1509725595914942
Mostrando postagens com marcador Patrística. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Patrística. Mostrar todas as postagens

10 de ago. de 2016

A Importância do Credo Niceno

Por Thiago Oliveira

Cremos em um só Deus, Pai Onipotente, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem, e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir para julgar os vivos e os mortos; e no Espírito Santo. E a quantos dizem: “Ele era quando não era”, e “Antes de nascer, Ele não era”, ou que “foi feito do não existente”, bem como a quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência”, ou “feito”, ou “mutável”, ou “alterável” a todos estes a igreja católica e apostólica anematiza. [1]

Quando finda a perseguição ao cristianismo e este passa a ter a simpatia do Império, surge uma controvérsia que abala a ortodoxia: o Arianismo. Esta doutrina herética, formulada por Ário, presbítero em Alexandria, negava que Cristo fosse eterno e dizia ainda que Deus e Jesus não tinham a mesma substância, ou seja, para Ário, Cristo não era divino. Em uma de suas cartas ao Bispo Eusébio da Nicomédia, Ário defende sua doutrina:

“Nós pensamos e afirmamos que o Filho não é ingênito, nem participa absolutamente do ingênito, nem derivou d’alguma substância, mas que por sua própria vontade e decisão existiu antes dos tempos e eras, inteiramente Deus, unigênito e imutável. Mas antes de ter sido gerado ou criado ou nomeado, ele não existia, pois ele não era ingênito”.

Nessa época, o imperador Constantino queria consolidar o seu império tendo o cristianismo, e não o paganismo, por base. Assim sendo, convocou os bispos do Império, aproximadamente 300, e os reuniu num concílio realizado na cidade de Nicéia, na Ásia Menor (325 d.C.). A controvérsia não tardou em ser resolvida, pois, os bispos do Ocidente, aceitavam a sentença de Tertuliano “Uma substância, três naturezas”, emitida um século antes.

O Arianismo foi condenado, e conforme escrito na declaração de fé, considerado anátema (i.e. maldito). É nítido que a consubstancialidade entre Deus e Jesus Cristo são asseguradas no credo niceno. Tanto Ário como Eusébio da Nicomédia, foram expulsos de suas cidades e excomungados por heresia. Mas a doutrina havia sido muito difundida entre os povos germânicos. Nas chamadas “Invasões Bárbaras”, Ostrogodos e Visigodos, por exemplo, já chegaram cristianizados a Roma, todavia, eram adeptos do arianismo.

O texto do Credo foi depois reformulado em dois concílios, Calcedônia (451 d.C.) e Espanha (589 d.C.). Assim ficou o seu texto:

Creio em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho, que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas. Creio na Igreja una, universal e apostólica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a ressurreição dos mortos e da vida do mundo vindouro.

Mesmo após a sua modificação, vemos que a crença na triunidade Divina permanece intacta, ressaltando que Cristo é não-criado, mas é verdadeiro Deus, criador de todas as demais coisas. Atualmente, algumas seitas que se denominam cristãs, negam que Jesus Cristo seja igual a Deus Pai. Tais seitas são chamadas de unitaristas, por negarem o conceito da Trindade. As Testemunhas de Jeová são as mais conhecidas. Outras, como o kardecismo dizem que Cristo é um ser evoluído e o mormonismo afirma que Cristo não é Deus, é uma criatura dele, irmão de Lúcifer e dos homens. Estas são formulações heréticas, e quem as professa não pode ser considerado cristão, pois, a Trindade é dogma central da fé cristã.

