições que cristãos deram ao mundo das artes, como Johann Sebastian Bach assinava ao fim das partituras – S.D.G – Soli Deo Gloria [4] .

Como o pensamento artístico no mundo teve imensa contribuição de Cristãos e muitos deles protestantes. Essa revolução artística que experimentamos hoje pela internet deve nos levar a dois pontos de reflexão: O que tem promovido o atual movimento gospel e qual é a finalidade da atual arte cristã.

O Que tem Promovido o atual movimento gospel?

Youtube, Faceboock, Myspace, Twitter e tantas outras redes que tem surgido tem sido uma útil plataforma de propaganda do trabalho artístico, essa base leva a uma congratulação artística convergente e emergente para um cenário segmentado no meio fonográfico. Embora atualmente o mercado gospel seja de interesse dos grandes conglomerados empresariais. Os cristãos devem sim apoiar o desenvolvimento artístico em nosso meio, as crianças devem ser estimuladas as artes e as igrejas devem apoiar esse crescente interesse de jovens e crianças em relação à prática artística. Lemos no livro do Êxodo:

Eis que eu tenho chamado por nome a Bezalel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, E o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor, Para elaborar projetos, e trabalhar em ouro, em prata, e em cobre,

E em lapidar pedras para engastar, e em entalhes de madeira, para trabalhar em todo o lavor. Êxodo 31:2-5

Notamos que o próprio Deus dotou Bezalel com a capacidade artística, para Seu louvor, para sua glorificação. Infelizmente não é o que observamos no atual movimento gospel, ou melhor, na indústria gospel, que tem feito arte pela arte por amor a arte e não para glória de Deus. Shows que promovem a idolatria, onde horam o Senhor com lábios, mas, o coração está distante de Deus.

Qual é a finalidade da atual arte cristã?

Em seu livro sobre a cosmovisão cristã do calvinismo, o renomado teólogo Abrahan Kuyper [5] nos mostrará com clareza que a arte cristã deve ter um propósito teleológico, devem ter um propósito final, a arte promovida por cristãos deve ter como finalidade a gloria de Deus. Tanto na música, nas artes plásticas, em artes visuais nas suas várias vertentes e as demais manifestações do estético devem regar um coração compungido e contrito em agradar o criador de todas as coisas.

Por isso se a arte cristã não regada por esse sentimento de temor e adoração, não podemos chama-la de cristã. Além do fator interior e da função teleológica da arte não podemos de sublinhar a precisão doutrinária da arte cristã. Ao observarmos, por exemplo, a questão do estético pode destacar algumas coisas interessantes tomando o livro do Apocalipse como base.

O livro do Apocalipse foi escrito em um estilo literário, o estilo apocalíptico, como os livros poéticos de Jó e Salmos e Cantares. O estilo literário é uma forma artística e uma manifestação do belo, o belo é a manifestação ainda que limitada glória de Deus. No exemplo que tomamos sabemos pelos conhecimentos históricos que João não inventou o estilo apocalíptico, na verdade temos fontes antigas do estilo. No Antigo Testamento temos o livro de Ezequiel, Daniel e Zacarias que esboçam um estilo apocalíptico. Aonde chegamos com isso? Que a arte é uma manifestação da graça comum e deve ser devotada a Deus para sua glória.

O desenvolvimento cultural pela web tem sido de grande valor para os homens e também para a igreja, mas, a cultura cristã deve ser para glória de Deus de não dos homens ou instituições se isso for feito não há nada de dessemelhante a arte desse século, que entroniza a arte e o amor a arte, que coloca o homem sendo superior a manifestação artística e não Deus como o doador e o sustentador de tais capacidades.

 Soli Deo Gloria
______________
Bibliografia

[1] A Arte não precisa ser justificada, Ed. Ultimato
[2] Institutas da Religião Cristã, Ed. Unesp
[3] O Conceito Calvinista de Cultura, Henry R. Van Til, Cultura Cristã
[4] Se Jesus não tivesse nascido, D. James Kennedy, Ed. Vida
[5] Calvinismo, Abrahan Kuyper, Ed. Cultura Cristã

18 de nov. de 2014

Existe um lugar para a Arte, no Calvinismo?

