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7 de nov. de 2016

Qual a Origem do Termo Reformado?

por Alan Rennê Alexandrino

Segunda passada foi o dia da Reforma Protestante. E com ele veio uma enxurrada de postagens sobre a importância da data. No entanto, muitas versavam sobre a questão de ser "reformado". Alguns diziam que é implicância e estupidez quando afirmam que o termo deve ser aplicado a um grupo específico, não a todos. Subjaz a este entendimento que todos os adeptos do movimento iniciado por Lutero são "reformados", afinal de contas, todos comemoram o dia da Reforma e creem em certas doutrinas.

Pois bem, transcrevo abaixo alguns testemunhos de historiadores sobre a questão do termo. Esclareço, de início, que, de modo algum, tenho a intenção de desmerecer quem quer que seja, ou de insinuar que A é melhor que B, ou que há alguns grupos não têm direito de comemorar a Reforma, ou ainda, que apenas presbiterianos são reformados. Longe disso! Meu objetivo é tão somente oferecer um esclarecimento a partir da historiografia protestante. Vamos começar com um presbiteriano, certamente o mais tendencioso na mente de muitos:

Pouco depois que o protestantismo começou na Alemanha, sob a liderança de Martinho Lutero, surgiu uma segunda manifestação do mesmo no Cantão de Zurique, na Suíça, sob a direção de outro ex-sacerdote, Ulrico Zuínglio (1484-1531). Para distinguir-se da reforma alemã, esse novo movimento ficou conhecido como Segunda Reforma ou Reforma Suíça. O entendimento de que a reforma suíça foi mais profunda em sua ruptura com a igreja medieval e em seu retorno às Escrituras, fez com que recebesse o nome de MOVIMENTO REFORMADO e seus simpatizantes ficassem conhecidos simplesmente como 'reformados'. Inicialmente, o movimento reformado esteve mais ligado à pessoa de Zuínglio. Porém, com a morte prematura deste, o movimento veio a associar-se com seu maior teólogo e articulador, o francês João Calvino (1509-1564). A propósito, os 'protestantes', fossem eles luteranos ou reformados, só passaram a ter essa designação a partir da Dieta de Spira, em 1529. Portanto, o movimento reformado é o ramo do protestantismo que surgiu na Suíça, no século 16, tendo como líderes originais Ulrico Zuínglio, em Zurique, e João Calvino [...] Até hoje, as igrejas ligadas a essa tradição no continente europeu são conhecidas como Igrejas Reformadas (da Suíça, França, Holanda, Hungria, Romênia e outros países) (NASCIMENTO, Adão Carlos; MATOS, Alderi Souza de. O que Todo Presbiteriano Inteligente Deve Saber. Santa Bárbara d'Oeste, 2007. pp. 10-11).

O tipo de Protestantismo de Calvino era conhecido como "reformado". Diferia do sistema luterano no sentido de que a Igreja era uma instituição paralela ao Estado e não subordinada a ele. A Igreja era uma organização independente que mantinha sua vida própria e usava sua posição para corrigir o Estado quando necessário (CLOUSE, Robert G. et alli. Dois Reinos: A Igreja e a Cultura Interagindo ao Longo dos Séculos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. p. 244).

Os milhões que aceitam a fé reformada e sua fundamentação doutrinária testemunham a importância do sistema teológico formulado por João Calvino (1509-1564), designado geralmente pelo termo 'calvinismo'. O termo 'fé reformada' APLICA-SE ao sistema de teologia desenvolvido a partir do sistema de Calvino (CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 251).

Um pouco antes, Cairns afirmou sobre Zwínglio: “Foram estas as ideias do homem que colocou os fundamentos da fé reformada na Suíça alemã. Embora Calvino tenha se tornado o herói da fé reformada, a igreja não pode esquecer o papel de Zwínglio, erudito, democrático e sincero, na libertação da Suíça das garras do papa” (p. 246).

O prestigiado estudioso Alister E. McGrath divide o protestantismo em três grandes ramos: Luterano (Reforma Luterana), Reformado (Reforma Calvinista) e Anabatista (Reforma Radical):

As origens da Reforma calvinista responsável pela constituição das Igrejas Reformadas (como a igreja presbiteriana), se encontram em acontecimentos ocorridos dentro da Confederação Suíça. Enquanto a Reforma luterana teve suas origens num contexto acadêmico, a IGREJA REFORMADA deve suas origens a uma série de tentativas de reformar a moral e o culto eclesiástico (mas não necessariamente sua doutrina) de acordo com um padrão mais bíblico. É preciso enfatizar que apesar de Calvino ter dado a esse estilo de Reforma a sua configuração definitiva, suas origens remontam a reformadores mais antigos como Zwínglio e Heinrich Bullinger, sediados em Zurique, a principal cidade da Suíça" (MCGRATH, Alister E. Teologia Histórica: Uma Introdução à História do Pensamento Cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 180).

David G. Peters, um teólogo luterano, discutindo as controvérsias em torno da presença real de Cristo no sacramento da Ceia, afirmou que os luteranos "acusaram os reformados de separar as naturezas de Cristo do mesmo modo como Nestório havia feito" (PETERS, David G. The “Extra Calvinisticum” and Calvin’s Eucharistic Theology. p. 6. Disponível em: <http://www.wlsessays.net/…/handle/12…/3632/PetersCalvin.pdf…>).

Na mesma página Peters afirma que "o debate eucarístico entre luteranos e reformados era simultaneamente um debate sobre cristologia" (p. 6).

Francis Pieper, dogmático luterano, faz referência aos calvinistas utilizando o termo reformado: “Cada palavra que os reformados falam contra a participação da natureza humana na divina onipresença, falam também contra sua doutrina da participação da natureza humana na Pessoa do Filho de Deus" (PIEPER, Francis. Christian Dogmatics. Vol. 2. Saint Louis, MS: Concordia Publishing House, 1951. p. 167).

Por fim, o grande historiador da Igreja, Kenneth Scott Latourette, afirma:

Paralelo ao luteranismo, outra espécie de protestantismo emergia e se desenvolvia. Esse protestantismo usualmente é conhecido como REFORMADO. Nele há variantes, inclusive o presbiterianismo em suas diversas manifestações. Todavia, de modo semelhante ao luteranismo, ele constituiu uma família de igrejas que, nos séculos 19 e 20, seriam atraídas conjuntamente em uma associação mundial (LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma História do Cristianismo. Vol. 2. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 1009).

Reafirmo que a intenção não é apontar o dedo para quem quer que seja, afirmando que o tal não tem direito de comemorar a Reforma Protestante. A ideia é tão somente esclarecer que o termo "reformado", em sua gênese, foi aplicado a um grupo distinto dos luteranos e anabatistas. Assim, meu desejo é que protestantes luteranos, protestantes reformados e protestantes anabatistas - ou descendentes destes grupos - juntos se alegrem em Deus pela Reforma, que no próximo ano completa 500 anos.

31 de out. de 2016

Índios protestantes no Brasil holandês

Por Frans Leonard Schalkwijk

Três vezes a igreja protestante foi implantada no Brasil Colônia, três vezes foi expulsa pelos portugueses católicos. Primeira vez: a igreja reformada dos franceses no Rio de Janeiro (1557-1558); segunda, a dos holandeses na Bahia (1624-1625); terceira, a dos holandeses, alemães, ibéricos, ingleses, franceses e índios no Nordeste, quase 30 anos depois.

A história da igreja protestante indígena durante a ocupação holandesa do Nordeste (1630-1654) está registrada em vários arquivos, especialmente em Amsterdã e Haia, na Holanda.

No século XVII, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco constituíam os três principais centros urbanos do Brasil Colônia. A riqueza produzida pelo açúcar brasileiro ajudava a Espanha a consolidar o seu domínio, enquanto procurava estrangular a jovem República dos Países Baixos - ou seja, a Holanda.

OS CONFLITOS DA COROA DE CASTELA

Embora o Brasil tivesse nascido como colônia portuguesa, a partir de 1580 Portugal havia passado a fazer parte da União Ibérica, comandada pela Espanha. O Brasil, em conseqüência, foi envolvido nos conflitos internacionais da coroa de Castela.