A Igreja Evangélica Voz da Verdade, fundada em Santo André - SP, ganhou fama em todo o Brasil, por causa do seu conjunto musical, bastante influente nas rádios evangélicas, isso nos anos de 1990. Logo, suas músicas começaram a ser cantadas em várias igrejas, até que suas ideias unicistas foram descobertas e denunciadas por diversos pastores e teólogos ortodoxos. Tal episódio nos serve de alerta. As heresias não morrem, elas se reinventam. Vestem uma roupa nova para atrair novos adeptos. A importância de conhecermos o Credo de Nicéia, a história da igreja em si, sobretudo a era patrística, é que nos auxiliará em defesa da sã doutrina contra os falsos ensinos.
______

[1] Primeira formulação do Credo Niceno, citado em GONZALES, Justo. Uma História Ilustrada do Cristianismo, vol. 2, A era dos gigantes. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 97.

2 de mai. de 2016

A Continência Cristã

Por Morgana Mendonça 


"Põe, ó Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta dos meus lábios!"
Salmos 141.3


Devo esclarecer algo sobre esse texto: meu objetivo não é dissertar sobre o assunto escolhido, mas sim pontuar o pensamento de Agostinho. Visto ser grande a necessidade e urgência em nosso tempo sobre esse tema tão pouco ensinado, nem ao menos conversado entre os cristãos atuais. Considerando ser muito laboriosa a leitura da sua completa obra, é necessário – ao menos – entender tudo isso a luz das Sagradas Escrituras. Na sua parte introdutória encontramos algo interessante sobre a evidência de sua autoria. 

"Embora o próprio Agostinho, em uma carta de 429 d.C., dirigida ao Comissário Imperial Dário (Ep. 213,7), faça referência ao De Continentia (A Continência), mas, por não ter sido elencado em suas Retratações, durante séculos, muita gente colocou em dúvida a sua autoria agostiniana, chegando ao ponto de Erasmo atribuir sua autoria a Hugo de São Vítor. Foi somente em 1685, na Edição Beneditina dos textos agostinianos, que, baseado no estilo e no assunto nele escrito, o texto foi, finalmente, reconhecido como sendo de Santo Agostinho." [1] 

É interessante também notar que seu primeiro biógrafo, Possídio, faz referência ao De Continência, no Indiculum, afirmando ser um dos tratados de Santo Agostinho. Em relação a data do escrito há alguns questionamentos. Se foi um sermão ou uma refutação ao maniqueísmo há também algumas dúvidas. Chegou-se a cogitar a possibilidade de ser até um escrito antipelagiano. A possibilidade de ser uma refutação é propícia pelo fato da obra do começo ao fim, refutar as posições maniqueístas, no que se refere à luta por parte do homem em superar os desejos que o conduzem ao mal. A ideia do dualismo em Maniqueu, afirma que o corpo não passa de um acidente e que, portanto, deva ser desprezado pelo ser humano. A perspectiva de Agostinho sobre isso é de fato interessante e coerente, tomando como ponto de partida o verso acima (Sl 141.3) ele diz que "o corpo foi criado por Deus, por isso, enquanto tal é um bem, de forma que não é o corpo que peca, pois este não tem vontade, mas sim a alma, que apenas se utiliza do corpo para pecar". [2] 

"Assim, tudo o que de dentro não soa, fora não ressoa; mas o que, sendo mal emanar de dentro, mesmo que não mova a língua, contamina a alma. A continência, portanto, precisa ser colocada lá onde a consciência, mesmo no silêncio exterior, fala. Em suma, é a porta da continência que impede brotar do interior algo que contamine a vida e a mente, ainda que estejam calados os lábios da carne". (De cont., I,2) 

Para Agostinho a ideia da continência aponta para uma vida ideal, chamada "moral das intenções" agostiniana, em que a noção de castidade é, antes de tudo, intelectual ou espiritual. O que seria então a Continência? Nas palavras do cristão Agostinho, significa "dom de Deus". Impossível ser continente a menos que Deus conceda essa virtude aos cristãos. (1Co 7.7) Fazendo uma introdutória pontuação vemos a continência da boca e do coração. 

Salmos 141.3 "Põe, ó Senhor, uma guarda à minha boca; vigia a porta dos meus lábios!" 