Por Abraham Kuyper

O Calvinismo não Criou Estilo Próprio Exatamente por seu Estágio Superior de Desenvolvimento Religioso

Assim, por si só, deve ser negada a possibilidade que um estilo de arte próprio possa originar-se independentemente da religião; mas mesmo se fosse de outro modo, e este é meu segundo argumento, ainda seria ilógico exigir do Calvinismo uma tendência secular como esta. Pois, como vocês podem desejar que um movimento de vida, que encontrou a fonte de seu poder na acusação de todos os homens e de toda vida humana perante a face de Deus, tivesse visto o impulso, a paixão e a inspiração para sua vida fora de Deus em um campo tão excessivamente importante como este das poderosas artes? Portanto, não resta nenhuma sombra de realidade na reprovação desdenhosa de que a não criação de um estilo arquitetônico próprio é uma prova conclusiva da pobreza artística do Calvinismo. Somente sob os auspícios de seu princípio religioso o Calvinismo poderia ter criado um estilo de arte geral e exatamente porque tinha alcançado um estágio muito mais alto de desenvolvimento religioso, seu próprio princípio proibia a expressão simbólica de sua religião em formas visíveis e sensoriais.

Existe um Lugar para Arte, no Calvinismo?

Por isso, a questão deve ser formulada de modo diferente. E isso nos conduz ao nosso segundo ponto. A questão não é se o Calvinismo com seu ponto de vista superior produziu o que não era mais permitido criar, a saber, um estilo de arte geral próprio dele, mas qual interpretação sobre a natureza da arte flui de seu princípio. Em outras palavras, há na biocosmovisão do Calvinismo um lugar para a arte, e se sim, qual lugar? Seu princípio é oposto a arte, ou, se julgado pelos padrões do princípio calvinista, um mundo sem arte perderia uma de suas esferas ideais? Eu não falarei agora do abuso, mas simplesmente do uso da arte. Em cada campo, a vida é obrigada a respeitar as dimensões desse campo. A transgressão dos domínios dos outros é sempre ilegal; e nossa vida humana atingirá sua mais nobre harmonia somente quando todas as suas funções cooperarem na justa proporção para nosso desenvolvimento geral. A lógica da mente não pode desprezar os sentimentos do coração, nem o amor pela beleza deveria silenciar a voz da consciência. Por mais santa que a Religião possa ser, ela deve guardar-se dentro de seus próprios limites, para que não se degenere em superstição, insanidade ou fanatismo ao atravessar suas linhas. E, do mesmo modo, a tão exuberante paixão pela arte que despreza o sussurro da consciência, deve resultar num desacordo desagradável completamente diferente do que os gregos exaltavam em seus kalokagathos.[1]

Calvino se Opôs ao Uso Ilegítimo da Arte

O fato, por exemplo, de que o Calvinismo se dispôs contra toda diversão ímpia com a honra da mulher, e estigmatizou toda forma de prazer artístico imoral como uma degradação, encontra-se portanto fora de nosso alcance. Tudo isto denuncia adequadamente o abuso, embora não tenha qualquer peso quanto a questão do uso legítimo. E o próprio Calvino não se opôs ao uso legítimo da arte, mas encorajou e até mesmo recomendou, como suas próprias palavras prontamente provam. Quando a Escritura menciona a primeira aparição da arte nas tendas de Jubal, que inventou a harpa e o órgão, Calvino recorda-nos enfaticamente que esta passagem trata dos “excelentes dons do Espírito Santo”. Ele declara que, quanto ao instinto artístico, Deus tinha enriquecido Jubal e sua posteridade com raros dons naturais. E, abertamente, declara que esses poderes inventivos da arte são o mais evidente testemunho do favor divino. Ele declara mais enfaticamente ainda, em seu comentário sobre Êxodo, que “todas as artes vêm de Deus e devem ser consideradas como invenções divinas”.

As Artes Procedem do Espírito Santo

Segundo Calvino, nós devemos estas coisas preciosas da vida natural originalmente ao Espírito Santo. Em todas as Artes Liberais, tanto nas mais como nas menos importantes, o louvor e a glória de Deus devem ser acentuadas. As artes, diz ele, foram dadas para nosso conforto, nesse nosso estado deprimido de vida. Elas reagem contra a corrupção da vida e da natureza pela maldição. Quando seu colega, o Prof. Cop, levantou armas em Genebra contra a arte, Calvino propositadamente instituiu medidas, como ele escreve, para restaurar esse homem louco ao bom senso e a razão. Calvino declara ser indigno de refutação o preconceito cego contra a escultura com base no Segundo Mandamento. Ele exalta a música como um poder maravilhoso para comover corações e para dignificar tendências e princípios morais. Entre os excelentes favores de Deus para nossa recreação e prazer, ela ocupa em sua mente o posto mais alto. E mesmo quando a arte se rebaixa para tornar-se o instrumento de mero entretenimento para o povo, afirma que este tipo de prazer não lhe deveria ser negado.