Na Holanda, pouco depois de 1500 a casa de Habsburgo chegou ao poder e reuniu as possessões alemãs, espanholas e holandesas nas mãos de Carlos V. Foi quando eclodiu, na Europa, a Reforma Protestante (1517).

O sucessor de Carlos V, Filipe II, rei da Espanha, decidiu eliminar os protestantes de suas terras, o que levou à Guerra dos 80 Anos (1568-1648).

Com a derrota da armada espanhola, em 1588, o poder da Espanha entrou em declínio, enquanto a Holanda ganhou impulso, especialmente porque recebeu milhares de refugiados franceses, belgas, espanhóis, alemães, poloneses. Tinha início a Idade de Ouro dos Países Baixos.

O trono espanhol, em represália, fechou seus portos para os holandeses, que foram obrigados a singrar os oceanos, considerados até então considerados mares territoriais ibéricos.

A Igreja Cristã Reformada (Protestante) também crescia com o afluxo de refugiados perseguidos por sua fé religiosa. Nessa Primeira Guerra Mundial, o vigoroso comércio ultramarino holandês organizou duas grandes companhias - a das Índias Orientais e a das Índias Ocidentais - para fortalecer a cooperação entre as empresas e se proteger dos espanhóis.

O Atlântico era a área da Companhia das Índias Ocidentais, cuja diretoria era composta de 19 membros, os chamados Senhores XIX, representantes das cidades cooperadoras, das quais Amsterdão era a principal.

Cientes de que as maiores riquezas da inimiga Espanha provinham das Américas, estes senhores começaram a pensar na conquista de parte das colônias americanas como forma de estancar a fonte de sustentação econômica das forças espanholas.

Nesse contexto, a Bahia parecia presa fácil, e a cidade de Salvador foi tomada. Conquista, entretanto, perdida um ano depois (1624-1625). Os holandeses, porém, decidiram prosseguir com a empreitada, agora voltada para Pernambuco. O sucesso do projeto deu início ao Brasil Holandês (1630-1654).

Durante esse período, tem lugar um capítulo pouco conhecido da história eclesiástica brasileira, a da Igreja Cristão Reformada, nome da Igreja Protestante na Holanda. Era uma igreja do Estado, situação das igrejas no Ocidente, seja nos países católicos, seja nos protestantes. A Igreja Cristã Reformada veio para o Brasil sob a bandeira holandesa, e foi expulsa com ela.

Na medida que os holandeses ampliavam o território conquistado, eram implantadas congregações reformadas. Durante algum tempo, existiram 22 igrejas protestantes no Nordeste, sendo que a do Recife era a maior, contando, inclusive, com uma congregação inglesa e uma francesa. Esta se reunia no templo gálico, que tinha no conde Maurício de Nassau seu membro mais ilustre e o pastorado era exercido pelo espanhol Vicentius Soler.

Na leitura dos documentos da época, surge uma igreja cercada de pessoas dispostas a expulsá-la de sua terra como a religião dos invasores.

Entretanto, para os índios, os holandeses não eram invasores, mas sim libertadores, o que levou a missão reformada no Nordeste a fazer uma opção preferencial pelos indígenas. Para os holandeses, as tribos aculturadas constituíam os brasilianos e as não-subjugadas os tapuias.

Filipe Camarão: O líder dos Potiguares recebeu honrarias do Rei Português por sua lealdade aos interesses lusos.

O primeiro contato entre os brasilianos e a Companhia das Índias Ocidentais ocorreu em Salvador. Com a perda da cidade, em 1625, o almirante da frota holandesa seguiu para o norte e aportou na baía da Traição, cerca de nove quilômetros ao norte da Paraíba.

Os índios locais, da tribo potiguar, viram nos holandeses os seus libertadores do jugo português e muitos quiseram embarcar quando a frota partiu. Apenas seis jovens índios conseguiram seguir para a Holanda, enquanto a tribo procurava refúgio na mata para fugir da vingança dos portugueses.


Os seis índios potiguares - entre eles o índio Pedro Poti - permaneceram durante cinco anos nos Países Baixos, onde foram alfabetizados e instruídos na religião reformada. Pouco depois da invasão de Pernambuco, alguns desses índios foram enviados de volta ao Brasil para servirem de línguas (tradutores) no contato com seus compatriotas nas aldeias nordestinas.

O sistema de aldeamento dos índios foi iniciado pelos padres católicos e continuou com os holandeses. Por volta de 1639, o Rio Grande abrigava cinco aldeias de brasilianos, a Paraíba sete, Itamaracá cinco e Pernambuco quatro. O trabalho da igreja reformada teve início em cima do trabalho realizado pelos padres católicos.

Os índios tinham aprendido algumas orações, a confissão apostólica, conheciam os nomes de Jesus e de Nossa Senhora, e tinham sido batizados; quanto ao mais, mantinham suas crenças animistas. Cedo a Igreja Reformada começou a evangelizar os indígenas, com apoio do governo, que precisava dos guerreiros na luta contra os portugueses.

Mas, apesar dos esforços, os holandeses não conseguiram estabelecer um método ideal de evangelização. Entretanto, os documentos registram anotações sobre batismos. No Presbitério de 1637, por exemplo, surge a questão do batismo de filhos de brasilianos e de africanos de pais já batizados pelos padres católicos. A Igreja Cristão Reformada reconheceu o batismo da Igreja Católica Romana, e decidiu que os filhos de pais batizados poderiam receber o sinal da aliança desde que seus pais confessassem a Jesus Cristo.

Em 1638, índios da Paraíba pediram ao Presbitério um predicante próprio. Nestas alturas, o Presbitério decidiu atender ao pedido dos indígenas e deslocar um pastor para as aldeias para pregar a palavra de Deus, administrar os sacramentos e exercer a disciplina eclesiástica, lembrando as três marcas da verdadeira igreja, conforme o artigo 29 da Confissão Belga. Esse plano recebeu o apoio do governo, sob a liderança de Nassau.

APESAR DOS ESFORÇOS, OS HOLANDESES NÃO CONSEGUIRAM ESTABELECER UM MÉTODO EFICIENTE DE EVANGELIZAÇÃO

Convidado, o pastor David à Doreslaer mudou-se da capital da Paraíba para a aldeia de Maurícia. O trabalho do pastor Doreslaer teve sucesso, pois foi elogiado pelos representantes do Presbitério do Brasil em carta aos Senhores XIX, enquanto Nassau comunicava que os próprios índios expulsaram os padres das aldeias.

Doreslaer e o pastor inglês Johannes Eduardus ampliaram o trabalho missionário e deram início ao ministério da educação. O primeiro professor protestante entre os índios foi o espanhol Dionísio Biscareto, casado com uma holandesa. Biscareto foi nomeado professor em Itapecerica, a maior aldeia da região de Goiana. Para as aldeias paraibanas, foi indicado o professor inglês Thomas Kemp.

Em 1640 começou o trabalho de brasilianização, movimento idealizado pelo pastor Soler, da Igreja Francesa no Recife. Ele conheceu um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever, capaz de instruir os índios. O pastor Eduardus, por sua vez, lembrou a existência de índios em idênticas condições em Goiana.

Assim, solicitaram ao governo que esses índios fossem nomeados professores nas aldeias, com um salário mensal de 12 florins, soldo de um cabo do exército. Esses dois índios foram os primeiros professores indígenas da Igreja Protestante na América do Sul.

Em livro publicado em 1651, Pierre Moreau cita um jovem ministro britânico que traduzira as Santas Escrituras para a língua brasiliana. Tudo indica que o hábil lingüista era o pastor Eduardus. Mas o que foi traduzido? Provavelmente apenas trechos bíblicos, mas, até hoje, não foram encontrados registros sobre o assunto nos arquivos. O que fica evidente é o interesse da Igreja Cristã Reformada em entregar aos índios a mensagem bíblica em sua própria língua.