O versículo acima nos leva a entender o conceito de continência. É óbvio pensarmos e retratarmos na nossa mente uma ideia de luxúria, uma ideia carnal para a palavra continência. O salmista canta em forma de súplica por uma "guarda" e por uma "vigilância". Precisamos entender a palavra "boca" e "lábios" nesse contexto, segundo Agostinho, como porta, ou seja, um acesso indicando possivelmente algo interno e não externo. Essa "guarda da boca" poderíamos chamar de continência. Geralmente guardamos a nossa boca, para que dela algo que não se deseja dizer através do som da voz escape de nós. No entanto, é dentro da boca do coração, onde primeiro se dizem as palavras, por isso o salmista clama para que haja uma guarda, uma vigilância, uma porta da continência colocadas pelo Senhor. 

Há uma variedade de palavras que não permitimos que a boca do corpo fale, porém a deixamos gritar com a boca do coração. Não há nada que saia da boca do corpo que não tenha nascido internamente na boca do coração, ou seja, o que se emana de dentro, mesmo que não mova a língua, contamina a alma. Tudo que dentro não soa, fora não ressoa! De acordo com a oração do salmista, é necessário que a continência seja colocada onde a consciência, mesmo no silêncio exterior, fala. Podemos entender que, a porta da continência, é o que impede florescer no interior algo que possa contaminar a mente e a vida, ainda que estejam em silêncio os lábios da carne ou o movimento dos membros. 

Para corroborar com a ideia anterior, o salmista no verso posterior diz: "Não se incline meu coração para palavras más..." (Sl 141.4). Comprovando assim a ideia da "boca interior" que ele estava falando. A inclinação do coração como um consentimento, provando o quanto está interligado um com o outro. No pensamento bíblico mostrado por Agostinho, é culpado todo o homem pelo fato de ter determinado em sua mente, mesmo que haja silêncio em seus lábios e imobilização nos seus membros. Segundo Agostinho: "[...] Corretamente está se dizendo que uma palavra é o começo de toda ação. Na verdade, são muitas as coisas que os homens fazem com a boca fechada, língua quieta e voz muda [...]" [3]. O ponto de partida é o coração.  Nasce no coração e é manifestado externamente. A necessidade é que nos lábios internos, no coração, fosse construída a "porta da continência". 

Mateus 23.26 "Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo, para que também o exterior se torne limpo." 

Como esquecer as palavras de Cristo? A continência precisa ser uma realidade, o interior é o local onde suplicamos por castidade sagrada. Em outro momento Jesus refutando os judeus por conta da crítica feroz contra seus discípulos, pelo fato de não lavarem as mãos antes das refeições disse: "Não é o que entra pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina" (Mt 15.11). O que contamina o homem é o que sai da boca do coração, do coração onde encontramos todos os desejos corrompidos e contamináveis. 

Mateus 15.19-20 "Porque do coração procedem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos, isso não o contamina." 

Seria impossível que os membros do corpo ou a boca da carne praticasse tal perversidade se antes não fosse concebido no coração, precedidos por um mau pensamento. Isso contamina o homem, mesmo que os seus membros em atitudes sujas e perniciosas não praticassem tal coisa. O homem é responsável por todas as ações mesmo que não sejam externadas com movimentos do corpo, e nem sejam completamente realizadas, de forma oculta são culpados, estão contaminados desde que saiu da boca do coração e atingiu o interior humano. O que também nos torna diferentes dos fariseus? A continência! Ser aparentemente belo por fora e um sepulcro caiado por dentro seria para nós essa advertência de Cristo. 

Mateus 23.27-28 "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda imundícia. Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade." 

O salmista clama por continência, que possamos assim clamar para que a porta da continência seja colocada na boca do coração, de onde vem tudo o que contamina o homem. Que possamos nos alegrar com a pureza que a continência nos oferece, provocando assim uma ferrenha inimizade do espírito contra a carne, de forma que a concupiscência não seja consentida e sim combatida resultando não ser contaminado. 