Em vista de tudo isto, podemos dizer que Calvino apreciava a arte em todas as suas ramificações como um dom de Deus, ou mais especialmente, como um dom do Espírito Santo; que ele entendeu plenamente os profundos efeitos produzidos pela arte sobre a vida das emoções; que ele apreciava o fim pelo qual a arte fora dada, a saber, que por ela poderíamos glorificar a Deus, dignificar a vida humana, e beber na mais alta fonte de prazeres, sim até mesmo no esporte comum; e, finalmente, que longe considerar a arte como simples imitação da natureza, ele lhe atribuiu a nobre vocação de desvendar para o homem uma realidade mais alta do que foi oferecida a nós pelo mundo pecaminoso e corrupto.

A Arte Revela uma Realidade Superior à Oferecida pelo Mundo

Ora, se isso implicava em nada mais que a interpretação pessoal de Calvino, certamente seu testemunho não teria valor conclusivo para o Calvinismo em geral. Mas quando observamos que o próprio Calvino não era artisticamente desenvolvido, e que por isso ele deve ter inferido seu breve sistema de Estética [2] de seus princípios, ele pode ser reconhecido como tendo exposto a consideração calvinista sobre a arte como tal. Para ir direto ao coração da questão, comecemos com a última declaração de Calvino, a saber, que a arte revela para nós uma realidade mais alta do que é oferecida por este mundo pecaminoso.

Vocês estão familiarizados com a questão, já mencionada, se a arte deveria imitar a natureza ou se deveria transcendê-la. Na Grécia uvas eram pintadas com tal precisão que os pássaros eram iludidos por sua aparência e tentavam comê-las. E esta imitação da natureza parece ter sido o ideal maior da escola Socrática. Aqui, encontra-se a verdade muitas vezes esquecida pelos idealistas, de que as formas e relações exibidas pela natureza são e sempre devem ser as formas e relações fundamentais de toda realidade atual, e uma arte que não observa as formas e movimentos da natureza nem escuta seus sons, mas arbitrariamente gosta de flutuar acima dela, se degenera num bárbaro jogo de fantasia.

Mas por outro lado, toda interpretação idealista da arte deveria ser justificada em oposição à puramente empírica, sempre que a empírica confina sua tarefa a mera imitação. Por isso, muitas vezes é cometido na arte o mesmo equívoco cometido pelos cientistas quando limitam sua tarefa científica à mera observação, computação e relatório acurado dos fatos. Pois do mesmo modo como a ciência deve subir dos fenômenos para a investigação de sua ordem inerente, a fim de que o homem, enriquecido pelo conhecimento desta ordem, possa reproduzir espécies de animais, flores e frutos mais nobres do que a própria natureza poderia produzir, assim a vocação da arte é, não simplesmente observar cada coisa visível e audível, a fim de apreendê-la e reproduzi-la artisticamente, mas muito mais, descobrir naquelas formas naturais a ordem da beleza, e enriquecido por este conhecimento superior, produzir uma beleza mundial que transcende a beleza da natureza.

O Calvinismo Compreendeu a Influência do Pecado

Isto é o que Calvino afirmou: a saber, que as artes exibem dons que Deus colocou à nossa disposição, agora que a verdadeira beleza fugiu de nós como triste consequência do pecado, a verdadeira beleza fugiu de nós. Sua decisão aqui depende inteiramente de sua interpretação do mundo. Se vocês consideram o mundo como a realização do bem absoluto, então não há nada superior, e a arte não pode ter outra vocação senão copiar a natureza. Se, como o panteísta ensina, o mundo segue da imperfeição para a perfeição por um processo lento, então a arte torna-se a profecia de uma fase adicional da vida por vir. Porém, se vocês confessam que o mundo outrora foi belo, mas que pela maldição tornou-se desfeito e por uma catástrofe final deve passar para seu pleno estado de glória, superando até mesmo a beleza do paraíso, então a arte tem a tarefa mística de lembrar-nos, em suas produções, da beleza que foi perdida e de antecipar seu perfeito brilho vindouro. Este último caso mencionado é a confissão calvinista. O Calvinismo compreendeu, mais claramente do que Roma, a influência horrenda e corruptora do pecado; isto o levou a maior apreciação da natureza do paraíso na beleza da justiça original; e guiado por esta encantadora recordação o Calvinismo também profetizou uma redenção da natureza exterior, a ser realizada no reino da glória celestial. A partir deste ponto de vista, o Calvinismo honrou a arte como um dom do Espírito Santo e como uma consolação em nossa vida atual, habilitando-nos a descobrir em e atrás desta vida pecaminosa um pano de fundo mais rico e mais glorioso. Considerando as ruínas desta criação outrora tão maravilhosamente bela, para o calvinista a arte chama a atenção tanto para as linhas do plano original ainda visíveis quanto, o que é ainda melhor, para a esplêndida restauração pela qual o Supremo Artista e Construtor Mestre um dia renovará e até mesmo intensificará a beleza de sua criação original.