Com a necessidade de um catecismo em língua tupi, o pastor Doreslaer organizou um livro de instrução que foi impresso na Holanda com o título Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil com formulários para batismo e santa ceia acrescentados. Embora o livro tenha sido criticado pelo Presbitério de Amsterdã, a Companhia das Índias Ocidentais mandou imprimi-lo em 1641 e, no ano seguinte, distribuiu-o no Brasil.

No terreno da assistência social, a Igreja Reformada enfrentava a caótica situação matrimonial existente na colônia, inclusive entre os índios. Muitos brasilianos casados viviam separados de suas esposas e não podiam casar-se novamente, embora muitos desejassem fazê-lo.

O Presbitério, em 1638, foi de opinião que a parte desertora do casal deveria ser citada por edital público do juiz civil. Depois de determinado período, a parte abandonada deveria ser considerada livre da parte desertora, o que deveria ser aprovado pelo magistrado. Esta determinação, reconhecendo a fraqueza da natureza humana, representa o primeiro projeto de reconciliação ou divórcio legal na América do Sul.

Os resultados práticos, entretanto, foram limitados, em razão das hesitações do magistrado, temeroso de conseqüências mais amplas. Na outra ponta, o problema da escravidão dos índios exigia solução urgente.

Desde o início da chegada dos holandeses ficou claro que os indígenas, aculturados e não-aculturados, deveriam ser livres. A liberdade dos brasilianos seria um dos capítulos fundamentais da Constituição do Brasil Holandês e tratada nos Regulamentos de 1629, 1636 e 1645.

Os holandeses não só precisavam dos índios na guerra contra os ibéricos, como sentiam profunda empatia pelos indígenas, pois, como eles, também estavam sendo oprimidos pela União Ibérica, a superpotência mundial da época.

LIBERTAÇÃO DOS INDÍGENAS

Os Senhores XIX insistiram para que fossem postos em liberdade os brasilianos escravizados pelos portugueses em 1625, depois da partida da esquadra holandesa. Esta libertação demorou, e começou a se tornar concreta com o início do trabalho missionário.

Em 1638, descobriu-se que os moradores portugueses de Recife ainda mantinham indígenas como escravos domésticos. Boa parte desses índios havia sido aprisionada pelas expedições punitivas levadas a efeito ao redor da baia da Traição, em 1625. O governo ordenou que todos os escravos fossem libertados imediatamente.

O governo holandês também combateu duramente a semi-escravidão, lembrando aos proprietários rurais, em Alagoas, que índios somente poderiam trabalhar nas lavouras por livre vontade e recebendo a devida remuneração. O sub-pagamento foi outra forma de exploração firmemente reprimida no Nordeste holandês. O governo determinou que os capitães que abusassem de sua autoridade fossem exemplarmente castigados.

Os índios, por sua vez, desejavam se transferir para as aldeias que possuíam missionários e, após intervenção do Presbitério, as autoridades promoveram as transferências para colaborar com o crescimento da igreja de Deus.

Na história da luta da Igreja Reformada no Brasil em favor da libertação dos índios é necessário lembrar a lei do ventre livre de 1645, originária de consulta do pastor Kemp sobre a situação de brasilianos casados com escravas africanas e escravos negros casados com indígenas.

Em resposta, as autoridades decidiram que a parte escrava do casal não se libertava pelo matrimônio, mas podia ser alforriada, e que os filhos resultantes desse tipo de casamento seriam considerados livres, reiterando que brasilianos, sem exceção, eram livres.

EM RELAÇÃO À ESCRAVIDÃO DOS NEGROS AFICANOS, AS CONSCIÊNCIAS CRISTÃS ERAM PRIMITIVAS, CONSIDERAVAM-NA UM ESCRÚPULO DESNECESSÁRIO

Infelizmente, quanto à escravidão africana, na época as consciências cristãs era subdesenvolvidas. Quando o pastor Jacobus Dapper questionou se era lícito ao cristão negociar ou possuir escravos africanos, até o conde de Nassau afirmou que se tratava de escrúpulos desnecessários.

Nassau se conformava ao espírito de seu tempo, mas contrariava o pensamento do pai espiritual da Companhia, o belga Willem Usselinex, e do patriarca da Igreja Reformada, o francês João Calvino.

O derradeiro período da missão da Igreja Cristã Reformada começou com a realização de duas importantes assembléias, uma eclesiástica, outra política. A mesa da Assembléia Geral das Igrejas recebeu pedidos de tribos que queriam receber seus próprios obreiros.

O professor Dionísio Biscareto foi ordenado pastor e dois brasilianos nomeados professores. Poucos meses antes da chamada insurreição pernambucana, em 1645, realizou-se a primeira grande assembléia indígena, com 120 representantes, em Itapecerica, na capitania de Itamaracá.

Foram organizadas três câmaras,: a câmara de Itamaracá, dirigida pelo índio Carapeba; a de Paraíba, pelo índio Pedro Poti; e a do Rio Grande, pelo índio Antônio Paraupaba.

O teste final e violento da missão reformada veio com a eclosão da guerra de restauração portuguesa. Os documentos atestam a impressionante fidelidade dos brasilianos refugiados ao redor das fortalezas litorâneas.

O mais famoso desses registros são as chamadas cartas tupis, trocadas entre dois primos colocados em campos opostos, o capitão-mór Filipe Camarão e Pedro Poti. Camarão era defensor do lado luso-católico na guerra; Poti, defensor do lado flamengo-reformado. Essa correspondência deixa claro a estreita vinculação entre fé e nação, igreja e Estado. Filipe Camarão escreveu: não quero reconhecer a Antônio Paraupaba, nem a Pedro Poti, que se tornaram hereges [...].

Em resposta datada de 31 de outubro de 1645, dia da Reforma Protestante, Poti garante que seus índios viviam em maior liberdade do que os outros, ressaltando que os portugueses queriam apenas escravizá-los.

Poti lembra a Camarão as matanças ocorridas na baia da Traição e em Sirinhaém, havia poucas semanas, quando os portugueses, após a rendição da frota holandesa, mataram perversamente 23 índios prisioneiros de guerra, quebrando as condições previamente acordadas.

Confessou também ser cristão, crendo somente em Cristo, não desejando contaminar-se com a idolatria, e convidou seus parentes e amigos a passar para o lado dos piedosos, que nos reconhecem no nosso país e nos tratam bem.

Ambos os primos não veriam o final dessa luta sangrenta: Camarão faleceu em 1648, depois da primeira batalha de Guararapes, e Poti no ano seguinte foi preso no cabo Santo Agostinho pelos portugueses. Segundo testemunho de Paraupaba, Poti foi lançado num poço, onde permaneceu durante seis meses.

Retirado de vez em quando, padres se atiravam sobre ele, tentando obrigá-lo a abjurar a religião protestante. Poti, entretanto, resistiu bravamente na fé protestante, e foi embarcado para Portugal, para as câmaras de tortura do Santo Ofício, mas a viagem não acabou, atalhada pela morte.

A guerra de restauração aproximou ainda mais os índios dos holandeses e apenas o pacto com os brasilianos garantiu a resistência flamenga durante nove anos.

Quando não houve mais condições de manter Recife, com as tropas luso-brasileiras às portas das fortificações e a armada portuguesa á entrada do porto, o Nordeste foi devolvido a Portugal. Terminava, também, a missão cristã reformada, impossível sem a proteção de um país protestante.

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Fonte Original aqui

Imagem Ilustrativa do Conde Maurício de Nassau, governante do Brasil Holandês. 

21 de out. de 2016

Cronologia de Martinho Lutero

Por Alderi Souza de Matos


1483 – Nasce em Eisleben, na Alemanha oriental.

1484 – Seus pais, Hans e Margaretha Luder, mudam-se para Mansfeld, onde Hans trabalha em minas de cobre.

1492 – Lutero estuda em Mansfeld.

1497 – Estuda em Magdeburgo e no ano seguinte em Eisenach.

1501 – Ingressa na Universidade de Erfurt e no ano seguinte recebe o grau de bacharel.

1505 – Conclui o mestrado em Erfurt e começa a estudar direito. Em 02-07, durante uma tempestade, jura tornar-se monge; ingressa na Ordem dos Eremitas Agostinianos, em Erfurt.