E assim, na famosa "cena dos Jardins de Milão" havia um homem que ao ler Romanos 13.13 entendeu que deveria renunciar aos prazeres carnais, viver uma relação estreita em relação à vida espiritual-sacerdotal e a continência: Agostinho de Hipona.

"Cor meum tibi offero, Domine, prompte et sincere" - "Meu coração te ofereço, ó Senhor, pronto e sincero". Esta oração foi feita por João Calvino, reformador de Genebra. 

A Deus toda a Glória, Rm 11.36. 
______
Notas: 

[1] Agostinho, Santo, Bispo de Hipona, 354-430. De Continentia. Tradução, introdução e notas: Gérson F. de Arruda Junior e Marcos Roberto Nunes Costa. São Paulo: Paulus, 2013 (Coleção Patrística; 32) p.179 

[2]Ibid p. 181 

[3]Ibid p. 187

5 de out. de 2014

O Concílio Niceno e o Interesse de Constantino

Por Samuel Alves

As Realidades do Império: O Concílio de Nicéia (325)

O Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão teológica quanto para servir de precedente para questões da igreja e do Estado. A sabedoria coletiva dos bispos foi consultada nos anos que se seguiram, quando questões espinhosas surgiram na igreja. Constantino deu início à prática de unir o império e a igreja no processo decisório. Muitas conseqüências perniciosas seriam colhidas nos séculos futuros dessa união.O Concílio de Nicéia apesar de discutir sobre ideia do significado da divindade de Jesus, não tinha o interesse apenas teológico, mas, político e ecumênico, vejamos a Afirmação de Mark Noll.[1]

No dia 20 de maio de 325, a igreja cristã entrou em uma nova era. Naquele dia, cerca de 230 bispos reuniram-se em Nicéia, na época uma grande cidade da Bitínia (agora a pequena cidade de Iznik, na Turquia). Aquela ocasião marcou o primeiro concílio “ecumênico” ou mundial da igreja.  O seu objetivo – discutir o significado da divindade de Jesus dizia respeito à própria essência da fé cristã. O que tornou o concílio um ponto de transição tão extraordinariamente importante foi não somente a questão doutrinária sob discussão, mas a maneira como as forças políticas e sociais combinaram-se com a questão teológica fundamental. A idéia de um concílio não partiu dos bispos. Antes, eles foram convocados pelo grande imperador romano, o próprio Constantino (c. 288-337). Após tal convocação e depois de tratar de tal assunto, a igreja nunca mais seria a mesma.

É importante ressaltar que na história da igreja cristã as heresias foram encaradas de frente, e deram a oportunidade para a igreja testar sua ortodoxia. A questão teológica tratada neste concílio era sobre a natureza de Cristo, Ário (250-c336), Bispo de Alexandria, trazia muitos problemas teológicos e a igreja teve que encarar e definir a doutrina da natureza do redentor. Como este Concílio foi convocado por Constantino, fica evidente que existem alguns interesses pessoais e políticos. Sabemos que a vitória de Constantino na Ponte Mílvia, foi muito importante para história do cristianismo e todo panorama da igreja foi mudado. Antes perseguida e (depois) com Constantino “livre”. Constantino não estava interessado em perseguir a igreja, mas, explorar seu potencial. Kenneth Curtis[2] observa bem o interesse de Constantino afirmando o seguinte:

Constantino, imediatamente, assumiu o interesse imperial pela igreja: restaurou suas propriedades, deu-lhe dinheiro, interveio na controvérsia donatista e convocou os concílios eclesiásticos de Arles e de Nicéia. Ele também fazia manobras para obter poder sobre Licínio, a quem finalmente depôs, em 324. Assim, a igreja passou de perseguida a privilegiada. Em um período de tempo surpreendentemente curto, suas perspectivas mudaram por completo. Depois de séculos como movimento contracultural, a igreja precisava aprender a lidar com o poder. Ela não fez todas as coisas de maneira correta. A própria presença dinâmica de Constantino modelou a igreja do século IV, modelo que ela adotou daí em diante. Ele era um mestre do poder e da política, e a igreja aprendeu a usar essas ferramentas.