A Arte não Pode Originar-se do Diabo

Portanto, se a interpretação pessoal de Calvino concorda inteiramente com a confissão calvinista sobre este ponto principal, o mesmo se aplica ao próximo ponto em questão. Se para o Calvinismo a soberania de Deus é e continua sendo seu imutável ponto de partida, então a arte não pode originar-se do Diabo; pois Satanás é destituído de todo poder criativo. Tudo que ele pode fazer é abusar das boas dádivas de Deus. Nem pode originar-se com o homem, pois, sendo ele mesmo uma criatura, o homem não pode senão empregar os poderes e dons colocados por Deus à sua disposição. Se Deus é e continua sendo soberano, então a arte não pode produzir nenhum encantamento exceto de acordo com as ordenanças que Deus ordenou para a beleza, quando ele, como o Supremo Artista, chamou este mundo à existência.

Deus Soberano Confere os Dons Artísticos

E além disso, se Deus é e continua sendo soberano, então ele também confere estes dons artísticos a quem ele quer, primeiramente, então, à posteridade de Caim e não a de Abel; não como se a arte fosse Cainita, mas a fim de que aquele que pecou contra os mais altos dons devesse ao menos, como Calvino tão belamente disse: nos menores dons da arte receber algum testemunho do favor Divino. Esta habilidade e capacidade artística como tal, pode ter lugar na natureza humana, nós a devemos à nossa criação segundo à imagem de Deus. No mundo real, Deus é o Criador de todas as coisas; o poder de produzir coisas realmente novas é seu somente, e portanto continua a ser sempre o artista criador. Como Deus, somente ele é o original, nós somos apenas os portadores de sua Imagem.

Nossa capacidade para criar segundo ele e segundo o que ele criou, pode consistir somente na criação imaginária da arte. Assim nós, à nossa maneira, podemos imitar o trabalho manual de Deus. Nós criamos um tipo de cosmos em nosso monumento Arquitetônico; embelezamos formas da natureza na Escultura; em nossa Pintura reproduzimos a vida, animada por linhas e cores; transfundimos as esferas místicas em nossa Música e em nossa Poesia. E tudo isto porque a beleza não é o produto de nossa própria fantasia, nem de nossa percepção subjetiva, mas tem uma existência objetiva, sendo ela mesma a expressão de uma perfeição Divina.

Arte e a Criação

Após a criação, Deus viu que tudo era bom. Imagine que cada olho humano fosse fechado e cada ouvido humano tapado, ainda assim a beleza permanece, e Deus a vê e a ouve, pois, não somente “seu eterno poder”, mas igualmente sua “divindade”, desde o momento da criação têm sido percebidos em sua criação, tanto espiritual como corporalmente. Um artista pode observar isto em si mesmo. Se ele compreende que sua própria capacidade artística depende de ter um olho para a arte [senso estético], deve necessariamente chegar à conclusão de que “o olho” original para a arte está no próprio Deus, cuja capacidade para produção artística é plena, e segundo esta imagem foi feito o artista entre os homens.

Sabemos isto a partir da criação ao nosso redor, do firmamento que forma um arco sobre nós, do luxo abundante da natureza, da riqueza de formas no homem e no animal, do som das corredeiras e do cântico do rouxinol; como pois toda esta beleza poderia existir exceto se criada pelo Único que preconcebeu a beleza em seu próprio ser e a produziu de sua própria perfeição Divina? Assim, vocês veem que a soberania de Deus e nossa criação segundo sua semelhança, necessariamente levaram a esta interpretação elevada da origem, da natureza e da vocação da arte, como adotada por Calvino, e ainda aprovada por nosso próprio instinto artístico. O mundo dos sons, o mundo das formas, o mundo das cores e o mundo das ideias poéticas não pode ter outra fonte senão Deus; e é nosso privilégio, como portadores de sua imagem, ter uma percepção deste mundo belo, para reproduzir artisticamente, para gozá-lo humanamente.
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NOTAS:
[1] - NT - Do grego kalokagateo , praticar a virtude, kalokagathia de kalos + agatos , honestidade, lealdade perfeita.
[2] - Estética pode ser definida como a ciência da beleza e do gosto; o ramo do conhecimento que pertence às belas artes e a arte crítica. Não há uma estética universalmente aceita. Há três escolas: a sensorialística (Hogarth); a empírica (Helmholtz); e a idealística, devendo sua origem a Kant.

Fonte: Monergismo - Extraído da introdução do excelente livro “Calvinismo”, de Abraham Kuyper, publicado no Brasil pela Editora Cultura Cristã.