1507 – É ordenado e celebra a primeira missa. No ano seguinte, leciona filosofia moral em Wittenberg.

1510 – Visita Roma e no ano seguinte é transferido para a casa agostiniana de Wittenberg.

1512 – Torna-se doutor em teologia e no ano seguinte começa a lecionar sobre os Salmos na Universidade de Wittenberg.

1515 –
Leciona sobre Romanos e é nomeado vigário distrital sobre dez mosteiros; no ano seguinte, começa a lecionar sobre Gálatas.

1517 – Começa a lecionar sobre Hebreus; em 31 de outubro, afixa as Noventa e Cinco Teses sobre as indulgências. Contexto: eleição do sacro imperador e venda de indulgências.

1518 – Defende a sua teologia em uma reunião dos agostinianos em Heidelberg. Em outubro, comparece diante do cardeal Cajetano em Augsburgo, mas recusa retratar-se; em dezembro, Frederico, o Sábio, impede que Lutero seja levado a Roma.

1519 – Entende a “justiça de Deus” como uma “justiça passiva com a qual Deus nos justifica pela fé.” Em julho, tem um debate com o professor dominicano João Eck em Leipzig; defende João Hus e nega a autoridade suprema de papas e concílios. Carlos V é eleito sacro imperador.

1520 – A bula papal Exsurge Domine dá-lhe 60 dias para retratar-se ou ser excomungado. Queima a bula papal e um exemplar da lei canônica. Escreve três documentos fundamentais: À Nobreza Cristã da Nação Alemã, O Cativeiro Babilônico da Igreja e A Liberdade do Cristão. A Reforma alastra-se na Alemanha e na Europa.

1521 –
É excomungado pela bula Decet Romanum Pontificem, de Leão X. Em abril, naDieta de Worms, recusa renegar os seus escritos e no mês seguinte um edito o condena como herético e proscrito. É seqüestrado e ocultado no Castelo de Wartburg, onde começa a traduzir o Novo Testamento. Protegido pelo príncipe eleito.

1522 – Em março, deixa o seu esconderijo e retorna a Wittenberg. No ano seguinte, escreve Sobre a Autoridade Temporal. É publicado o Novo Testamento em alemão.

1524 – Tem um debate com Andreas Bodenstein Karlstadt sobre a Ceia do Senhor. Explode a Revolta dos Camponeses.

1525 – Escreve Contra os Profetas Celestiais; escreve Contra as Hordas, criticando a Revolta dos Camponeses. Casa-se com Catarina von Bora. Escreve O Cativeiro da Vontade, contra Erasmo. Morte de Frederico, o Sábio.

1526 – Escreve a Missa Alemã; nasce o seu filho Hans. Na Dieta de Spira, os príncipes recusam-se a aplicar o Edito de Worms. No ano seguinte, luta contra enfermidades e intensa depressão; escreve “Castelo Forte”. Nasce a sua filha Elizabete. Escreve contra as idéias de Zuínglio acerca da Ceia do Senhor.

1528 – Escreve a Grande Confissão Acerca da Ceia de Cristo; chora a morte de Elizabete; visita igrejas.

1529 – Dieta de Spira: intolerância contra os luteranos. Surge o nome “protestantes.” Lutero comparece com Zuínglio ao Colóquio de Marburg, mas não alcançam acordo sobre a Ceia do Senhor. Publica o Grande Catecismo e o Pequeno Catecismo. Nasce sua filha Madalena.

1530 – Morre seu pai. Lutero, sendo um proscrito, não pode comparecer à Dieta de Augsburgo, realizada na tentativa de pôr fim à divisão religiosa do império. Filipe Melanchton apresenta a Confissão de Augsburgo, uma declaração das convicções luteranas.

1531 – Começa a lecionar sobre Gálatas. Nasce o seu filho Martin e morre a sua mãe, Margaretha.

1532 – Escreve Sobre os Pregadores Infiltradores e Clandestinos. Recebe o mosteiro agostiniano de Wittenberg como sua residência.

1533 – Nasce o seu filho Paulo. No ano seguinte, publica a Bíblia Alemã completa e nasce sua filha Margarete.

1536 – Aceita a Concórdia de Wittenberg sobre a Ceia do Senhor, na tentativa de sanar as diferenças com outros reformadores, mas os zuinglianos a rejeitam.

1537 – Redige os Artigos de Schmalkald como seu “testamento teológico.” No ano seguinte, escreve contra os judeus em Contra os Sabatarianos.

1539 – Escreve Sobre os Concílios e a Igreja. Em 1541, escreve Exortação à Oração contra os Turcos.

1542 – Redige o seu testamento; morre sua filha Madalena. No ano seguinte, escreveSobre os Judeus e suas Mentiras.

1544 – Escreve contra a interpretação de Caspar Schwenckfeld sobre a Santa Ceia.

1545 – Escreve Contra o Papado de Roma, uma Instituição do Diabo. Morre o arcebispo Alberto de Mogúncia e tem início o Concílio de Trento.

1546 – Lutero morre no dia 18 de fevereiro em Eisleben. Sua esposa morre em 1552.

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1 de nov. de 2015

O Exegeta da Reforma e seu zelo pela Escritura

Por Thiago Azevedo
João Calvino ainda é uma personagem na história do cristianismo muito mal interpretada. Por muito, João Calvino tem caído no tão famigerado método interpretativo que classifico como “Histórico Auditivo”, é aquele que a pessoa interpreta uma personagem a partir do que se fala dela, mas nunca do que a própria personagem deixou registrado. Calvino, além de seus comentários bíblicos, nos deixou outras obras que são de suma importância para quem quiser lhe compreender – Assim são suas Cartas, seus sermões, e As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, está última figurando como sua obra magna.

31 de out. de 2015

Indicação de livros sobre a Reforma (História e/ou Teologia)


Olá pessoal, hoje é o dia que a Reforma Protestante completa 498 anos. Uau! Quase meio milênio de história e de muita influência no pensamento e na formação do mundo ocidental. Para celebração desta importante data, fizemos aquela velha lista de indicações com livros que abordam questões históricas e/ou teológicas da Reforma. Nas indicações feitas pela nossa equipe, veremos que não foi apenas algo que mudou a teologia, pois, houve desdobramentos em diversas outras áreas do conhecimento. Confira a lista e veja o que você já tem e o que você não tem. Corra para adquirir o que falta em sua biblioteca particular. 

Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus e Soli Deo Gloria.

28 de out. de 2015

A Reforma situada na História

Por Thiago Oliveira

Não tenho dúvidas de que a Reforma Protestante foi o maior acontecimento da chamada Idade Moderna. Quando Lutero fixou as suas 95 teses na Catedral de Wittenberg no dia 31 de outubro de 1517, ele não tinha sequer a dimensão do que tal ato ocasionaria. Foi com a Reforma que as bases do período medieval começaram a ruir. Antes dele, alguns homens já haviam tentado mostrar a igreja romana que ela deveria voltar-se para a autoridade da Escritura. Podemos destacar aqui nomes como o de John Wycliffe (1320-84) e John Huss (1369-1415). Foram as ideias destes dois homens as responsáveis por formar a perspectiva dos reformadores do século 16. O que Lutero fez foi dar o passo que eles não puderam dar.

27 de out. de 2015

Um grito por uma Reforma não só de palavras

Por Thomas Magnum

Todos os anos nós publicamos alguns textos comemorativos sobre a Reforma Protestante. Acreditamos que o dia 31 de Outubro é uma data que deve ser celebrada pelos cristãos evangélicos - principalmente por nós que professamos a fé reformada. A reforma foi sem dúvida um divisor de águas na história da Igreja e da humanidade. Sendo então um movimento de reforma eclesiológica seus princípios não morreram e permanecem a nos ensinar em pleno século 21.

26 de out. de 2015

Um Bate-Papo sobre a Reforma


Sábado é o Dia da Reforma Protestante, por isso, ao decorrer desta semana iremos postar vídeos e textos relacionados ao tema. Começamos com um excelente bate-papo direcionado pelo Vinícius Mulsselman*, em que os pastores Jonas Madureira, Franklin Ferreira e Tiago Santos respondem questões que englobam todo o processo histórico que culminou na Reforma, e os seus desdobramentos e sua doutrina. Assista e seja edificado! 