A administração do Estado e dos negócios civis foi reunida com o governo da igreja e podia-se presenciar o espetáculo extraordinário de um imperador romano presidir os concílios da igreja e tomar parte nos debates. Em geral os cristãos não se ressentiam desta intrusão, pelo contrário consideravam-na como um auspicioso e feliz presságio, e em lugar de censurar o imperador pelo seu intrometimento, receberam-no como bispo dos bispos. O povo de Deus aceitou a proteção de um estado semi-pagão, e o cristianismo sofreu a maior degradação possível com a proteção de um potentado do mundo.

Efeitos da união entre a Igreja e o Estado

O efeito desastrado desta primeira união da igreja com o Estado fez-se sentir imediatamente. Levantaram-se contendas, e o imperador foi nomeado árbitro pelas partes contendoras. Mas logo que dava a sua decisão sobre a questão, esta continuava rejeitada com desprezo pela parte cujas razões eram desatendidas. Repetiu-se a mesma coisa uma vez e outra, até que o imperador se indignou, e recorreu a meios violentos para reforçar o seu poder. Isso provava até a evidência e inutilidade e a inconveniência daquela proteção a que os cristãos de tão boa vontade, mas tão cegamente se submeteram. Até então tinham os concílios da igreja sido compostos de bispos e presbíteros de uma província, mas durante o reinado de Constantino foram consagradas as assembléias, que o imperador podia reunir e dissolver à vontade! Chamavam-se concílios ecumênicos ou gerais, e tinham por fim a discussão das questões mais importantes da igreja. As décadas seguintes viram as constantes ingerências de Constantino e dos seus filhos nos assuntos internos da igreja, seja para resolver as divergências resultantes da formulação de Nicéia, seja para sanar cismas, rivalidades pessoais e outras questões. A igreja iniciou a prática de recorrer às autoridades civis para impor as suas decisões e aplicar penalidades aos insubmissos. Por diferentes razões, Atanásio, o bispo de Alexandria (328-373) e defensor intransigente da ortodoxia nicena, foi exilado cinco vezes por Constantino e seus sucessores. A transferência da capital de Roma para Constantinopla (330), entre outros fatores, levou a uma diferente concepção das relações entre a igreja e o Estado na região oriental, em comparação com o ocidente. No Império Romano Oriental, mais tarde o Império Bizantino, e conseqüentemente na Igreja Ortodoxa, a teoria e prática predominante veio a ser o cesaropapismo, isto é, a suprema autoridade exercida pelo governante secular sobre a igreja, mesmo em questões doutrinárias.

Conclusão

A política eclesiástica de Constantino consistia em tornar a Igreja no “cimento do império”.[3] Por isso e também porque ele não podia ver a importância das sutilezas que os teólogos debatiam, ele facilmente perdia sua paciência e reagia contra aqueles que mostravam uma atitude firme com relação às suas próprias posições teológicas. Foi por essa razão que, após o Concilio de Nicéia, ele exilou Ário e todos aqueles que se recusaram a assinar o Credo Niceno. Pela mesma razão, Eusébio de Nicomédia foi mandado para o exílio alguns meses depois. Ao se desembaraçar destes elementos extremos, Constantino esperava solidificar a paz que ele acreditava ter se estabelecido pelo Concilio de Nicéia. Ficou evidente o problema da igreja vinculada ao Estado, pois muitas decisões eram questionadas, o grande problema é que a conversão de Constantino foi uma grande incógnita, e seus interesses na igreja institucionalizada eram políticos. É claro que Deus em sua soberania estava governando todas as coisas.  Com Constantino a igreja perde sua identidade peregrina, está interessada em questões micro. É claro que um mundo que sofre influência da igreja tem algumas coisas boas, mas, Um mundo em que o imperador podia tomar a decisão crítica de resolver uma grande crise doutrinária era um mundo em que as preocupações legítimas do imperador quanto à ordem, sucesso, riqueza e estabilidade temporais virtualmente haveriam de tornar-se preocupações também para  a igreja. A distinção entre a igreja e o mundo que a cristologia nicena preservou foi, na realidade, comprometida pelos próprios acontecimentos que conduziram à declaração de Nicéia. Neste sentido, Nicéia deixou para a posteridade um duplo legado, fidelidade mais intensa às grandiosas verdades salvadoras da revelação e também uma crescente associação entre a igreja e o mundo.
_________________
Notas: 

[1] NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p.52
[2] CURTIS, A. Kenneth - Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China / A. Kenneth Curtis, J. Stephen Lang e Randy Petersen ; tradução Emirson Justino — São Paulo: Editora Vida, 2003.
[3] GONZÁLEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1980-1995.p.266
______________
Referências:
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
GONZÁLEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1980-1995.
NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

8 de set. de 2014

A contribuição dos pais da Igreja na defesa do Evangelho


Por Samuel Alves

Os pais da igreja deram grande contribuição na expansão e defesa do Evangelho. Seus escritos preenchem a lacuna das informações históricas sobre o desenvolvimento da igreja. Esses líderes construíram uma apologética para defesa contras as heresias que adentravam na igreja. Os pais apostólicos apareceram como a testemunha da fé tradicional, não apenas como interpretes, mesmo que suas manifestações, geralmente fragmentárias e muitas vezes ingênuas, proporcionam uma boa noção das bases em que a teologia inconsistente da igreja estava se desenvolvendo, longe de formarem um grupo homogêneo, esses pais da igreja eram porta-vozes de tendências bem distintas.

Olhando para os pais da igreja, J.N.D. Kelly[1], Afirma que:

Esta, portanto, é a ordem da nossa fé... Deus Pai, não criado, não material, invisível; um só Deus, o criador de todas as coisas: este é o primeiro ponto da nossa fé. O segundo ponto é este: o Verbo de Deus, filho de Deus, Cristo Jesus nosso Senhor, que se manifestou aos profetas de acordo com a forma da profecia deles e em harmonia com o método da dispensação do Pai; por intermédio de quem (isto é, do verbo) todas as coisas foram feitas; o qual também, na consumação dos tempos, para completar e reunir todas as coisas, fez-se homem entre os homens, visível e tangível, a fim de destruir a morte e expor a vida, produzindo a perfeita reconciliação entre Deus e o homem. E o terceiro ponto é: o Espírito Santo, por meio de quem os profetas profetizaram, os pais aprenderam as coisas de Deus e os justos foram conduzidos ao caminho da justiça; o qual, na consumação dos tempos, foi derramado de maneira nova sobre a humanidade em toda a terra, renovando o homem para Deus.

O nome “pai da igreja” foi concedido aos bispos, especialmente no ocidente. Esse título foi dado principalmente aos ortodoxos e os expoentes da fé. É praticamente certo que os escritos do Novo Testamento já estavam concluídos, trazendo luz aos escritos dos pais apostólicos.

Abaixo segue tabela que mostram os primeiros pais[2]


Primeiro século (95-c. 150) “Interpretação Tipológica”

Alguns expoentes:

Clemente de Roma (c. 30-100)

Em meados de 95 a igreja de Corinto teve sérios problemas, foi então que Clemente, Presbítero da igreja escreveu sua carta para orientar e exortar os irmãos que estavam em revolta contra o presbitério. Esta carta está entre os escritos mais antigos da Igreja. Esta epístola é muito valiosa por suas informações e relacionamentos entre bispos, presbíteros, clero e leigos. Esta carta cita cerca de 150 textos do Antigo testamento.