* Fundador e editor do blog Voltemos ao Evangelho

25 de nov. de 2014

A Palavra, a cerveja de Wittenberg e a expansão do Islamismo

Por Aaron Denlinger

“Eu não posso carregar ninguém ao céu, nem mesmo sob pauladas”. Assim observou Lutero em 11 de Março de 1522, em um sermão em Wittenberg. Apesar de ser um tanto óbvio, Lutero se sentiu compelido a dizer isso porque em sua ausência de Wittenberg nos dez meses anteriores, certas pessoas ficaram impacientes com o progresso da reforma na cidade e apelaram a meios legais compulsórios e/ou violência para trazer as mudanças na doutrina e na adoração que tanto desejavam.

Lutero tinha, na verdade, dito a mesma coisa em um sermão para a mesma audiência no dia anterior. Insistindo de forma clara sobre a necessidade da fé em Cristo para a salvação, de onde necessariamente vem a fé e o amor por Deus e pelos outros, assim como a verdadeira adoração, Lutero enfatizou no sermão anterior que essa mesma fé surge da proclamação das promessas de Deus, não do uso da força: “eu não poderia, nem deveria, forçar qualquer um a ter fé”. De fato, o uso da força é, em última instância, na opinião de Lutero, desnecessário e infrutífero para o sucesso da expansão do reino de Deus, porque a palavra divina – encontrada na Escritura e proclamada pelos ministros ordenados de Deus – é quem realiza essa tarefa.

“A Palavra criou céus e terra e todas as coisas; a Palavra é quem vai realizar [a conversão dos homens], não nós, pobres pecadores”. De nossa parte, “devemos deixar a Palavra correr livre, sem adicionar nossas obras” – isso é, sem usar nossos meios de coerção. Assim, “devemos pregar a Palavra, mas os resultados devem ser deixados unicamente à vontade de Deus”.

Lutero descobriu um exemplo perfeito da habilidade da Palavra de expandir o reino de Deus sem um taco de baseball em sua própria experiência nos anos anteriores. “Eu me opus às indulgências e aos papistas, mas nunca pela força. Eu simplesmente ensinei, preguei e traduzi a Palavra de Deus; fora isso, não fiz mais nada. E enquanto eu dormia ou bebia a cerveja de Wittenberg com meus amigos Phillip e Amsdorf, a Palavra enfraqueceu o papado de tal forma que nenhum príncipe ou imperador jamais seria capaz. Eu não fiz nada; a Palavra fez tudo”.

É questionável se Lutero manteve sua posição sobre a prerrogativa exclusiva da Palavra para avançar o reino de Cristo nos anos seguintes. Cada vez mais alarmado pelos esforços extremos dos anabatistas para implementarem sua própria versão de um reino civil/espiritual pela força (o que significa, ainda bem, que nunca a possuíram em grandes quantidades), Lutero parece ter tolerado cada vez mais o uso de força recíproca para manter os anabatistas na linha, civil e (possivelmente) religiosamente. Porém, é possível, talvez, argumentar que sua posição se manteve consistente, e que a força contra os anabatistas endossada por ele era puramente por questões de restrição civil, não de uniformidade religiosa.

De qualquer forma, a disposição que Lutero demonstrou mesmo nos anos de 1520 perante o uso de meios legais e militares para reprimir desobediência civil nos lembram que sua doutrina do poder da Palavra dizia respeito especificamente ao ponto teológico de como o reino de Cristo é sustentado e expandido, não um endosso genérico de persuasão pacífica em qualquer contexto possível. Uma mão forte é necessária algumas vezes para manter cidadãos – ou, porque não, crianças – rebeldes na linha. Apenas a Palavra, entretanto, pode produzir fé genuína, esperança e amor por Deus em um homem, uma mulher ou uma criança.

Lutero encontrou um exemplo bíblico do poder exclusivo da Palavra de trazer renovo e reforma no relato da obra missionária de Paulo em Atenas em Atos 17. “Quando Paulo chegou em Atenas, uma cidade poderosa, encontrou no templo muitos altares antigos, e foi andando entre todos eles, mas não derrubou nenhum deles a chutes. Pelo contrário, se levantou no meio do mercado e disse que eles não eram nada além de objetos de idolatria, e pediu que as pessoas os abandonassem; veja, ele não destruiu nenhum pela força. Quando a Palavra tomou conta de seus corações, eles mesmos os abandonaram por conta própria”.

Lutero poderia, se quisesse, usar outra ilustração desse ponto na história da igreja, ao considerar o crescimento do cristianismo nos primeiros séculos. Os cristãos dos três primeiros séculos espalharam o evangelho exclusivamente por meio da proclamação. Na verdade, eles tinham pouca escolha. Como sua religião recém descoberta era considerada ilegal, eles eram consistentemente marginalizados de posições de influência política, social ou militar, e eram, pelo menos ocasionalmente, vítimas de intensa perseguição. Eles testemunhavam da realidade de que Deus, em Cristo, estava reconciliando o mundo consigo mesmo por meio de seus lábios e, às vezes, com suas vidas. Pela própria natureza da situação, eles não poderiam promover o reino de Cristo por meio de estabelecerem nações “cristãs” ou manobrando o aparato legislativo ou jurídico dos estados existentes. Notavelmente, esse foi o maior período de crescimento que a igreja cristã já experimentou, mesmo na ausência do fator da cerveja de Wittenberg.

A expansão inicial do cristianismo contrasta fortemente com a expansão inicial do Islamismo, nesse sentido. Desde o começo, Maomé e seus seguidores empregaram qualquer meio militar que tinham para avançar a expansão de sua religião. Em menos de uma década depois da morte de Maomé, os muçulmanos já haviam se espalhado de sua base na Península Arábica para conquistar a Palestina. Em menos de um século, já haviam conquistado a Síria, a Pérsia, o norte da África e muito da Península Ibérica. Tudo isso, claro, era pela força, mesmo que as “conversões” forçadas fossem diminuindo conforme o Islã se distanciava de sua base geográfica. Tais conquistas militares foram notáveis, mas não sem precedentes (pense em Alexandre, o Grande, por exemplo) e, assim, não foram sinal certo de favor divino. A rápida expansão do cristianismo sem os meios da força (e, na verdade, na presença de muita perseguição), por outro lado, é notável, e é possível argumentar que aponta para uma bondade providencial direcionada à doutrina defendida pelos cristãos primitivos.

Cristãos tem sido um tanto vagarosos para aprender a lição que Lutero, a Escritura e a história da igreja nos ensinam em conjunto sobre esse assunto. A tentação de confiar na força – seja pessoal, política ou financeira – para a expansão do reino de Cristo, mesmo quando ela não é propriamente usada, é constante. É o outro lado da moeda de não acreditar que a Palavra de Deus pode, de fato, no tempo perfeito de Deus, trazer pecadores para seu Reino, ou trazer esse Reino à sua realização escatológica. Um bom medidor de onde nossa confiança para o sucesso do evangelho está pode ser o otimismo/pessimismo que sentimos em relação ao resultado de eleições ou pontos específicos de legislações. Há, é claro, muitas razões para participar dos processos políticos para buscar o melhor estado civil possível para nós e nosso próximo, crentes e descrentes. Há, igualmente, muitas razões para não se preocupar demais com o sucesso ou fracasso desses esforços; somos, afinal de contas, herdeiros de um reino que não será alcançado por meio de processos políticos, mas irá florescer por meio da proclamação da promessa de Deus e o poder dessa proclamação de gerar verdadeiros cidadãos (isso é, justificados, santificados e eventualmente glorificados) desse reino.
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Fonte: Reforma 21

31 de out. de 2014

A Audácia de Martinho Lutero

 Por Thiago Oliveira 


A menos que vocês provem para mim pela Escritura e pela razão que eu estou enganado, eu não posso e não me retratarei. Minha consciência é cativa à Palavra de Deus. Ir contra a minha consciência não é correto nem seguro. Aqui permaneço eu. Não há nada mais que eu possa fazer. Que Deus me ajude. Amém.

Lutero falou isso na Dieta de Worms, em resposta ao pedido de retratação. O clero o pressionava diante do Imperador, dos príncipes e senhores feudais. Ele deveria renegar seus escritos, todo o ataque proferido a uma Igreja rica politica-sócio e economicamente, mas que à luz das Escrituras era miserável, cega e nua. Sua resposta curta e objetiva deixava claro a todos os presentes que os valores da Bíblia são inegociáveis e se fosse necessário pagar com a própria vida, aquele audacioso monge agostiniano teria se sacrificado.

O sangue de Martinho Lutero não banhou o solo e seu corpo não foi consumido pelas chamas da inquisição. Recebeu guarida de um príncipe alemão e na sua clausura dedicou-se a fazer algo precioso: traduziu a Bíblia para um idioma nacional, no caso o germânico. Queria que o povo se libertasse através da Palavra. Foi assim com ele. Lendo os evangelhos e as cartas paulinas, deu-se conta de que a Igreja estava mergulhada em heresia. Era preciso fazer algo, e com certa urgência.

Ao fixar as 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, Lutero não tinha a intenção de provocar mais um grande cisma. O objetivo era renovar a Sé de Roma e não sair dela. Mas quem estava na lama decidiu se sujar ainda mais. Como não se teve um acordo, um dos efeitos da Reforma Protestante foi o racha com o catolicismo romano. O valente Lutero não retrocedeu. Sabia que Deus estava à frente desse processo e não o abandonaria a própria sorte. Homens como Wicliff e Huss tentaram, todavia, coube ao monge alemão a árdua e honrosa tarefa de reconduzir a adoração a Cristo no seio da igreja eleita.

Não era apenas um ataque as práticas católicas. Atacava-se uma teologia falaciosa que reduzia o sacrifício vicário de nosso Senhor Jesus Cristo à uma transação financeira. Bastava pagar pela indulgencia, assinada pelo próprio Papa. Vendia-se a salvação a preço de banana. Taí o grande mal: ensino errado, desembocando na ignorância de boa parte dos cristãos que por comprarem aquele pedaço de papel, achavam que um ente querido teria seus dias de sofrimento abreviados no purgatório.

Só a Escritura: Lutero defendeu que o único ensino é o que tem base bíblica. Se lá está escrito, então há respaldo. Só a Graça: Na Bíblia, a doutrina da graça expressava que nenhuma obra leva o homem a Deus. A salvação é imerecida, pois todos estavam debaixo do domínio do pecado. Só a fé: Este é o meio escolhido por Deus para salvar a humanidade. O justo viverá pela fé, essa foi a palavra que abriu a mente de Lutero. Só Cristo: Ele é o único mediador, o Papa não tinha o poder de perdoar pecados. Só a Deus, glória: A Reforma tira os holofotes da Igreja e exalta a Trindade. Deus elege os seus, Cristo os redime e o Espírito Santo sela. Não há espaço para vanglória humana.

Quase quinhentos anos se passaram, 497 para ser mais exato. Muita coisa aconteceu. A Igreja institucional passou por momentos de avivamento e pureza e depois mergulhou novamente em práticas e ensinamentos asquerosos. Por isso devemos atentar para o lema: “Igreja Reformada sempre reformando.” É certo que nem todos que dizem “Senhor, Senhor” entrarão no Reino dos Céus. É certo que o joio cresce com o trigo. É certo que Ele virá e fará a separação. Estarão com Ele aqueles que perseveraram como Igreja. Lá estarão os reformadores, que não mais precisarão reformar coisa alguma, apenas descansarão eternamente, e a luz de Cristo resplandecerá entre todos. Amém.

25 de out. de 2014

A Reforma e a Missão

Por Ronaldo Lidório

Após participar de um encontro de igrejas no nordeste da França tive a oportunidade de dar uma palavra também aos adolescentes de uma escola cristã. Na entrada da escola a réplica de um mapa de 1573 chamou a minha atenção. Era o mapa do império francês do fim do século 16 com centenas e centenas de marcas, em forma de uma cruz, espalhadas por toda a sua extensão. O diretor da escola se aproximou explicando que as marcas indicavam a localização de cada escola cristã na França da época, cerca de duas mil! Com voz melancólica completou que “hoje não passam de vinte”. A forte presença de escolas cristãs era um resultado direto da Reforma Protestante sob a influência de Lutero, Calvino, Zwínglio, Farel e Knox que defendiam a pregação da Palavra, uma escola cristã em cada igreja cristã e um culto centrado em Cristo e não na Igreja.

A Reforma Protestante - desencadeada com as 95 teses de Lutero divulgadas em 31 de outubro de 1517 – foi, sobretudo, eclesiástica em um momento que todos os olhares se voltavam para a reestruturação daquilo que a Igreja cria e vivia. Renasceram assim os dogmas evangélicos.

A Sola Scriptura defendia uma Igreja centrada nas Escrituras, Palavra de Deus; a Sola Gratia reconhecia a salvação e vida cristã fundamentadas na Graça do Senhor e não nas obras humanas; a Sola Fide evocava a fé e o compromisso de fidelidade com o Senhor Jesus; a Solus Christus anunciava que o próprio Cristo estava construindo Sua Igreja na terra sendo seu único Senhor e a Soli Deo Gloria enfatizava que a finalidade maior da Igreja era glorificar a Deus.

A missão da Igreja, sua Vox Clamantis, não fez parte dos temas defendidos e pregados na Reforma Protestante de forma direta. Isso por um motivo óbvio: os reformadores possuíam em suas mãos o grande desafio de reconduzir a Igreja à Palavra de Deus e, assim, todos os escritos e esforços foram revestidos por uma forte convicção eclesiológica e sem preocupação imediata com a missiologia. Isso não dilui, entretanto, a profunda ligação entre a reforma e a missão como veremos a seguir.

A Reforma e as Escrituras na língua do povo

A Reforma levou a Igreja a crer que o curso de sua vida e razão de existir deveriam ser conduzidos pela Palavra de Deus, submetendo o próprio sacerdócio a esse crivo bíblico. Foi justamente essa ênfase escriturística que despertou Lutero para a tradução da Palavra na língua do povo e inspirou posteriormente centenas de traduções populares em diversos idiomas, fomentando movimentos como a WycliffeBibleTranslators com a visão da tradução das Escrituras para todas as línguas entre todos os povos da terra.

Hoje contamos com a Palavra do Senhor traduzida para mais de duas mil línguas vivas. João Calvino enfatizava que “... onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida em toda a sua pureza... não há dúvida de que existe uma igreja de Deus”. O grande esforço missionário para a tradução bíblica resulta diretamente deste conceito resgatado na Reforma Protestante.

A Reforma e o culto participativo

A Reforma reavivou o culto em que todos os salvos, e não apenas o sacerdote, podem louvar e buscar a Deus. E Lutero, como uma de suas primeiras atitudes, colocou em linguagem comum os hinos entoados nos cultos. Esta convicção de que é possível ao homem comum louvar a Deus incorporou na Igreja pós-reforma o pensamento multiétnico através do qual “o desejo de levar o culto a todos os homens”, como disse Zuínglio, não demorou a ressoar na Igreja, culminando com o envio de missionários para o Ceilão pela igreja Reformada holandesa no século 17. Isso, então, disparou um progressivo envio missionário e expansão da fé Cristã nos séculos que viriam.

Um culto vivo ao Deus vivo foi um dos pressupostos reformados que induziu a obra missionária a levar esse culto a todos os homens transpondo barreiras linguísticas, culturais e geográficas.