Inácio (Séc. I – Séc. II d.C)

Outro pai da igreja, bispo de Antioquia da Síria, foi preso devido a seu testemunho cristão, e enviado para ser devorado pelas feras nos jogos imperiais. Em suas cartas alertou aos irmãos a lutarem contra as heresias que ameaçavam a Igreja. Combateu fortemente os gnósticos e docéticos.

Policarpo (c. 70-155)

Policarpo provavelmente foi discípulo de João, Bispo de Esmirna, foi martirizado em 155, queimado numa estaca, no seu martírio reafirmou a fé em Cristo com a célebre frase: “Não posso falar mal de Cristo, a quem sirvo a 86 anos”. Escreveu sua carta em 110, foi uma testemunha valiosa da vida e da obra da Igreja Primitiva. Ao contrario de Inácio, Policarpo não se interessou pelas questões administrativas da igreja.

Epistola de Barnabé

Geralmente conhecida como pseudo-Barnabé, esta carta foi escrita para ajudar os novos convertidos oriundos do paganismo. Esses escritos, possivelmente, fazem link com o Didaquê. O autor deste livro usa o método tipológico muito usado nas passagens no Antigo Testamento em alegorias, afim de fundamentar sua argumentação.

Epístola de Diogneto

Esta carta tem sua autoria incerta, porém, tem um caráter apologético. O autor apresenta uma defesa racional do cristianismo e mostra a loucura da idolatria, inadequação do judaísmo, superioridade do cristianismo, a esperança que dá aos convertidos.

Segunda Epístola de Clemente aos Coríntios

Embora não seja uma carta, mas, uma homilia, provavelmente não foi escrito por Clemente. Sua autoria está associada aos pais da igreja. O autor encontra-se interessado em fazer uma defesa da cristologia e na pureza da vida cristã.

Papias

A obra “Interpretação dos ditos do Senhor” foi escrita em meados do II Século por Papias, Bispo de Hierápolis, na Frígia. Ela registra informações dos anciãos que conheceram os apóstolos. Possivelmente Papias foi discípulo de João.

Literatura Apocalíptica

O Pastor de Hermas, foi concebido a partir do livro de Apocalipse, foi escrito provavelmente em 150 por Hermas, seu objetivo é moral e prático.

Literatura Catequética

Didaquê foi um livro que teve bastante influência, foi descoberto em uma biblioteca por um homem chamado Bryennios Philoteus em 1883 em Constantinopla, este é um manual de instruções eclesiásticas.

Conclusão

Portanto, é importante ressaltar as contribuições dos Pais da Igreja na defesa da fé. Eles não estavam debatendo por vaidade, mas, por uma ortodoxia saudável. Muitos desses homens foram martirizados, mas, não negam nenhum de seus postulados teológicos, temos que olhar para nossa história e rever nossa postura diante das heresias que entram em nossas igrejas. Mesmo usando os métodos de interpretação Alegórico e tipológico, vale a pena destacar o papel fundamental desses homens que foram martirizados pela defesa da fé.  Os apologistas dão testemunho da tensão em que vivem os cristãos dos primeiros séculos, rejeitam o paganismo, lutam contra os gnósticos, se negam a adorar o imperador, e assim atraem a perseguição.
_____________________________
Notas: 

[1]  J.N.D. Kelly. Patrística: Origem e desenvolvimento das doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova,1994, 65-66p.
[2]  Cairns, Earle Edwin: O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova,3ª edição, 2008, 61p.

Referências Bibliográficas:
Cairns, Earle Edwin: O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja cristã. São Paulo: Vida Nova, 3ª edição, 2008.

J.N.D. Kelly. Patrística: Origem e desenvolvimento das doutrinas Centrais da Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova,1994.

González, Justo L. E até os confins da terra: uma história do Cristianismo; tradução Key Yuasa. São Paulo: Vida Nova, 1995.