A Reforma e a expansão da fé cristã

A Reforma destacou a Glória de Deus como motivo de existência da Igreja e isso definiu o curso de todo o movimento missionário pós-reforma no qual o estandarte de Cristo, e não da Igreja, era levado com a Palavra proclamada entre outros povos. Os morávios já testificavam sobre isto, no século 18, quando o conde Zinzendorf, ao ser questionado sobre seu real motivo para tão expressivo e sacrificial movimento missionário, respondeu: “estamos indo buscar para o Cordeiro o galardão do Seu sacrifício”. John Knox, na segunda metade do século 16, escreveu que, como resultado da Reforma, o Evangelho era exposto em toda parte, perto e longe. O centro das atenções, portanto, era Cristo e nascia ali um modelo cristocêntrico de pregação do Evangelho que marcaria o curso da história missionária nos séculos posteriores.

A Reforma Protestante passou a Igreja pelo crivo da Palavra e isto revelou a nossa identidade bíblica segundo o coração de Deus. Seguindo o esboço da eclesiologia reformada, poderemos concluir que somos uma comunidade chamada e salva pelo Senhor e com uma finalidade na terra. Zwínglio, logo após manifestar sua intenção de passar a pregar apenas sermões expositivos, em janeiro de 1519 afirmou em sua primeira prédica que “a salvação põe sobre nós a responsabilidade de obediência”. Não era suficiente apenas ouvir e compreender. Era preciso obedecer e seguir.

A Reforma e a motivação para o serviço e a missão

A Reforma também destacou o assunto do nosso propósito de vida e elucidou que a finalidade maior da nossa existência não é servir à Igreja ou a nós mesmos. A exposição de Calvino da carta aos Romanos, com especial destaque no último capítulo, deixa bem clara a evidência bíblica e convicção reformada de que vivemos e trabalhamos para a glória de Deus. A obra missionária, assim, passou a ser realizada não para expandir uma instituição, uma ideia ou um clero, mas para glorificar ao Supremo Criador e esta foi uma das grandes contribuições da Reforma para a missiologia protestante e para as ações missionárias.

Em Romanos16, versos 25 a 27, lemos: “Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu Evangelho” (fala de Deus), “conforme a revelação do mistério” (o “mistério” é o Messias prometido a todos os povos), "e foi dado a conhecer por meio das Escrituras Proféticas" (aponta para o meio de revelação), "segundo o mandamento do Deus eterno" (aponta para o desejo fomentador da nossa salvação), "para a obediência por fé"(aponta para o meio de salvação), "entre todas as nações” (esta é a extensão do plano salvífico de Deus).

Que lindo texto! Nele, Paulo resume a teologia da missão e expõe o propósito de Deus em resgatar pessoas de perto e de longe, em Cristo Jesus.

Mas qual o motivo maior para esse plano divino que visa a redenção de todos os povos? Ele completa no verso 27: “Ao Deus único e sábio seja dada glória ...”. É a glória de Deus! E esse é também o maior e mais importante motivo para nos envolvermos com o propósito de fazer Jesus conhecido até a última fronteira do país mais distante, ou da família na casa vizinha.

Martinho Lutero, em um sermão expositivo em 1513, baseado no Salmo 91, afirmou que “a glória de Deus precede a glória da igreja”. É momento de renovar nosso compromisso com as Escrituras, reconhecer que existimos como Igreja pela graça de Deus, orar ardentemente por fidelidade de vidas e entender que o próprio Jesus está construindo a Sua igreja na terra.

A Reforma e a busca por um coração pronto e sincero

O símbolo de Calvino passou a ser um coração seguro por uma mão e apresentado bem alto. Ao redor, escrito em latim, se lia Cor Meum Tibi Offero Domine Prompte et Sincere – “meu coração a ti ofereço Senhor, pronto e sincero”. Calvino, usado por Deus em sua geração e tantas outras entendia que, além de todo o conhecimento teológico e humano, havia a grave necessidade de um coração quebrantado e pronto.

John Knox, na busca por um coração aquecido e avivado no Senhor Jesus proclamava que a ponte entre o conhecimento e a transformação era o quebrantamento. Dizia em outras palavras que, sem um coração quebrantado, nenhum conhecimento teológico ou humano produziria uma vida transformada.

Concluo citando uma vez mais as palavras do reformador Lutero no livro GlorytoGlory em que ele nos ensina a dar passos e nos mostra que nossa vida em Cristo, como também a nossa missão na terra, são uma caminhada.

“Esta vida, portanto, não é justiça, mas crescimento em justiça. Não é saúde, mas cura. Não é ser, mas se tornar. Não é descansar, mas exercitar. Ainda não somos o que seremos, mas estamos crescendo nesta direção. O processo ainda não está terminado, mas vai prosseguindo. Não é o final, mas é a estrada. Todas as coisas ainda não brilham em glória, mas todas as coisas vão sendo purificadas”.

Que o Senhor nos quebrante, converta, abençoe e use para a Sua glória.
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Fonte: Revista Ultimato 

19 de out. de 2014

A Reforma Protestante: Uma introdução ao contexto histórico e aos cinco solas

Por Thomas Magnum

Ao falarmos da reforma protestante estamos refletindo historicamente sobre um momento importantíssimo para a igreja cristã e para todo desdobramento social, cultural e político do século dezesseis e os anos subsequentes. Verdade é que, se não tivermos a devida compreensão do contexto da reforma nosso estudo ficará incompleto e deficiente. Quando olhamos panoramicamente sobre tudo que precedeu a reforma teremos em foco a soberania de Deus e sua providência; trazendo seu povo novamente a sua vontade e a fidelidade a sua Palavra. Da mesma forma que Deus levantava nações e reis para julgarem seu povo no antigo Israel, assim o Senhor fez entre o terceiro e o décimo sexto séculos. A reforma não trouxe somente uma restauração doutrinária à igreja, trouxe também uma cosmovisão alargada do reino de Deus, a reforma modificou a sociedade, a política, as artes, a literatura, os relacionamentos familiares, as ciências, a filosofia e a história.

Observaremos alguns fatores que contribuíram para o desdobramento da reforma protestante no século dezesseis. Na verdade Deus estava preparando o mundo para a restauração de sua igreja. Partindo do princípio reformado da soberania de Deus, entendemos claramente que Deus escreve a história, e a doutrina da providência é a evidência disso, da encarnação dos decretos do Altíssimo. Dentre muitos fatores que moveram a reforma temos a questão religiosa, a questão política, a questão moral e a filosófica ou cientifica.

A Questão Religiosa

Desde o terceiro século com Constantino a igreja começou a se meter em um sincretismo desmedido. A idolatria invadiu o culto sagrado, as imagens tomaram lugar nos templos, a pregação fora substituída por discursos vazios e sem vida. A eucaristia foi maculada pelo entendimento errado e chamada de transubstanciação, a infalibilidade papal fora outorgada, a tradição da igreja foi posta em mesmo grau de autoridade da Bíblia Sagrada. Os crentes não participavam da eucaristia, mas, somente os sacerdotes ordenados, que davam ao povo somente a hóstia. O povo não tinha a Bíblia em sua própria língua, mas ouvia os padres lerem em latim. O povo foi privado das grandes verdades do evangelho, que foi substituído por doutrinas de homens caídos. Todo esse contexto trouxe para a igreja degradação espiritual e moral.

A Questão Moral

Por muitos anos os imperadores escolheram os papas da igreja, mas quando Hildebrando assumiu o papado a coisa mudou e muito, ele foi o maior dos papas, dele veio muitas ideias posteriores à autoridade papal e ao colégio dos clérigos da igreja. A autoridade papal foi exaltada com Hidelbrando [1]. A partir daí a figura do papa tornou-se iconoclasta. A autoridade dos papas agora era maior que a dos imperadores. O papa podia colocar alguém no trono e tirá-lo de lá. Esse, requerido pelos lideres maiores da igreja, que reivindicavam a sucessão de Pedro na liderança da igreja. O resultado foi que tais homens alimentavam sua cede de poder e riquezas, muitos papas eram muito ricos e tinham filhos, tinham concubinas, eram homossexuais. Instaurou-se na igreja uma queda moral sem limites e controle.

A Questão Política

A igreja começou a se esmerar no acumulo de bens, a desenfreada ambição dos papas em juntar riquezas levaram a igreja a se tornar literalmente a grande prostituta do sagrado. Transações políticas, alianças, recebimento de quantias de dinheiro enormes dos poderosos da época que temiam o poder da igreja, até chegarmos nas indulgências. A compra de perdão dos pecados e a diminuição do tempo de parentes no purgatório. A figura de Tetzel foi importante nesse período [2].

A Questão Filosófica e Cientifica

Entre os séculos XIV e XVII ouve a ascensão do renascentismo, que era uma reforma ideológica tanto nas artes, filosofia e ciência. Esse fator também contribuiu poderosamente para a insatisfação do povo contra os dogmas da igreja católica romana, quando irrompe a reforma todos esses fatores listados acima contribuíram e prepararam o espirito da época para o que ocorreria em seu clímax com Lutero [3].

Os Pré-Reformadores

A igreja sempre teve homens e mulheres que desejavam a reforma espiritual, e lutavam para isso. Alguns nomes que podemos citar é Francisco de Assis, Isabel a católica e mais a frente com John Huss e John Wicliff que traduziu a bíblia para o inglês, os dois últimos foram mortos por causa da sua pregação contra os abusos da igreja [4].

O Surgimento do Papado

O termo Papa era comum no mundo antigo segundo o historiador da igreja Justo Gonzales, existem muitos documentos antigos que atribuem o termo Papa (papai) a bispos eminentes na idade das trevas, ao papa Cipriano de Cartago, ou ao papa Atanásio de Alexandria. No mundo antigo existiam cinco grandes patriarcados, estes eram:

Jerusalém
Antioquia
Alexandria
Constantinopla
Roma

Os patriarcas dessas cidades exerciam poder religioso e político, dentre todas elas Roma se destacava, tanto pelo poder do patriarca e por ser a capital do império. O argumento da igreja Católica Romana para a existência de um bispo universal é baseado na estadia de Pedro em Roma, e a utilização da fala de Jesus dizendo: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha igreja...”

As Reivindicações da Reforma

Sola Scriptura – Em contra partida ao ensino da igreja Católica Romana, a reforma afirmava que somente a escritura era a autoridade da igreja (Sola Scriptura), que não era o poder do papa ou a tradição da igreja que eram as maiores autoridades, mesmo ao lado da escritura, a reforma afirmava categoricamente Somente a Escritura é a autoridade da igreja, e por ela a igreja é governada.
Ref: II Tm 3.16,17; Gl 1.8; 1 Jo 5.9

Sola GratiaA reforma afirmava enfaticamente somente pela graça o homem poderá ser salvo dos seus pecados, somente Deus graciosamente agindo no homem, retirando dele o coração de pedra e lhe dando um coração de carne. A igreja afirmava que a igreja era a doadora da salvação, o grande levante de Lutero em relação às indulgências que João Tetzel estava apregoando, portanto o compromisso reformado era escriturístico, o que a Palavra dizia sobre a salvação.
Ref: Ef 2.8; Ez 36.26; Jr 31.31-33

Sola FideAo contrário do que o catolicismo professava a reforma vindicava que somente pela fé o homem será salvo. A Confissão de Westminster expressa bem o pensamento dos reformadores:

A Graça da fé, por meio da qual os eleitos são habilitados a crer para a salvação da sua alma, é obra que o Espírito de Cristo faz no coração deles, e é ordinariamente operada pelo ministério da Palavra; por esse ministério, bem como pela administração dos sacramentos e pela oração, ela é aumentada e fortalecida. CFW
  
 Ref: Hb 10.39; Rm 1.16,17; Jo 6.54-56

Solus Cristhus – Somente Cristo é o mediador entre Deus e os homens, somente através de seu sacrifício substitutivo e em seus méritos os homens serão salvos, a igreja não é medianeira, os santos não são intercessores isso cabe somente ao cordeiro de Deus.

Declaração de Savoy – A prouve a Deus, em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu filho unigênito, para ser o mediador entre Deus e o homem, Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador da igreja, o herdeiro de todas as coisas e o juiz do mundo; deu-lhe desde toda a eternidade, um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado, e glorificado.

Cristo é o único cabeça da igreja, Declaração de Savoy:

Não há outra Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; nem pode o Papa de Roma, em qualquer sentido, ser a cabeça dela, senão que ele é aquele Anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo que se chama Deus, e a quem o Senhor aniquilará pelo esplendor de sua vinda.

Ref: Jo 1.29; 1 Pe 1.19-20; 1 Tm 2.5; Ef 5.23

Soli Deo GloriaSomente a Deus a Glória na igreja e em toda criação, o grande motivo da existência da igreja é  a glória de Deus.
Savoy diz:

Há somente um Deus, vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeição, um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, partes ou paixões, imutável, imenso, eterno, incompreensível, onipotente, sapientíssimo, santíssimo, totalmente livre totalmente absoluto, operando todas as coisas segundo o conselho de sua própria imutável e justíssima vontade, para sua própria glória, amantíssimo, gracioso, misericordioso, longânimo, riquíssimo em bondade e verdade, perdoando a iniquidade, a transgressão e o pecado; galardoador daqueles que o buscam diligentemente; e no entanto justíssimo e mui terrível em seus juízos, pois odeia todo pecado, e de modo algum inocenta o culpado.

Ref: Rm 11.33-36

Todos os fatores que acarretaram a reforma protestante estavam nos decretos de Deus, como o mundo foi preparado na plenitude dos tempos para encarnação do verbo, como Deus usou reis de nações ímpias e podemos destacar aqui a Babilônia, como Deus usou Ciro, Senaqueribe e tantos outros para cumprir seus propósitos, assim foi no desembocar da reforma, Deus estave sempre no controle de tudo.

Ao levantar homens como os reformadores que semelhante aos profetas do antigo testamento, levavam o povo de volta as Escrituras como na história do rei Josias, também lemos algo semelhante no livro Esdras e Neemias, o povo foi trazido de novo à palavra pela palavra e sendo transformados pela palavra. Os efeitos da reforma foram incalculáveis a graça de Deus era a mensagem central dos reformadores. Por isso devemos refletir nossa postura hoje, em nossa geração.

 A igreja em sua grande maioria tem voltado aos pecados de Roma. As indulgências não estão mais nas mãos de Tetzel, estão com mais ênfase nas mãos dos pregadores da prosperidade. As artimanhas de Satanás estão sendo pregadas dos púlpitos de igrejas históricas. O envolvimento de lideres com a maçonaria, com o sincretismo religioso, com as nuanças do inferno.

A reforma não pode ser esquecida por nós, não podemos despreza-la, Deus a de requerer isso de nossa geração, nossa teologia não pode somente estar num altar semântico, mas deve ser real, piedosa, confrontadora, verdadeira em sua totalidade. Quem somos nós diante do Deus eterno para manipularmos sua Palavra, haverá um juízo porque há um juiz. Não temos hoje o Papa Leão X que desejava cobiçosamente a construção da Basílica, mas temos pregadores vaidosos, que pregam a teologia reformada, mas seu coração quer a glória, querem ser conhecidos, querem ser elogiados, querem ser alvo de adoração. A arrogância de muitos reformados na atualidade é digna de repúdio, a obra de Deus não depende de homens, depende daquele que fez do nada todas as coisas.

Deus não precisa de ninguém, nem de nada para realizar sua vontade, Ele fala e acontece. Que as motivações da reforma sejam as nossas, que a glória de Deus e somente dele seja nosso desejo. Deus não nos chamou para levantarmos impérios religiosos, Ele nos chamou por sua graça, para louvor da sua glória.

Soli Deo Gloria
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Notas

[1] História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
[2] História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
[3] Uma História do Cristianismo, Latourett – Ed. Hagnos
[4] A Era dos Reformadores, Justo gonzales – Ed. Vida Nova

Bibliografia Utilizada

Declaração de Savoy
Confissão de Fé de Westminster
História da Igreja Cristã, Nichols – Ed. Cultura Cristã
História Ilustrada do Cristianismo, Justo gonzales – Ed. Vida Nova
Uma História do Cristianismo, Latourett – Ed. Hagnos
Dogmática Reformada, Herman Bavinck – Cultura Cristã
Compêndio de Teologia Apologética – François Turretini
Teologia Sistemática, Augustus Hopkins Strong – Hagnos